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Santa Cruz

Um lugar onde o uso do crack virou cena do cotidiano

O movimento de veículos era intenso no entorno do trevo do Bairro Bom Jesus, em uma das principais entradas para Santa Cruz do Sul. Às margens da BR-471, na lateral da rotatória que liga o município a Vera Cruz, uma mulher cobria a cabeça e as mãos do parceiro com um moletom cor de rosa.

Sob o tecido, iluminado pela luz do isqueiro, o homem acendia um cachimbo de crack. Duas ou três tragadas depois foi a vez dela, que passou a se esconder embaixo do casaco para fazer uso da droga. Vindo do outro lado da rodovia, um grupo de quatro pessoas atravessava o asfalto, a passos lentos, trocando o cachimbo com a pedra de mão em mão.

As cenas descritas acima fora presenciadas pela reportagem da Gazeta do Sul na tarde dessa sexta-feira, por volta das 16 horas. Dois dias antes, por volta das 15 horas, os mesmos eventos ocorriam com menos discrição: sentados a apenas dez metros de uma escola de educação infantil, no fim da Avenida Gaspar Bartholomay, usuários fumavam a pedra sem cerimônia entre um cigarro e outro.

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O uso desenfreado de entorpecentes no local, que fica a um quilômetro do Complexo do Lago Dourado – um dos principais pontos turísticos do município –, se concentra próximo a pontos de venda de drogas. De tão recorrente, o que deveria chocar parece ter se tornado apenas mais um detalhe da rotina, e já passa despercebido por quem circula pelo local.

“Eles ficam como satélites na volta das bocas de fumo, e não há o que fazer, porque são apenas usuários”, comenta o major Fábio Azevedo, subcomandante do 23º Batalhão de Polícia Militar (23º BPM). De acordo com ele, o uso de drogas não é considerado crime. Já se houver posse de pequena quantidade, que não configure tráfico, é feito um termo circunstanciado.

“Mas geralmente o que encontramos são farelos da droga. Quem sustenta o tráfico é o usuário das drogas elitizadas, como a cocaína e o ácido, o LSD. Embora a gente saiba que os usuários de crack com baixo poder aquisitivo acabam cometendo pequenos delitos para sustentar o vício, não acredito que se trate de um questão de polícia, mas de saúde pública e social”, avalia.

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Os efeitos da pedra

– O crack é feito com a sobra não refinada da cocaína, misturada a bicarbonato de sódio ou amônia e a outros elementos tóxicos, como a querosene.

– O formato sólido permite que a pedra seja fumada, e seu nome surgiu devido ao barulho que faz quando queima.

– Por ser um refugo, é uma droga mais barata do que a cocaína e custa em média R$ 5,00.

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– O crack chega ao cérebro em dez segundos, e seu efeito sobre o usuário dura de cinco a dez minutos.

– As principais sensações são autoconfiança, euforia, perda da sensação de cansaço e calor corporal.

– Assim que o efeito passa, o usuário é tomado por um sentimento depressivo, o que leva à busca urgente por novas doses.

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– A dependência acaba afetando a visão e causando dores no peito e convulsões. Nos casos extremos, provoca parada cardíaca. A morte também pode acontecer pela diminuição da atividade cerebral em áreas que controlam a respiração. Perda de peso, insônia e mudança de companhias são alguns dos sinais do uso.

Município atende hoje cerca de 700 usuários de drogas

Atualmente o Centro de Atendimento Psicosocial Álcool e Drogas (Caps AD III) de Santa Cruz atende cerca de 700 usuários de álcool e entorpecentes. No ano passado foram realizados 23.941 atendimentos. Este ano, entre janeiro e marco, já foram 5.135.

Conforme a coordenadora da unidade, Taís Giordani Pereira, não há um levantamento de quantos pacientes fazem uso especificamente de crack. “Cada caso é um caso. Nós temos uma estrutura de trabalho, mas o nosso desafio é adequar esse atendimento de acordo com as individualidades de cada um, para preservar a autonomia e a dignidade. Nós nos deparamos com diferentes histórias e entendimentos de vida, com casos de quadros psiquiátricos a serem tratados, e temos uma equipe grande para poder lidar com isso baseada na ética profissional, e não no moralismo”, explica.

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Além do atendimento médico, que inclui a desintoxicação, o Caps AD promove o tratamento psicológico e a retomada do vínculo familiar. “Não se trata só do vício. O uso acaba sendo um alívio para outras dores da vida, e nós tentamos mostrar possibilidades para que a substância não seja o único refúgio”, detalhou.

 

Foto: Bruno PedryUsuários se concentram perto de pontos de venda da droga, no fim da Rua Gaspar Bortholomay, nas proximidades da rotatória
Usuários se concentram perto de pontos de venda da droga, no fim da Rua Gaspar Bortholomay, nas proximidades da rotatória

 

São oferecidos atendimentos individuais, consultas médicas, oficinas, grupos terapêuticos e a modalidade de acolhimento diurno e noturno – onde  os pacientes podem ficar por até 14 dias. “Geralmente a pessoa que nos procura já entendeu que precisa de ajuda, mas é um caminho cheio de ambiguidades. Às vezes era só coisa de momento. Existe também a questão da impulsividade, porque ela quer que o tratamento tenha resultado tão imediato quanto o efeito da droga.”

O trabalho de redução de danos, que aguarda a chamada de profissionais aprovados em concurso para ter continuidade, é outra parte importante do tratamento dos usuários, pois atende nas ruas e busca a criação de vínculos de confiança para que eles busquem ajuda. “Há ainda o grupo de apoio familiar, porque às vezes o usuário é a ponta de uma família disfuncional. Entre os problemas que levam as pessoas às drogas há a falta de dinheiro, de trabalho, de moradia e de uma família. São situações sociais bem complexas.” O atendimento do Caps AD ao público é das 7 horas às 19 horas. A equipe também presta orientações pelos telefones (51) 3713 3103 e 37131851.

Perfil dos usuários

Sexo masculino – 87%
Idade entre 35 e 60 anos – 46%
Ensino fundamental incompleto – 53%
Primeiro uso aos 17 anos – 48%
Preferência por álcool – 44%

Outros sintomas

Além dos problemas causados na vida dos próprios usuários, outros transtornos surgem a partir das aglomerações para o consumo de crack, como a proliferação de lixo e a ocupação ilegal de espaços. Sendo parte dos usuários moradores de rua, é comum vê-los revirando sacos de lixo e espalhando os detritos no entorno da rotatória da BR-471, que recentemente também passou a abrigar uma cabana irregular, feita de lona e madeira. Parte dos usuários também parece estar migrando para outros bairros, como é o caso do Goiás. Segundo relato de moradores, há pelo menos três imóveis abandonados no bairro que passaram a ser ocupados por usuários de drogas. No dia 20 de março, a Gazeta do Sul publicou uma matéria sobre uma das casas, que fica na esquina das ruas Fernando Abott e Ruy Barbosa. No local a reportagem encontrou cama, peças de roupa, cachimbos, muito lixo e restos de alimentos.

LEIA MAIS: Ação de ladrões provoca medo nos moradores do Bairro Goiás

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