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Santa Cruz

Polícia investiga fraude na venda de imóveis na cidade

Aos 78 anos, após décadas de trabalho no interior, Iraci Joanna Jahn Gervazoni vendeu a propriedade em que criou os quatro filhos, em Sobradinho. Comprou um loft em Santa Cruz do Sul para ficar mais perto da família. Mas, com a chave em mãos, ela descobriu que o imóvel já havia sido ocupado por outro morador. Um investidor responsável por essa obra é investigado pela Polícia Civil por cerca de 30 casos de suspeita de estelionato no setor imobiliário. O irmão dele, corretor de imóveis, também está sob investigação como autor da venda de parte desses imóveis para mais de um comprador. 

Pelo loft, na Rua Vereador Ivo Cláudio Weigel, no Bairro Renascença, dona Iraci pagou R$ 50 mil. Depois disso, passou a morar de aluguel até que o imóvel ficasse pronto. A promessa era de que a obra seria concluída em dois meses. No início deste mês, após quase dois anos de espera, ela conseguiu finalmente a chave com Paulo Roberto Gruendling dos Santos, investidor responsável pela construção. A surpresa veio quando a aposentada foi até o loft, esperando fazer sua mudança. Descobriu que as fechaduras tinham sido trocadas e a moradia já estava ocupada. 

A compra, segundo a idosa, foi feita com Ivan Gruendling dos Santos, irmão de Paulo. O corretor chegou a pagar quatro meses de aluguel para a aposentada. Outros três compradores do mesmo imóvel já foram identificados, conforme a delegada Ana Luísa Aita Pippi, da 1ª Delegacia de Polícia. Um deles, inclusive, foi responsável por custear a finalização da obra, que tinha ficado inacabada. “Dói lembrar. O que nós trabalhamos para ter aquilo lá e agora ficar com uma mão na frente e outra atrás”, relata dona Iraci. 

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Além dos imóveis que teriam sido vendidos em duplicidade por Ivan, segundo a polícia, Paulo teria vendido mais de uma vez o mesmo imóvel, sem que as imobiliárias soubessem. Ivan é investigado pela polícia por participação em, pelo menos, dez dos casos envolvendo imóveis do irmão e, assim como ele, foi indiciado por estelionato. Em um dos casos, conforme a investigação, o corretor vendeu o mesmo imóvel duas vezes em um mês. Ele alega que foi somente um erro de digitação no contrato. O loft já tinha outros dois compradores e hoje soma quatro proprietários. Somente um deles conseguiu ficar com a moradia, após concluir a obra. 

Além dos imóveis vendidos mais de uma vez, parte dos condomínios que deveriam ser construídos por Paulo nem saiu do papel, como nas ruas Germano Kessler, Boa Esperança e Lindolfo Gerhardt. Em média, as moradias eram vendidas por R$ 50 mil. A polícia identificou até o momento 15 construções com alguma irregularidade. Isso não significa que todos os que adquiriram o loft foram lesados, já que parte deles realmente conseguiu ocupá-lo. Mas algumas das vítimas, como um aposentado de 55 anos, mesmo tendo finalizado a obra com recursos próprios, até hoje não conseguiu escriturar o imóvel, que tem outros compradores em disputa. “Temos e não temos (o imóvel)”, lamenta. Os irmãos negam que tivessem intenção de lesar os compradores.

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ENTENDA

Os inquéritos

  • A Polícia Civil investiga ao menos 30 casos de estelionato referentes a imóveis que não foram entregues. A delegada acredita que, com a divulgação do caso, mais vítimas deverão procurar a polícia. Oito inquéritos já foram remetidos ao Judiciário. 

A venda dupla

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  • A venda, segundo a delegada Ana Luísa, era feita por Paulo e Ivan. “As imobiliárias venderam antes e em seguida eles venderam em duplicidade.” A investigação ainda não conseguiu precisar quantas vendas duplas ocorreram. A polícia identificou outras vítimas que sequer registraram ocorrência. Em um dos casos, houve quatro compradores do mesmo imóvel. 

Obras atrasadas

  • O atraso na obra, acredita a polícia, era proposital para que os clientes não descobrissem que o imóvel havia sido vendido em duplicidade. “Eles começaram a postergar a conclusão, por saber da venda dupla”, afirma a delegada Ana Luísa. Os casos teriam ocorrido de 2011 até o ano passado. 

Sem aprovação e sem registro

  • A polícia descobriu que nove condomínios, que apresentaram irregularidades, não têm registro de incorporação no cartório de imóveis. Destes, somente um teve o projeto aprovado pela Secretaria de Planejamento. 

As imobiliárias

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  • Segundo a delegada, a investigação não apurou envolvimento das imobiliárias nas vendas duplas. Por isso, elas não responderão pelo estelionato. As vendas teriam sido feitas pelos irmãos. Mas as três imobiliárias que comercializaram os lofts sem incorporação no cartório de imóveis deverão responder por crime contra a economia popular. Os nomes delas não foram informados pela polícia.

PONTO A PONTO

Quantas pessoas foram lesadas?

A polícia não sabe precisar esse número porque novos casos vêm sendo registrados. Algumas vítimas decidiram terminar a obra por conta e não registraram ocorrência. Outras decidiram procurar diretamente a Justiça para ingressar com processos cíveis. Em pelo menos cinco deles, a Justiça condenou Paulo a devolver o valor recebido pelos imóveis. As decisões ainda são passíveis de recurso.

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Qual a participação de cada um?

Paulo é o investidor que contratava as equipes para executarem as obras. Ele é citado em todos os casos investigados pela polícia e nos que estão na Justiça. Para os investigadores, ele vendeu os imóveis novamente após a venda pelas imobiliárias. Além disso, não finalizou parte das obras prometidas e algumas nem chegaram a começar. Já Ivan, corretor de imóveis, conforme a polícia, participava de parte das vendas em duplicidade.

Por que não houve prisão?

Segundo a delegada Ana Luísa Aita Pippi, como os últimos casos aconteceram no ano passado, até o momento, não há elementos para solicitar a prisão. Assim, os envolvidos só poderão ser presos após uma condenação pelo crime de estelionato. Os dois têm comparecido sempre que solicitado pela polícia.

Qual a participação das imobiliárias?

A Polícia Civil entende que as imobiliárias e os corretores poderão responder por crime contra a economia popular, nos casos em que venderam ou anunciaram condomínios que não tinham incorporação no registro de imóveis. Já na causas cíveis, na Justiça, nos casos em que houve sentença, até agora elas não foram condenadas. Os magistrados entenderam que a imobiliária participou somente da venda do imóvel, sem responsabilidade no atraso da obra. Por esse motivo, optaram por absolvê-las nos processos. n

OS LESADOS

Cinco imóveis e sem nenhum

Se em 2013, um funcionário público imaginasse que, quatro anos depois de comprar cinco imóveis na planta, tudo o que existiria de concreto seria um prejuízo de R$ 350 mil, o negócio nunca teria sido fechado. Hoje, aos 34 anos, à espera de uma resolução judicial, ele lamenta o investimento. 

Os imóveis deveriam ser erguidos nas ruas Lindolfo Henrique Gerhardt e Boa Esperança, nas proximidades da Unisc. Nunca saíram do papel. Um deles conta só com o alicerce cercado de mato. A localização, que facilitaria na hora de alugar, foi um dos fatores positivos apontados pela imobiliária durante a venda. 

O prazo para entrega da obra venceu em agosto de 2015 e desde então ele busca reaver o dinheiro, pago à vista. O valor era resultado de uma vida inteira economizando. “Já falei com a imobiliária, com o construtor e com o advogado dele. Eles só enrolam”, reclama.

Moradores terminaram obras

Um professor de 47 anos adquiriu dois imóveis em junho de 2012, na Rua Senador Salgado Filho. Para isso, repassou à imobiliária dois carros e o restante em dinheiro, num valor de R$ 54,4 mil cada. O contrato previa que, caso a moradia não fosse concluída até fevereiro de 2013, o comprador passaria a receber R$ 400,00 por mês. Com o atraso, chegou a receber alguns dos pagamentos.

Mas a surpresa veio em 2015, quando ele foi procurado por outro comprador, que tinha adquirido o mesmo imóvel. O professor passou a fazer contato com mais compradores do condomínio, com dez lofts. Por fim, no início de 2016, todos decidiram se unir e finalizar a obra.

“Cada um pagou R$ 14.800 para terminar.” O professor conseguiu ficar com os imóveis comprados, mas ainda assim se considera lesado. “A gente ainda conseguiu em parte resolver. Outras tantas perderam capital e não têm o que fazer. Quantos compraram em duplicidade. É horrível”, relata.

Disputas entre “donos”

Em 2013, um aposentado de 55 anos comprou dois imóveis – um em construção e outro na planta, ambos na Rua Ivo Cláudio Weigel – por meio de uma imobiliária. O investimento foi de R$ 90 mil à vista pelos dois imóveis juntos. Mais R$ 10 mil seriam pagos quando recebesse as chaves. O contrato  previa um ano para finalização das obras. 

Nesse meio tempo, o aposentado começou a tomar conhecimento de alguns negócios, que nunca haviam sido terminados. “Fiquei com a sensação de que o futuro me reservava uma surpresa ruim.” Pouco tempo depois, ele ficou quatro meses fora da cidade. Ao retornar, deparou-se com as obras paradas. Um dos imóveis nem tinha sido iniciado. 

O aposentado finalizou por conta a obra que já estava em andamento. Só depois descobriu que o loft tinha outros donos. Apesar do investimento, até hoje ele não conseguiu escriturar o imóvel. Mais que prejuízo financeiro, o sentimento de impotência é o que mais o incomoda. “Eu me sinto um idiota.”

Planos desfeitos

Em março deste ano, Silvio Baierle da Silva, 46 anos, e  Loreci Oliveira, 45, chegaram à conclusão de que tinham sido vítimas de um golpe e decidiram procurar a polícia. Já aguardavam há quase três anos pela entrega de dois lofts. Para pagar os R$ 93,9 mil, entregaram o valor recebido de uma herança e um carro. Os imóveis deveriam ser erguidos nas ruas Vereador Ivo Cláudio Weigel e Imperatriz Dona Leopoldina, no Bairro Renascença. A entrega deveria ocorrer em abril de 2014. 

Quando o prazo terminou, os lofts ainda estavam em construção. Nesse período, como já havia esgotado o prazo de entrega, receberam pagamentos de aluguéis, até o início de 2015. Quando pararam de receber, decidiram procurar a Justiça. Em janeiro deste ano, quando a obra foi concluída, descobriram que os imóveis tinham outros proprietários. “Foi um golpe tão grande. A gente sabe que muita gente está na mesma situação. Mas acho que as pessoas têm vergonha”, diz o mecânico.


Silvio Baierle da Silva e  Loreci Oliveira chegaram à conclusão de que tinham sido vítimas de um golpe. Foto: Rodrigo Assmann.

Os imóveis foram adquiridos junto a uma imobiliária. Com a demora, passaram a negociar diretamente com Paulo. Mas até hoje estão sem as moradias, registradas no nome de outras pessoas. Com o investimento, Silvio e Loreci pretendiam facilitar a vida da filha, que é universitária e trabalha em Santa Cruz do Sul. Pretendiam que ela morasse em um dos lofts. O sonho não se realizou. O casal, que residia em Santa Cruz, de aluguel, seguiu para Passo do Sobrado, onde mora agora na casa de familiares à espera de uma solução. “A gente não comprou imóvel nenhum. Comprou uma folha de papel”, lamenta Silvio.

Embates na Justiça

Uma empresária de 34 anos foi uma das compradoras que procuraram a Justiça para solucionar o impasse. A compra foi feita por intermédio de uma imobiliária. A família conheceu o terreno – na Rua Germano Kessler, no Bairro Renascença – onde, no ano seguinte, o loft seria erguido. A previsão da entrega era setembro de 2014. 
A empresária pagou R$ 54 mil, de um total de R$ 58 mil cobrados pelo imóvel. Os outros R$ 4 mil deveriam ser pagos quando as chaves fossem entregues. O condomínio nunca saiu do papel, e a compradora decidiu procurar na Justiça alguma solução. 

Paulo foi condenado a devolver os R$ 54 mil e pagar os aluguéis, no valor de R$ 400,00 cada, entre outubro de 2014 e dezembro de 2015. Em relação à imobiliária, a Justiça entendeu que ela só mediou a compra e venda e não tinha controle sobre o andamento da obra. O processo ainda está em fase de recurso.

Contraponto

Paulo Roberto Gruendling  dos Santos 

Os casos
Paulo diz que foi lesado financeiramente por pessoas que trabalhavam com ele e a crise teria impactado nos negócios. Ele afirma que não tinha conhecimento da venda em duplicidade. Argumenta que os contratos permaneciam nas imobiliárias e ele não tinha o controle sobre os apartamentos que já haviam sido comercializados. “A minha falha foi não acompanhar os contratos. Eu só me preocupava com as obras.” 

Ressarcir as vítimas
O investidor afirma que pretende ressarcir as vítimas. “Se eu tivesse feito intencionalmente, eu teria ficado com esse dinheiro, mas eu não fiquei. Se eu tivesse agido de má fé, não teria construído 11 prédios em quatro anos e meio e entregue, se eu tivesse a intenção de lesar alguém”, diz.  

Aluguéis 
Sobre os aluguéis, alega que repassava os valores às imobiliárias e para o próprio irmão, e não sabia que eles não estavam sendo pagos. 

Ivan Gruendling dos Santos

Os casos
O corretor alega que os imóveis em duplicidade não foram vendidos somente por ele, e sim por outros corretores. A versão é contestada pela polícia, que afirma que o corretor e o irmão foram responsáveis pelas vendas. Ele afirma que só vendeu imóveis entre 2014 e 2016 e não sabia que eles já haviam sido comercializados anteriormente. Ivan garante que não pretendia lesar os compradores. “Depois que eu fui saber que já tinham sido vendidos”, rebate.  

Ressarcir as vítimas
Ivan diz ter devolvido as comissões que recebeu com as vendas, nos casos em que as vítimas foram lesadas pelo irmão. E alega que ressarciu alguns compradores com valores próprios. 

Aluguéis
O corretor argumenta ainda que pagou os aluguéis dos compradores com recursos próprios. “Muitos lofts que eu vendi têm pessoas morando. Fui envolvido nisso sem saber.”

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