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Feudalismo

Os reflexos da operação que derrubou três vereadores

Legislativo de Santa Cruz do Sul, maior município da região, gastou apenas R$ 1,9 mil

Uma sequência de investigações que atingem figuras do alto escalão do poder público santa-cruzense vem gerando situações sem precedentes na política local e mergulhando a Câmara em uma crise às vésperas do período eleitoral. No espaço de apenas um ano, a Operação Feudalismo, do Ministério Público, teve um efeito arrastão: levou nada menos do que quatro vereadores ao banco dos réus, motivou a primeira prisão de um parlamentar na história do município e provocou desdobramentos políticos inéditos, com dois vereadores cassados e impedidos de concorrer.

Embora os primeiros efeitos tenham surgido em junho do ano passado, quando foi deflagrada a primeira fase, a origem da operação remonta a 2016, antes mesmo do último pleito, quando um relato de “rachadinha” levado à Promotoria de Defesa Comunitária motivou a instauração do primeiro inquérito civil. O alvo era Elo Schneiders.

Um ano depois, outro parlamentar foi denunciado: Alceu Crestani. Na ocasião, o denunciante sinalizou que esquemas parecidos poderiam existir em mais gabinetes, incluindo o de Paulo Lersch e o de André Scheibler. As investigações, porém, ganharam outra dimensão em 6 de novembro de 2017, quando foi aberto um procedimento investigatório criminal (PIC). Com isso, para além da suposta improbidade administrativa, o MP passou a apurar se a conduta dos vereadores configurava crime de concussão. Também foi nesse momento que a operação foi batizada: os indícios apontavam que a Câmara era formada por espécies de “feudos”, nos quais os vereadores aplicavam regras próprias e ilegais em benefício próprio.

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O início da investigação criminal abriu vias que permitiram uma apuração muito mais aprofundada. A partir de uma série de pedidos encaminhados à Justiça, o MP expandiu o seu leque de meios de obtenção de provas, como interceptações telefônicas e quebras de sigilos – métodos que não são possíveis em procedimentos cíveis. Com isso, levantou uma infinidade de elementos que, quase dois anos depois, embasaram as primeiras ações judiciais.

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Um esquema criminoso flagrado em tempo real

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Um marco absoluto na trajetória da Operação Feudalismo se deu em maio do ano passado, quando mais uma pessoa procurou espontaneamente o MP. Porém, diferente dos denunciantes anteriores, que eram todos ex-servidores da Câmara, desta vez a prática criminosa ainda estava em curso. Recém nomeada assessora, ela relatava estar sendo obrigada a repassar a maior parte de seus vencimentos a Paulo Lersch.

A revelação permitiu à Promotoria desencadear uma ação de proporções raras, por meio da qual a “rachadinha” pôde ser flagrada em tempo real. Com auxílio de agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de Porto Alegre, e valendo-se de câmeras e microfones ocultos e cédulas fotografadas, foram monitorados desde o saque bancário até a entrega do dinheiro em mãos por duas assessoras a pessoas ligadas ao vereador. Horas depois, durante o cumprimento de um mandado naquele mesmo endereço, ainda foi apreendido um envelope com uma grande quantia de dinheiro, o que deu materialidade ao esquema. Poucos dias depois, Lersch seria preso preventivamente. Embora negue a acusação de coação de testemunhas, que motivou a prisão, ele confessou a cobrança de salários.

O caso tornou-se paradigmático porque, embora trate-se de uma prática antiga e prevista como crime em lei desde 1940, jamais uma situação dessa natureza havia sido desvelada dessa forma no município. Um dos motivos era justamente a dificuldade de comprovar, o que desencorajava as denúncias. Não por acaso, todas as investigações apontaram situações em que os repasses dos valores eram feitos de forma muito reservada – sempre em dinheiro vivo, geralmente diretamente aos vereadores e na intimidade dos gabinetes. Nos casos seguintes, outras irregularidades viriam à tona, como “assessores fantasmas” e desvio de serviços e de patrimônio público.

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Segundo o promotor Érico Barin, que está à frente da operação, desde o início o MP se convenceu de que não havia nada de inofensivo naqueles atos. “Um legado que a operação já traz é deixar claro que essas situações não são toleradas. Esse aspecto preventivo já é bastante importante”, disse.

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Todo o Legislativo é atingido, opina analista

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Para além dos vereadores denunciados, a Operação Feudalismo representa um abalo para a credibilidade do Legislativo, com possíveis consequências nas urnas.

Para cientista político João Pedro Schmidt, a gravidade dos casos, somada à imagem já debilitada dos parlamentos no país, potencializa o efeito das investigações . “Para muitos, os legislativos são um gasto desnecessário de dinheiro público. Quando dentro de uma casa cuja imagem já não é das mais fortes acontecem ilícitos como esses, sem dúvida a própria instituição é atingida”, analisou.

No entanto, Schmidt, que já foi vereador e presidiu a Câmara, rejeita a ideia de que a “rachadinha” é uma prática institucionalizada. Segundo ele, é possível que seja uma realidade “costumeira”, mas não “uma prática de todos”. “Quando estive na Câmara, havia muitos comentários, mas nunca pensei que pudesse ser generalizado, nem no passado nem no presente”, colocou.

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Para recompor-se diante da opinião pública, a Câmara deve, na opinião de Schmidt, aprimorar os seus mecanismos de transparência. Não há, no entanto, uma solução única ou momentânea para a crise. “É um trabalho ao longo do tempo, a boa atuação dos agentes políticos. Penso que há pessoas muito valorosas na atual legislatura”, observou.

Com a prisão de um vereador e a cassa ção de outros, nomes fortes da política local estarão impedidos de participar da próxima eleição. As repercussões da operação, porém, podem ser maiores. Conforme Schmidt, uma possibilidade é que o eleitorado aposte mais em nomes novos, buscando uma renovação da Câmara maior do que em pleitos anteriores.

Outra é uma escalada das abstenções e de votos nulos e brancos. Porém, a não omissão por parte da Câmara em relação aos casos, que vêm levando às cassações, pode fortalecer os atuais vereadores. “As cassações são um testemunho a favor da seriedade do Legislativo. Pode ajudar a reduzir essa tendência (de renovação).”

O ARRASTÃO

Paulo Lersch

Sua prisão preventiva, que completou um ano nessa sexta-feira, marcou a deflagração da primeira fase da operação. A investigação provou que Lersch, então no segundo mandato, exigia parcelas de salários de duas servidoras indicadas por ele na Câmara. Ao todo, ele teria se apropriado de cerca de R$ 60 mil em um período de um ano. Em fevereiro, ele e um ex-assessor foram condenados por concussão e coação. Para Lersch, que renunciou ao mandato e foi expulso do PT, a pena prevista é de nove anos e sete meses em regime fechado. Esta semana, a defesa anunciou que vai pedir a anulação do processo por conta de provas que só teriam sido entregues à Justiça após a sentença. A ação de improbidade administrativa ainda está em andamento.

Elo Schneiders (PSD)

Em novembro do ano passado, MP ajuizou uma ação cível e uma ação criminal contra ele. Então no sexto mandato, ele é acusado de exigir parcelas dos salários de duas ex-assessoras da Câmara e de um ex-subprefeito. Além disso, responde por um suposto esquema de prestação de serviços e entregas de materiais de maneira informal no período em que foi secretário de Agricultura. Afora improbidade administrativa, ele responde por organização criminosa, concussão e peculato. Na semana passada, a Câmara autorizou a sua cassação por 16 votos a zero. Três pessoas ligadas a ele também são alvo das ações.

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Alceu Crestani (PSD)

Alceu Crestani PSDB – Incerto

Tornou-se, na semana passada, o primeiro vereador cassado da história de Santa Cruz do Sul. Ele responde na Justiça por improbidade administrativa, concussão e peculato. Segundo a acusação, Crestani exigiu parcelas de salários de um ex-servidor durante cerca de um ano e manteve um “assessor fantasma” em seu gabinete.

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André Scheibler (PSD)

Segundo o MP, trata-se da denúncia mais grave até agora. Afastado do cargo há quase um mês por força de liminar, ele responde por improbidade administrativa, associação criminosa, peculato-apropriação, concussão e peculato-desvio. O conjunto de irregularidades inclui exigência de salários de assessores, “assessores fantasmas” e uso de patrimônio público com interesses privados. Outras cinco pessoas ligadas a ele também são rés. Ao todo, ele teria se apropriado de mais de R$ 345 mil de servidores. Scheibler ainda enfrenta um processo de cassação, que está em fase inicial.

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Advogados acusam excessos

Embora reconheçam méritos da Operação Feudalismo, advogados que defendem acusados apontam precipitações e excessos na condução das investigações. Atuante na defesa de três vereadores – Lersch, Crestani e Scheibler –, Ezequiel Vetoretti entende que a operação é comandada por um promotor “muito competente”, mas alerta que a versão do Ministério Público não pode ser tomada como uma “verdade absoluta”, o que, segundo ele, é “um mal para a Justiça e a sociedade”. “Vejo atropelos que colocam antecipadamente em xeque imagens e reputações, o que, ao meu ver, é um erro lamentável”, avaliou.

Na mesma linha, o defensor de Schneiders, Marcos Morsch, admite a importância de investigações que cumpram um papel de depuração na política, mas entende que houve uma generalização após a prisão de Paulo Lersch. Para ele, as situações são distintas porque, no caso de Lersch, havia “provas robustas e uma confissão”, o que não ocorreu nos demais. “A opinião pública é levada a crer, pelas ações do MP, que todos os outros casos são idênticos ao de Lersch. Mas cada caso tem a sua particularidade e a criminalização da política é perigosa”, observou.

Morsch também critica o que considera uma exposição excessiva das investigações pela Promotoria. “Quando se divulga, muito embora sejam pessoas públicas, está se dando uma conotação de prévia culpabilidade e não está se observando o princípio da Constituição que é a presunção de inocência”, colocou.

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