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Adolescência

A vida por trás das grades da Fase: controle e saudade

À primeira vista, quem vê Cláudio*, 18 anos, não imagina que o adolescente tímido e de poucas palavras cumpre medida no Centro de Atendimento Socioeducativo Padre Cacique (Case PC), em Porto Alegre.  O menino santa-cruzense foi condenado por assalto e está detido há um ano e dois meses na unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase). Assim como ele, outros 28 meninos do Vale do Rio Pardo se encontram no Case PC, única unidade do Estado para onde os garotos da região são enviados.

Além dos adolescentes da regional de Santa Cruz, a unidade Padre Cacique abriga meninos que cumprem medidas socioeducativas procedentes de cidades da Região Metropolitana e da regional de Osório. É o caso de Douglas*, 18 anos, natural de Magistério, no Litoral Norte do Estado, que, assim como Cláudio, foi condenado por roubo, delito praticado por 45% dos adolescentes que vivem na Fase. Além de envolvimento em assaltos, ele, que está no Case PC há seis meses, tem condenação por tráfico de drogas e formação de quadrilha. “Eu fui pego pela polícia seis vezes e consegui me livrar de vir pra cá, mas na sétima vez não escapei”, conta Douglas, meio envergonhado.

Apesar de serem de lugares diferentes do Estado, a história de Cláudio e Douglas é muito parecida. Os dois, influenciados por amigos, viram nos atos infracionais uma possibilidade de ter mais dinheiro com menos esforço. Antes de começar a roubar, o menino de Santa Cruz chegou a trabalhar como servente, ajudando o pai, enquanto o guri do Litoral foi empacotador em um supermercado. Cláudio morava em um bairro da Zona Sul com a família: mãe, pai, quatro irmãs e quatro irmãos – um deles com passagem no sistema penitenciário. Já Douglas vivia com a namorada, o filho, agora com oito meses, e a mãe – o pai ele não conheceu e o irmão mais velho está preso.

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Em comum, Cláudio e Douglas apontam a saudade da família, da liberdade e a vontade de crescer na vida, mas, dessa vez, através dos meios tradicionais.  “Cheguei e só tinha a sexta série. Agora já tô no segundo ano do ensino médio”, comemora o adolescente de Santa Cruz, que, além de frequentar a escola dentro da unidade, faz cursos profissionalizantes. “Já fazia um ano que eu não tava estudando. Agora tenho oportunidade de novo”, concorda Douglas. “Acho que foi importante eu parar aqui. Se não fosse preso, eu não teria parado de roubar. É bom levar um susto. Eu vejo a minha família se matando por mim. Tudo isso faz o cara pensar”, explica, lamentando apenas não poder acompanhar o crescimento do filho.

O dia dos meninos da Fase tem início às 7 horas, quando são obrigados a acordar, tomam café da manhã e começam suas atividades. Enquanto alguns frequentam a escola de manhã e cursos profissionalizantes à tarde, outros fazem o mesmo no turno inverso. Durante o dia, eles têm direito a uma hora de “banho de sol”, único período do dia em que ficam no pátio. À noite, realizam mais algumas atividades, como oficinas de música e pintura, aulas ministradas por agentes socioeducativos.

O tempo do banho também é controlado. Eles não podem demorar mais que cinco minutos no chuveiro. “Mesmo assim, a gente é bem limpinho”, Douglas faz questão de ressaltar. Os jovens também têm um momento de espiritualidade.  Segundo o diretor do Case PC, Cláudio Gonçalves, alguns grupos religiosos organizam encontros na unidade. “Cabe aos adolescentes escolher participar ou não”, conta.

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A partir das 23 horas, o silêncio toma conta. Essa é a hora em que os garotos devem deitar e dormir, sonhando sair dali para começar a viver uma nova fase.

Comportamento sob avaliação

Cláudio, Douglas e os demais 95 jovens que vivem no Case PC sabem que o bom comportamento é recompensado. “Agora nós conseguimos foto da família, que antes não podíamos ter, porque a gente se comportou”, comemora o menino de Magistério. “A gente só tem a ganhar se rolar respeito. Se a gente ‘patifar’, perdemos nossos benefícios”, acrescenta o santa-cruzense, para logo depois explicar que “patifar” na linguagem deles, significa incomodar e não cumprir as regras.

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“Alguns dos internos com direito a atividades externas podem passar o fim de semana na casa dos familiares. Para isso, precisam cumprir à risca as regras. Em caso de indisciplina, perdem o direito de sair da unidade”, explica o diretor do Case PC. Além da perda de regalias, o mau comportamento também gera alterações no tempo de medida socioeducativa cumprida. A cada seis meses, com ajuda da família e técnicos da unidade, é elaborado o Plano Individual de Atendimento (PIA), que é apresentado em audiência. A partir das informações que constam no relatório, o juiz define se haverá mudança na pena do adolescente e na forma como será cumprida, com ou sem direito a atividades externas.

Acompanhamento diário faz a diferença nas unidades

Conforme Gonçalves, uma das principais diferenças das unidades da Fase para as penitenciárias é o atendimento dado aos detentos. O Case PC, por exemplo, tem cerca de 150 funcionários, entre agentes, médicos, psicólogos, nutricionista, enfermeiras, assistentes sociais e advogados que acompanham a rotina dos meninos. Para o agente socioeducativo e professor da oficina de música, João Francisco Rodrigues, a relação entre os funcionários e os garotos é baseada no “respeito e diálogo”, enquanto o agente penitenciário só entra em contato com os detentos na “base da violência”.  

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Segundo dados da própria Fase, a taxa de reincidência dos adolescentes é de 30%, enquanto no sistema prisional é de 70%.  Baseado nesses números, quem conhece a realidade das unidades rechaça a redução da maioridade penal. “Os presídios passariam a ser escolas do crime”, explica Gonçalves. Atualmente, os meninos que são começam a cumprir medida socioeducativa antes dos 18 anos podem permanecer em uma unidade da Fase até completar 21.

Jovens aprovam instalação em Santa Cruz

Embora a realidade da Fase seja pouco conhecida pela população, a possibilidade de ser construída uma unidade em Santa Cruz não é vista com bons olhos por parte da comunidade local. No entanto, para os jovens infratores, a chance de ficar internado perto da família é motivo de comemoração.

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“Seria melhor, porque nossos pais estariam mais perto e poderiam nos visitar com mais frequência”, conta Cláudio, que vê os familiares uma vez por mês. A visita mensal, assim como acontece com outros adolescentes de baixa renda, é custeada pela Fase. A unidade de Santa Cruz está prevista para ficar pronta em 2018. No entanto, ainda há divergência sobre o lugar em que será construída. O Estado pretende usar o terreno que hoje abriga a Uergs, no Bairro Independência, mas a Prefeitura já solicitou a devolução da área, que foi cedida ao governo estadual pela administração municipal em 1939.

Para a administração municipal, a área é de suma importância. Por conta da localização, entende-se que o terreno não seria adequado para a construção de uma instituição voltada ao atendimento de jovens infratores. O prefeito Telmo Kirst teria solicitado a devolução do imóvel para a construção de uma creche, um centro ocupacional e uma praça de lazer. Se a área da Uergs for devolvida para o município, a Prefeitura terá que dar outras opções de terrenos para a construção da unidade local.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescnete (ECA).

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