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Direto da redação

Apesar das dissonâncias

Sempre gostei muito de música, mas não tenho muito apreço pelas formas contemporâneas de audição, como o Spotify e outros serviços digitais. Pode ser idiossincrasia saudosista, bobagem retrô, mas ainda prefiro os CDs, por exemplo. Eles são uma representação palpável do artista e de seu trabalho. Quer dizer, algo que tem identidade e, assim sendo, faz com que eu também me identifique mais facilmente. São uma presença. Quando estou em casa, olho para a estante e vejo meus discos, penso: “Elas estão ali”. Elas, entenda-se, as músicas. E me sinto bem.

Combinação de sons com ênfase na beleza da forma: música. Na coluna anterior, mencionei o filme francês Feliz Natal, que conta a história improvável, mas verídica, de soldados adversários que baixaram as armas e contraternizaram em pleno front da Primeira Guerra Mundial. Alemães e franceses fizeram um surpreendente cessar-fogo durante a noite de Natal de 1914. E tudo começou porque, de um dos lados, alguém começou a cantar muito alto Stille Nacht – uma composição austríaca mais conhecida, entre nós, pelo título de Noite Feliz. É uma das melodias mais conhecidas do mundo, com versões em mais de 40 idiomas. Naquele momento, a música superou as barreiras impostas pelo conflito e trouxe um breve intervalo de paz e solidariedade em meio ao morticínio. Os inimigos mortais descobriram algo em comum.

A música como forma de estabelecer contato pacífico entre diferentes também foi a “chave” de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg. Como esquecer a antológica sequência de cinco notas usada para a comunicação com os alienígenas no filme? Talvez uma das mais belas representações de como a arte pode superar obstáculos intransponíveis à primeira vista. Ainda há quem diga que ela é inútil.

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Porém, em tempos de brutalidade cada vez mais ostensiva e orgulhosa de si, é de arte que precisamos. Não como válvula de escape, pelo contrário: para enfrentar com firmeza este mundo, a “crueldade do mundo”, como define o filósofo Edgar Morin no livro Meus demônios. “O ser humano tem em si um movimento ruidoso de monstros que ele libera em todas as ocasiões favoráveis”, escreve Morin. Conviver com esses monstros sem se deixar dominar por completo é um desafio que dura a vida inteira.

Particularmente, tenho a música como um dos recursos para não me afogar na violência que grita ao redor – e na violência que há dentro de mim, pois ninguém é uma fortaleza imaculada. Por sorte, também “tenho a música dentro”, como no poema de Vera Lúcia de Oliveira – “um som que a minha alma sabe que existe apesar da dissonância da minha vida”.    

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