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Direto da redação

O risco que há em nós

Sou da geração que nasceu com a democracia bem estabelecida no Brasil. Quando aprendi a ler e escrever, já aconteciam eleições diretas regulares e já tínhamos instituições autônomas e plena liberdade de imprensa. Mais do que isso, cresci em um ambiente de apreço pela democracia e de imediata reação a qualquer sinal de que nossos direitos fundamentais poderiam ser abalados. Para quem tem a minha idade, restrições às liberdades, autoritarismo e censura são ideias abstratas.

Foi apenas recentemente que pela primeira vez ouvi falar, aqui e acolá, de que nossa democracia poderia estar ameaçada. O que, convenhamos, não é verdade: seguimos elegendo nossos representantes, as instituições são mais atuantes do que nunca e dispomos de um inédito espaço para nos expressar sem medo.

Ainda assim, a preocupação com o nosso regime democrático não só foi pauta permanente na eleição presidencial como parece ter orientado o voto de muita gente, sobretudo no segundo turno. O curioso é que essa preocupação era reproduzida por apoiadores das duas candidaturas. Enquanto o PT era acusado de alinhamento ideológico com governos autoritários, Bolsonaro representava para muitos o retorno aos anos de chumbo da era militar.

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O que interessa aqui não é qual dos lados estava certo (provavelmente nenhum dos dois), mas sim o significado dessa percepção que era (e ainda é) compartilhada por ambos. Para mim, trata-se de um indício de que, se existe alguma fagulha antidemocrática no País, ela está mais na própria sociedade do que no sistema político. Dilma caiu perante o Parlamento, Lula foi condenado e preso, e Bolsonaro, com apenas quatro meses de poder, já enfrenta a força do Congresso. Ou seja, a democracia vem tratando de tolher qualquer instinto em contrário que eventualmente exista em nossos governantes.

Se há, portanto, algo a nos preocupar, é menos o que ocorre em Brasília e mais o que ocorre entre nós mesmos, nas discussões em redes sociais, grupos de família e mesas de bar. Se tratamos o contraditório como algo a ser erradicado, se a convivência com o pensamento antagônico torna-se insuportável, se a convicção política passa a balizar o conceito de “pessoa de bem” e se ninguém mais admite mudar de opinião, aí sim a democracia fica abalada. Aliás, mais do que aceitar a diferença, o pressuposto da democracia é reconhecer a necessidade da diferença. Sem isso, não há democracia, tanto faz quem é o presidente.

Embora seja mais cômodo pensar o contrário, arrisco dizer que a sociedade é hoje menos democrática do que o sistema político que nos representa. Não há sinal concreto de golpe, à esquerda ou à direita, nesse sistema. Mas há, sim, um sentimento antidemocrático germinando e inflamando aos poucos na população. Sabe-se lá até onde ele pode nos levar.

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