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Na Itália

Gaúcha com coronavírus alerta para riscos da pandemia no Brasil

Foto: Arquivo Pessoal

Enfermeira teme que Brasil enfrente situação semelhante à vivida pela Itália

Radicada na Itália desde janeiro de 2003, a enfermeira formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Elizandra Franchi mora em Aosta, conhecida como a Roma dos Alpes, de cerca de 40 mil habitantes. Lá há 134 casos positivos de coronavírus, e ela é um deles. Além disso, duas pessoas morreram pela pandemia e outras 1.398 estão em isolamento domiciliar. A Gazeta do Sul conversou com Elizandra. Ela descreve a realidade do local e deixa um alerta a todos os brasileiros.

ENTREVISTA
Elizandra Franchi
Enfermeira

Gazeta do Sul – Como é a tua vida na Itália?
Elizandra – Trabalho e moro na Itália há 17 anos. Me formei em Enfermagem na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Cheguei a trabalhar na área por dois anos no Brasil, depois vim para cá, em janeiro de 2003. Atuo em nefrologia e diálise. Traçando um paralelo, a vida aqui, logo que cheguei, era muito diferente, muito mais fácil, havia mais oportunidades de se fazer tudo. Com o tempo, a crise chegou e as coisas estão piorando. O coronavírus fez a crise aumentar.

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Como estão os postos de saúde e os hospitais?
Eu atuo no Hospital Umberto Parini. Estamos trabalhando com máscara cirúrgica e luva. As precauções que temos são usar esses instrumentos, os mesmos do paciente. A recomendação maior é lavar as mãos muitas vezes durante o dia usando álcool e sabão. O álcool gel funciona, mas não é a única coisa que tem para se fazer. Lavar bem as mãos e evitar tocar os olhos, o rosto, a boca e o nariz. Aqui, gel e máscara não tem para comprar em lugar nenhum.

Outras recomendações são de manter a distância de, pelo menos, um metro entre uma pessoa e outra. Isso na área da saúde é impossível. Além disso, quem puder deve evitar ir ao hospital e sim ligar. Aqui, o médico entra em contato e passa as indicações do que fazer e atestado para ficar em casa, para evitar o contágio.

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Você testou positivo para coronavírus? Que sintomas teve?
No dia 5 de março eu tive febre muito alta e dores pelo corpo todo, principalmente nas articulações. Não tive tosse, coriza ou dor de garganta. Isso não era suficiente para fazer o Swab (exame microbiológico) para ver se era ou não positivo ao coronavírus.

Me recomendaram ficar em casa, tomar o antipirético (paracetamol) para baixar a febre e esperar passar. Passou depois de quatro dias, voltei a trabalhar. Segunda-feira, 16, fui trabalhar, como todos os outros dias, e um paciente que estava internado no período em que tive os sintomas fez o Swab e testou positivo. Eu fui submetida ao teste também e hoje pela manhã (terça- feira, 17) recebi o diagnóstico de que tenho coronavírus.

Quando o resultado é positivo, o médico telefona e transmite todas as recomendações. Você tem que traçar uma história retroativa de todas as pessoas com que entrou em contato nos últimos dez, 12 dias, para que elas sejam consultadas e façam o exame que identifique ou não o Covid-19.

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Se você não tem sintomas e está bem, eles não fazem o exame. É muita gente que precisa ir para o hospital, que necessita de ventilação mecânica e vai para a UTI. Algumas pessoas ficam internadas semanas na UTI. Os leitos para estes pacientes são poucos porque eles têm que ficar em isolamento. Se o hospital tiver capacidade, o paciente fica sozinho; senão, com outro também infectado.

A equipe da enfermagem, quando entra para atender, tem que vestir uma roupa que parece de astronauta. Máscara, óculos e luvas e outra roupa por cima do uniforme, além do pé. Após finalizar o atendimento, saindo do quarto, se coloca fora tudo o que usou, exceto os óculos, que são esterilizados. O custo do tratamento é muito elevado. Aqui na Itália o slogan adotado pelo governo é “Io resto a casa” – eu fico em casa.

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Como está a rotina dos profissionais da saúde em Aosta?
No dia 5 de março, saiu um decreto fechando as escolas. O problema foi que fecharam as escolas, mas os bares, restaurantes e lojas ficaram abertos. A população não acreditava que ia chegar neste ponto. Já tinha iniciado na região da Lombardia, em Milão, mas parecia que era uma coisa circunscrita, que não afetaria mais localidades. A cidade de Aosta fica a cerca de 300 quilômetros do foco do vírus na Itália.

Os números começaram a aumentar, hoje são 134 casos positivos (dados até terça-feira, 17). Com isto, cresceu a procura de pessoas que buscam assistência em hospital e internação. Os hospitais e clínicas mandaram embora todos os pacientes que poderiam ter alta, ou mínimas condições de serem atendidos em casa, só para priorizar quem não tem condições de ficar em casa. As unidades foram esvaziadas com os pacientes “normais” e transformadas em unidades para pacientes Covid-19 positivos.

No leito, ficam só o paciente e os funcionários. Nem os familiares têm contato. Começamos pela manhã e saímos só à noite. É maçante. Não sei quanto tempo vamos aguentar.

Vestir todo aquele aparato é estressante. Você não come direito, não bebe para evitar ir ao banheiro. Oito horas sem se alimentar, sem ir ao banheiro, só em pé trabalhando, não é fácil. Eu espero que essa situação não dure muito, mas a realidade é diferente. Acredito que vai se arrastar por muito tempo, infelizmente.

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Houve treinamento dos enfermeiros?
Trabalho com hemodiálise, não tive instruções de como lidar com esse tipo de paciente (coronavírus positivo). O hospital está concentrando o treinamento para quem está em contato direto com as pessoas contaminadas pelo vírus. Ao final do turno, os enfermeiros se mostram muito cansados, por conta de todos os cuidados. As janelas estão sempre abertas e isso às vezes não ajuda muito, pois o clima ainda é gelado.

Você conhece o sistema de saúde brasileiro. E na Itália, como é?
É bom, nos últimos anos caiu um pouco. As pessoas não eram acostumadas com a realidade de hoje, pois se tinha tudo à disposição. Não havia filas nos postos e hospitais. Desde 2015, com a redução de verbas para a Saúde, a qualidade no serviço caiu. Atendimentos que antes eram feitos no dia, hoje as pessoas esperam até seis meses, dependendo da especialidade. A saúde pública aqui piorou, mas não chega ao nível do que é no Brasil.

Cada um tem que fazer a sua parte. As pessoas devem ficar em casa. A transmissão é muito fácil. Para ser curado é complicado, tem que esperar passar a incubação, repetir exames e só depois de dois testes negativos você volta a trabalhar. Vou ficar em casa 15 dias sem poder sair, entre quatro paredes. Se precisar de algo do supermercado, vou ter que achar alguém que vá para mim e deixe a sacola na porta de casa. Por enquanto, tenho tudo.

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Como a população tem reagido às recomendações?
Está respondendo bem, só se sai para ir ao supermercado. Não há junções de pessoas. Quem vai às compras faz a fila fora do estabelecimento. Entram no máximo cinco pessoas por vez e na fila tem que respeitar a distância de um metro. Além disso, quem sair de casa deve levar uma declaração, com endereço, número de telefone, nome e documentos. Você deve declarar de onde saiu e para onde vai. Por exemplo, “saí da minha casa e estou indo para o supermercado”. Se a polícia parar você, tem que entregar essa declaração. Se eles entendem que o motivo é válido para estar na rua, ok; senão, você pode ser multado. Há até uma pena de reclusão para quem desobedecer às ordens.

Você tem acompanhado a evolução do coronavírus no Brasil? Que recomendações teria?
Não tenho acompanhado o que está acontecendo no mundo. Aqui a situação é muito difícil. Tenho “gritado” todos os dias para que as pessoas passem a mensagem: não tem que sair de casa. Falei com familiares, colegas e amigos no Brasil. Tenho medo de que esta pandemia tenha uma explosão como teve aqui. Se isso acontecer, vai morrer muita gente. Isso me assusta porque eu sei bem das condições em que os profissionais trabalham no Brasil. Infelizmente, não é como aqui. Se tu precisares de uma assistência, uma ventilação mecânica, não vai ter. Aqui na Itália já não tem, imagina aí.

Peço que fiquem em casa. Não é para visitar o pai, a mãe ou o irmão porque está de aniversário. Tenham paciência. Cada um na sua casa. Eu estou dentro de casa. Desde o dia 4 de março que eu não saio mais, a não ser para trabalhar e ir no supermercado. Quem vai ao supermercado deve comprar o essencial, o que precisa.

Amo ser enfermeira, tanto que agora, positiva ao coronavírus, estou reclusa, para proteger os meus pacientes, porque é inútil dizer que está bem se você pode ser transmissor. Eu estou bem, pois não tenho problemas de saúde e doenças graves, mas para o meu paciente que está lá, o vírus pode ser fatal. Cada um tem uma reação diferente.

Conversei com a minha chefe, quatro colegas não estão bem. Vou buscar me distrair, me organizar, limpar a casa, ver um filme. Vou pensar, refletir, colocar as ideias em ordem e pensar na vida, pois a saúde é tudo o que a gente tem.

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