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Futebol feminino

Na disputa por reconhecimento: elas também batem um bolão

A Copa do Mundo de Futebol Feminino da França atraiu a atenção do planeta para a modalidade. Os números confirmam o crescimento no interesse. Desde a última edição, em 2015, no Canadá, houve aumento de 51% no tempo médio dedicado pela população em geral às transmissões de jogos de futebol feminino, conforme o Kantar Ibope. Como reflexo do evento mundial, ocorre maior mobilização inclusive em âmbito de Brasil, e não tem sido diferente em Santa Cruz do Sul e na região.

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O mundial delas fez muito sucesso na Unisc

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Santa Cruz do Sul já conta com iniciativas que realçam as meninas de chuteiras. Uma delas foi a simulação do Mundial Feminino de futsal nas quadras da Unisc entre os dias 22 e 23 deste mês, com a presença de 24 equipes, promovido pelo projeto de integração Jogando Limpo.

Nesse Mundial, o Chile foi representado pelo Excudetto. A equipe de futsal foi criada há 26 anos e é coordenada por Rosimeri Faleiro, de 47 anos. Os treinos acontecem de duas a três vezes por semana, geralmente no Parque da Oktoberfest. Jorge Rech é o preparador de goleiros, e Eliza Vargas atua como preparadora física e treinadora. O grupo conta com jogadoras a partir de 15 anos.

Foto: João CaramezEquipe do Excudetto, que representou o Chile no Mundial na Unisc
Equipe do Excudetto, que representou o Chile no Mundial na Unisc

 

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Neste ano, Franciele Becker Bastos, 18 anos, passou em teste do Malgi Futsal, de Pelotas, equipe destacada no Estado. Suelen Silva, de 30, já atua como profissional no Grêmio. De forma esporádica, o Excudetto participa de torneios regionais. O objetivo é conseguir recursos para disputar a Liga Gaúcha, organizada pela Federação Gaúcha de Futsal (FGFS). “Estamos sempre correndo atrás de patrocínio e apoio. Buscamos fornecer um mínimo de estrutura para as atletas. É um desafio, pela falta de valorização da modalidade”, comenta Rosimeri.

O Boa Forma FC representou a China no Mundial de futsal. A equipe foi criada há 12 anos por um grupo de amigas. No início, treinavam duas vezes por semana e disputavam competições. O desgaste na organização as fez optarem por apenas se reunirem para jogar. “O grupo se manteve durante todo esse tempo e se transformou em uma família”, afirma a produtora audiovisual Simoni Helfer, 32 anos. Uma iniciativa anual do Boa Forma é o Gre-Nal de bombacha, realizado há oito anos na Semana Farroupilha. Gabrieli Jacobs, relações-públicas de 31 anos, integra o projeto Jogando Limpo, iniciado em 2014.

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Foto: João CaramezJá a seleção da China foi representada pela turma do Boa Forma FC
Já a seleção da China foi representada pela turma do Boa Forma FC

 

A ideia do Mundial foi colocada em prática no ano passado. Em 2019, a segunda edição contou com equipes de 17 municípios. “Nosso olhar está muito voltado para a base. É importante que as meninas aprendam desde cedo, que estejam no ambiente do futebol já na infância. A ideia futura é criar uma escolinha para categorias de base”, diz Gabrieli.

Claudinha Silva, 39 anos, batalha pelo reconhecimento do futebol feminino e integra a Associação Santa Cruz de Esportes Feminino (Assef), criada em 2018. Em sua avaliação, o esporte é uma ferramenta de inclusão e socialização. Além da formação de atletas, o esporte promove a valorização da mulher e a criação de valores. Uma das ações é a roda de conversa na Escola Harmonia com profissionais do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. O projeto da Assef funciona em três núcleos: Arroio Grande, Schulz e Santa Vitória. Os treinos acontecem nas quadras e nos campos, com um grupo total de 45 atletas e quatro instrutores.

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Foto: João CaramezClaudinha Silva jogou no inter em 2017
Claudinha Silva jogou no inter em 2017

 

Os polos são importantes pela questão do acesso, o que dá condição a meninas de bairros próximos. A UEF Cup, campeonato regional de futsal promovido pela União das Escolinhas de Futsal, é uma das competições das quais a Assef participa para dar visibilidade às categorias de base. “O acesso e o apoio aos homens são maiores, ainda existe essa diferença. Há mais facilidade para que os meninos possam chegar a algum clube, que tenham um mínimo de estrutura para seguirem no futebol. A disparidade é muito grande ainda”, comenta. Claudinha coordenou parceria com o Futebol Clube Santa Cruz entre 2016 e 2018. Por meio da Assef, a equipe tornou-se Flamengo Futebol Feminino, em parceria com o clube do Arroio Grande. O precursor foi o Santa Cruz Futsal Feminino, criado em 2013.

Claudinha chegou a ficar seis meses no Internacional em 2017, quando passou em uma peneira. A experiência adquirida em um grande clube possibilitou um avanço no conhecimento a ser transmitido às garotas da Assef. Competições como a Copa Encantado, segundo Claudinha, são fundamentais para oportunidades de enfrentar equipes de relevância. O encontro com a goleira Bárbara, da Seleção Brasileira e do Kindermann, time catarinense da primeira divisão nacional, foi um ponto alto. “Futebol não é só troféu. É ferramenta para a formação de cidadãs.”

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No Avenida

Patrícia Molz, secretária do Esporte Clube Avenida, de 32 anos, sempre gostou de futebol. Na infância, jogava com os garotos e, aos poucos, passou a entender a dinâmica do jogo. Em 2011, criou um grupo para jogar futsal por recreação com amigas, uma vez por semana. Assim foi criada a equipe Phoenix, que participou de campeonatos na região. Também integrou a organização de torneios por meio do projeto Jogando Limpo.

Por mais espaço e visibilidade, a equipe procurou o Avenida em 2016 para que o clube pudesse ter um departamento feminino. “Sempre trabalhamos com amor e vontade, em uma luta diária. A dificuldade com os custos era enorme e precisávamos de auxílio a cada competição. O tempo livre era dedicado ao futebol, por ter de conciliar com o trabalho. Foi um período de muito aprendizado. Somos gratas a todos que nos incentivaram”, destaca.

Foto: Reporodução/FacebookPatrícia Molz
Patrícia Molz criou um grupo para jogar futsal por recreação com amigas

 

Pelas dificuldades, Patrícia optou por unir forças com o Excudetto neste ano. Outra parceria que está sendo firmada, para o futebol do campo, é com a Associação do Futebol Amador de Santa Cruz do Sul (Afasc), para competições regionais e estaduais. Em 2017 e 2018, quatro atletas foram emprestadas à Associação Estrela de Futebol para a disputa do Gauchão feminino. As atletas Bruna Wink e Larissa Rosa compõem o elenco sub-14 do Internacional e foram reveladas pela Avenida.

Monte Alverne: experiência diretiva

Berenice Bohnen foi presidente do Departamento de Futebol Monte Alverne de 2016 a 2018. A diretoria era composta exclusivamente por mulheres, com seis integrantes. Apesar de não ter campeonato feminino, a gestão feminina superou a desconfiança inicial e foi aprovada pelos homens. Uma realização foi o lançamento do livro comemorativo dos 40 anos da liga, com autoria do jornalista Benno Bernardo Kist, lançado pela Editora Gazeta. “Era um sonho antigo e conseguimos registrar a história por meio do livro. Foi um momento emocionante, ainda mais pelo fato de que participo desde a infância”, comenta.

Foto: DivulgaçãoBerenice (quarta, da esquerda para a direita) com a diretoria feminina do Departamento
Berenice (quarta, da esquerda para a direita) com a diretoria feminina do Departamento

 

Competições

O Campeonato Municipal começou em 2017, com o São Martinho campeão. No ano passado, o título ficou com o Real Martinho. A edição deste ano será definida em uma reunião que ocorrerá em julho. Um campeonato de futebol sete está em andamento, promovido pela Liga de Integração São Martinho-Paredão, com oito equipes participantes. Também está em disputa a 25a Copa Regional de Futsal, promovida por meio da Secretaria de Segurança, Defesa Civil e Esporte. A Liga Integração de Futebol Amador de Santa Cruz do Sul (Lifasc) contou com duas edições do campeonato feminino de futsal. Em 2013, o Rio Pardinho foi campeão. No ano seguinte, a taça ficou com o Linha Santa Cruz.

Clubes profissionais

Se os grandes clubes investem o mínimo no futebol feminino, ou sequer contam com departamentos específicos, a realidade em clubes menores é ainda mais crítica. Em Santa Cruz do Sul, os clubes se esforçam para manter o futebol masculino profissional ativo em meio aos altos custos envolvidos. Tiago Rech, presidente do Santa Cruz, explica que o clube encerrou uma parceria que existia até o início deste ano. Mas ressalta que a intenção é fazer uma reestruturação para que o departamento feminino seja reativado. O presidente do Avenida, Jair Eich, observa que o departamento de futebol feminino no clube existe, mas está com as atividades paralisadas.

Experiência no exterior

O futebol sempre esteve presente na vida de Elena Mueller, de 26 anos, natural de Goiânia e radicada em Vera Cruz desde a infância. “Comecei a jogar em casa sozinha. Chutava bola nas paredes e corria na grama. Na escola, joguei com os meninos até os 12 anos, quando passei a atuar com as meninas. Participei de jogos escolares, do Guri Bom de Bola e de outros torneios”, explica. Depois do ensino médio, Elena não conseguiu se profissionalizar no futebol. O sonho ficou literalmente para escanteio. Com isso, dedicou-se aos estudos e se formou em Relações Públicas na Unisc, em 2016. O futebol havia se transformado em hobby.

Em 2017, já como profissional autônoma da comunicação, percebeu uma mudança no cenário do futebol feminino e passou a se dedicar aos treinamentos físicos e técnicos. Desde a metade de 2018, conta com uma equipe de parceiros em fisioterapia, massoterapia, psicologia, personal trainer e nutrição, além de academia. Elena foi integrante do elenco da Associação Estrela de Futebol, que chegou à semifinal do Gauchão Feminino. Então foi convidada para jogar no Viçosa Sport Club, de Minas Gerais.

Neste ano, recebeu a oportunidade de passar três meses no AFA Olaine, da primeira divisão da Letônia, por intermédio do clube mineiro. “Foi muito importante para a carreira e pela experiência pessoal. Para conhecer o estilo de jogo europeu e o método de trabalho utilizado. Posso definir como um grande desafio, também pelo idioma, pela alimentação, pela cultura e pela convivência em outro país”, detalha. Com o currículo encorpado, Elena fará testes em breve para seguir em atividade.

Opinião
João Caramez – Jornalista
[email protected]

Uma luta constante contra julgamentos prévios e a superação de barreiras impostas pelo status quo são elementos enfrentados por praticantes do futebol feminino, principalmente no Brasil. A comparação com o masculino é injusta, mas sempre entra na pauta de discussões. Se para os homens a primeira Copa do Mundo aconteceu em 1930, a das mulheres foi realizada pela primeira vez somente em 1991.

A norueguesa Ada Hegerberg é a atleta mais bem paga, ao receber 400 mil euros por temporada no Lyon, da França. A brasileira Marta, seis vezes a melhor do mundo, ganha 340 mil euros por temporada no Orlando Pride, dos EUA. Enquanto isso, Neymar tem salário de 91,5 milhões de euros no Paris Saint-Germain, da França. Lionel Messi, no Barcelona, embolsa 130 milhões de euros por temporada.

A discrepância nos rendimentos reverbera em outras questões, como falta de patrocínios, falta de interesse da mídia, falta de investimento em estrutura e categorias de base, falta de um calendário melhor organizado e falta de profissionalização na maioria dos clubes. No Brasil, os 20 clubes da Série A do Brasileiro masculino são obrigados a ter um departamento feminino. O primeiro Brasileirão feminino foi realizado somente em 2013.

O contexto é necessário para que se possa entender a dimensão do futebol feminino. No mundo, os Estados Unidos dominam o cenário pelo fato de o futebol ser praticado pelas meninas desde a infância e ter orçamento ideal. Alemanha, França e outros países da Europa tentam alcançar patamar semelhante. No Brasil, o trabalho engatinha. As melhores atletas atuam no exterior e o futebol nacional encontra problemas, como a (quase) ausência de formação ainda na infância e jogadoras que precisam de um segundo emprego porque o futebol não paga as contas. A visibilidade inédita da Copa do Mundo deste ano, na França, pode transformar a realidade atual. Para a evolução da modalidade, é necessário um esforço conjunto. A semente precisa ser regada para florescer.

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