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Direto da redação

O mecanismo

Alguém tinha dúvidas de que O mecanismo geraria polêmica? A mim, confesso, a barulheira da semana que passou não causou surpresa alguma. Se até o assassinato covarde de uma vereadora é capaz de nos dividir hoje em dia, não seria uma série inspirada na Operação Lava Jato que teria consenso. Desconfiei disso desde que li a primeira notícia a respeito, meses atrás. Só não sabia qual seria o estopim da celeuma.

Assisti a quase toda a temporada em uma sentada. E não há como negar que há problemas para além de sua qualidade estética – que não é lá grande coisa. Ainda que o diretor José Padilha insista que não se trate de um trabalho de pretensão documental, as referências estão muito claras, o que impõe à obra alguma responsabilidade, queiram os seus criadores ou não. Ou alguém não entendeu que Petrobrasil é, na verdade, a Petrobras? Sendo assim, colocar na boca do personagem que representa Lula uma frase sabidamente dita por Romero Jucá e datar o escândalo do Banestado na era petista quando ocorreu, de fato, no governo FHC, não é exatamente honesto. A licença dramática tem limites.

Por outro lado, fico pensando: será que Padilha e a roteirista Elena Soarez acreditavam que ninguém ia notar essas falhas? O áudio de Jucá, aquele do “estancar a sangria”, é reproduzido até hoje nas redes sociais e não é preciso ser muito velho para saber quando foi o caso Banestado. Será que isso tudo não passou de uma provocação, uma tremenda jogada de marketing para atrair atenção à série? Se eu estiver certo, quem aderiu ao movimento pelo boicote à Netflix – a meu ver, infantil e inócuo – não fez mais do que comercial gratuito para a obra. Padilha agradece.

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Independente disso, lamento que não estejamos discutindo também o que há de valor em O mecanismo, e eu destacaria dois aspectos. O primeiro, como disse Elio Gaspari em um artigo na Folha de S. Paulo essa semana, é o de “clarear” a trajetória da Lava Jato. Não sei quanto a vocês, mas diante do turbilhão de desdobramentos dos últimos anos, eu já havia me perdido sobre como tudo começou. E isso, me parece, está muito bem descrito ali. Goste-se ou não, a operação tem uma importância histórica para o Brasil e, por isso, merece ser documentada.

O segundo é a sua coragem. Onde mais assistiríamos a ladrões de colarinho branco vibrando na cadeia porque o processo deles subiu para o Supremo Tribunal Federal? Onde mais veríamos um candidato a presidente ser chamado textualmente de bandido? Certamente não seria nas novelas da Globo ou nos filmes nacionais, que em sua esmagadora maioria são dependentes de patrocínios que limitam o conteúdo. É uma pena, no entanto, que isso esteja passando à margem do debate polarizado e irrefletido. E que a própria série tenha estimulado isso.

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