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Direto da redação

Tenha paciência

Se tem algo que nunca fui, é bom fisionomista. Consigo situar facilmente as pessoas em minhas lembranças através do nome, mas custo um pouco a reter um rosto, o que leva a situações, razoavelmente frequentes, do tipo ser cumprimentado por alguém na rua e não saber de quem se trata. E há dois agravantes. Primeiro, vivemos em uma cidade onde conhecidos se cruzam a todo instante. Depois, por dever de ofício, mantenho sempre contato com muita gente e leva um tempo catalogar identidades, biografias e semblantes nos escaninhos da memória.

O que mais me preocupa é a possibilidade de um dia – pode ser que já tenha acontecido – deixar de dar “oi” a alguém por conta dessa fraqueza involuntária. E pior: que isso seja confundido com falta de educação, algo que sempre desprezei. Talvez seja o caso de sugerir aos vereadores uma lei para obrigar todo mundo a usar crachá. Ou então eu devesse tatuar na minha testa: “Mau fisionomista. Tenha paciência”.

Isso, aliás, me faz lembrar a moça que, há algumas semanas, grudou uma placa no vidro traseiro do carro para alertar que estava debutando no volante e pedir condescendência dos sempre implacáveis motoristas santa-cruzenses. Me lembra também um senhor que vi ter um chilique outro dia no banco porque julgou que estava demorando demais para ser atendido.

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O que a minha situação e a deles têm em comum? Ilustram a nossa demasiadamente humana dificuldade de se colocar no lugar do outro. Se uma pessoa não responde a um cumprimento, nossa tendência é tachá-la de mal-educada, antipática, arrogante. Dificilmente ponderamos: vai ver estava distraída ou preocupada com algo, ou talvez apenas não seja muito boa em gravar rostos. Se um motorista faz uma besteira na nossa frente, as chances de lembrarmos que pode ser um aprendiz (como todos já foram algum dia) são mínimas. Da mesma forma, quem grita com um atendente de banco nem cogita que não é dele a culpa pela suposta demora e que, provavelmente, ele está fazendo o melhor que pode – assim como nós tentamos em nossas atividades e mesmo assim nem todos ficam satisfeitos às vezes. Em outras palavras, somos muitos mais compreensivos conosco mesmos do que com os outros.

É, no fundo, um pensamento egocêntrico. Agimos como protagonistas do mundo e vemos quem nos cerca como meros figurantes que existem somente para completar a nossa história, como se não tivessem passado, defeitos e qualidades, limitações e imperfeições. Esquecemos que o mundo é um só e que somos apenas parte dele, do mesmíssimo e microscópico tamanho de todas as outras pessoas. Somos, como diz o Mário Sérgio Cortella, o “vice-treco do sub-troço” e tantas vezes agimos como a tal bolachinha derradeira do pacote. Em tempos tão confusos, o simples “tenha paciência” pode ser mesmo revolucionário.

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