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ELENOR SCHNEIDER

Carpe diem

Nesse tempo de pandemia e isolamento, parece que os dias perdem sua identidade. Parecem, como diz Mario Vargas Llosa, uma sequência de decalcomanias monótonas. Várias vezes já me flagrei pensando “que dia é hoje”. Falei com amigos que me confessam a mesma confusão. As rotinas repetidas à exaustão devem estar na raiz desses desencontros.

Mas não há tempo a perder, dias a desperdiçar. Quando eu trabalhava em escolas, e até mesmo na universidade, era comum ver a segunda-feira execrada. Quando, em meio a bocejos escancarados e doces lembranças de sábado e domingo, os alunos reclamavam, sempre lhes dizia: a vida é curta demais para descontar um dia da semana. Vivam intensamente também a segunda-feira.

A expressão que escolhi como título tornou-se bastante conhecida a partir do filme Sociedade dos Poetas Mortos. Ali, vemos o professor John Keating insistindo com seus alunos para que vivessem o tempo presente, a vida presente. Carpe diem é traduzido como aproveita o dia, mas também como colhe o dia. Na verdade, é apenas parte de uma frase mais longa que diz “aproveita o dia e confia minimamente no amanhã”. Sua origem data de distantes tempos da Roma antiga.

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Eu prefiro o colhe o dia, porque colher contém mais suavidade, mais serenidade, mais ternura. Pede mãos leves, gestos revestidos de gentileza. Não tem o sentido abrupto, por exemplo, de ceifar. Há diferença entre ceifar o trigo e colher o trigo. Vamos, então, aproveitar o dia, colher o dia, mesmo quando situações adversas estejam momentaneamente nos desafiando para a negação. Não ignoro as pessoas – e são muitas – que estão travando duras batalhas esperando que a sequência de aflições fique para trás. Cada dia, cada tempo apresentam seus desafios, mas também suas oportunidades e seus encantos.

Carlos Drummond de Andrade, no poema “Mãos dadas”, começa dizendo: “Não serei o poeta de um mundo caduco / Também não cantarei o mundo futuro / Estou preso à vida e olho meus companheiros / Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças”. E, mais adiante, finaliza: “O tempo é a minha matéria, o tempo presente / os homens presentes / A vida presente”.

Desfrutar o tempo que nos é dado é preciso. Cada queixa amarga, dessas desnecessárias, reforça um passageiro mal-estar e posterga a possível felicidade presente. Estar preso à vida e olhar os companheiros aponta para uma sugestiva rota de viver. Ater-se exclusivamente a um mundo caduco, a um mundo que já se foi, é também uma forma de não viver.

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Não defendo que se viva apenas o presente, mas, enquanto nele, preparemos também os caminhos do futuro. Confiar minimamente no amanhã talvez não seja a melhor opção de vida, mas cabe não descartar o dia de hoje, seu sol, sua chuva, seu frio, seus amores e seus afetos. Então, cada um do seu jeito, dentro das suas possibilidades, colha o dia, aproveite o dia. Carpe diem!

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