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Por onde anda Carlos Haas, o menino que sonhava em ser presidente

Quando era governador do Rio Grande do Sul, entre o fim dos anos 50 e início dos 60, Leonel Brizola costumava fazer longos pronunciamentos nas noites de sexta-feira, que eram transmitidos pela rádio. Em uma casa na região do Bairro Várzea, em Santa Cruz, um menino de cerca de 10 anos costumava ouvir atentamente as palavras do líder trabalhista. Quando a transmissão terminava, ele começava a brincar de fazer seus próprios discursos. tendo os irmãos como plateia e uma latinha que fazia as vezes de microfone. Quando a mãe o reprimia, ele explicava: “Estou treinando porque quero ser presidente da República um dia”. A meta ousada daquele jovem, Carlos Alberto Haas, revelava o gosto pela política que, mais tarde, levou-o à Câmara de Vereadores de seu município.

Esse gosto, aliás, desenvolveu por conta própria. Mais velho de seis filhos de uma família muito humilde, seu pai era mecânico da antiga Máquinas Schreiner e, embora fizesse parte da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos e tivesse alguma simpatia pelo trabalhismo, não exercia qualquer atividade política. A mãe lavava roupa para fora e fazia algumas faxinas em residências para complementar a renda da família.

Formado em Ciências Contábeis, Haas começou a trabalhar cedo, primeiro como ajudante do pai, depois em uma loja de ferragens e, finalmente, em uma fumageira onde fez carreira. Quando tinha 22 anos, ele se filiou à Arena. Na ocasião, quem lhe abriu as portas desse partido foi o ex-vereador Ruben Sérgio Borba.

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Numa época em que ainda vigorava o regime bipartidarista, a escolha de Haas pela Arena se deu por convicção ideológica. Para ele, havia um excesso de violência de parte da oposição. “O próprio Brizola ia para o rádio e dizia ‘sargentos, peguem suas armas e matem seus superiores’. Eu achava aquilo muito violento, então fui me desiludindo”. Essa convicção foi reforçada quando, na década de 1980, já como vereador, visitou Berlim Oriental, na Alemanha, e pôde conhecer, através de um conhecido, o que não era permitido aos estrangeiros verem de perto. “Eu vi horrores. Se o povo soubesse o que era aquilo, não daria vazão a partidos de esquerda e extrema-esquerda. Por isso eu sou o maior anticomunista que existe hoje”, assegura.

De dirigente de paróquia a procurador jurídico

Haas cumpriu três mandatos na Câmara. A primeira campanha foi em 1982. Antes disso, porém, trabalhou em duas eleições, apoiando outros candidatos, para adquirir a experiência que ainda não tinha. Quando chegou a sua vez, teve a ajuda determinante dos colegas de trabalho na fumageira – inclusive dos instrutores, o que fez com que metade de seus votos viesse do interior.

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O que também foi decisivo para a vitória foi a sua intensa atuação comunitária. Participou de diretorias de sociedades e, por mais de 30 anos, foi membro ativo da comunidade da Igreja Ressurreição, chegando a ser presidente de paróquia. Muito religioso, acompanhou de perto a fundação daquela igreja, que inicialmente funcionava em uma antiga cooperativa onde hoje ficam o Supermercado Miller e uma floricultura. “As missas eram rezadas no porão. Colocavam fardos de fumo e tábuas por cima e esses eram os bancos”, recorda. Depois, atuou também na campanha para arrecadação de tijolos para a construção da igreja.

Após dez anos consecutivos no parlamento municipal, ficou como suplente na terceira eleição que disputou, em 1992. Convidado pelo então prefeito Edmar Hermany (PP), assumiu por cerca de dois anos a Secretaria Municipal de Habitação e Serviço Social. Elegeria-se novamente para a Câmara em 2000, dessa vez pelo PFL (hoje DEM). A saída do PP, na ocasião, foi estratégica. “Saí porque lá só tinha ‘caixa alta’ em termos de votos. Fui para o PFL e consegui me eleger”, conta. A última vez que concorreu foi em 2004.

Além da atuação política, Haas também foi, por oito anos, assessor jurídico da Prefeitura de Herveiras. Foi, na verdade, a primeira pessoa a ocupar o cargo, quando da emancipação, na metade dos anos 90. Por causa disso, foi responsável direto pela estruturação do novo município em termos de legislação tributária e de pessoal, entre outras. “Foi uma pós-graduação para mim”, diz ele, que também tem formação em Direito. Orgulha-se de dizer que, durante todo o período em que lá esteve, o município sempre teve as contas de gestão aprovadas pelos órgãos de controle.

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A estrada mudou de rota

Das principais realizações de Carlos Haas enquanto vereador, duas são relacionadas a Rio Pardinho, onde exercia uma certa liderança, já que possuía uma chácara naquela região. Uma delas foi a participação na mobilização que levou à implantação da rede hidráulica que abastece o distrito.

A outra foi na metade dos anos 80, durante seu primeiro mandato no Legislativo, quando o governo estadual se preparava para dar início à obra que liga a região central de Santa Cruz a Sinimbu, passando por Rio Pardinho. O projeto original do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) previa que a rodovia passasse pela localidade de Linha Sete de Setembro, cortando a várzea do rio.

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Haas foi procurado por um líder local, preocupado com a possibilidade de a obra levar ao represamento da água do rio e, consequentemente, à ocorrência de enchentes. Foi então que surgiu a ideia: Haas propôs pedir a produtores daquela região que doassem parte de suas áreas para que a estrada pudesse passar pelo lado esquerdo do rio, evitando o risco. Os produtores aceitaram e um abaixo-assinado foi levado ao Daer, que concordou em alterar o projeto. Também pesou a interferência do então secretário estadual de Transportes, Telmo Kirst. À época, esse movimento não foi divulgado à imprensa para evitar polêmicas.

Graças a isso, Haas dobrou sua votação em Rio Pardinho na segunda campanha. Também foi um dos responsáveis pela ascensão política de outro líder daquela região, o empresário Hardi Lúcio Panke.

A batalha que salvou a Oktoberfest

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Na Câmara, Carlos Haas passou a maior parte do tempo na condição de vereador governista. Dos seis anos da gestão do ex-prefeito Armando Wink, por exemplo, foi líder de governo em cinco.

Em razão disso, esteve na linha de frente de algumas batalhas homéricas. Uma delas, ainda durante o governo Wink, foi quando a oposição resistia em autorizar uma suplementação de verba que era necessária para a realização da Oktoberfest. “Éramos minoria e eu precisava de votos na oposição. Mas a oposição, de forma nenhuma, queria dar o voto”, recorda. Na semana decisiva, teve de ir a Sinimbu implorar a um vereador oposicionista, Lauro Froemming, para que ele desse o voto, e ele acabou cedendo. Wink, que era de Sinimbu, também intercedeu. “Se não tivesse sido aprovado, a Oktober não teria sido realizada aquele ano e talvez ficasse comprometida para sempre.”

Haas também ocupava a liderança de governo quando, em 1990, durante a gestão de Arno Frantz, a Câmara aprovou a lei do livre horário do comércio, naquela que até hoje é lembrada como a sessão mais turbulenta da história, a ponto de os vereadores precisarem de um corredor polonês para chegar ao plenário.

Naquela ocasião, também foi necessário um voto da oposição para garantir a aprovação. Haas conta que, nos dias anteriores à votação, sofreu ameaças por meio de telefonemas anônimos. “Diziam que ou eu ou alguém da minha família iria sofrer se o projeto fosse aprovado. Sei quem me ameaçou, mas preferi não ir à polícia.”

Além da experiência na Câmara, ele lembra com carinho de sua atuação como secretário. Os mutirões para construção de casas populares, que tiveram repercussão estadual, estão entre os projetos mais marcantes. Também passou por ele a criação das associações de pais e mestres nas escolas municipais de educação infantil, que à época eram subordinadas à pasta da Habitação e Serviço Social.

Foto: Arquivo PessoalHaas foi líder de governo na Câmara durante vários anos
Haas foi líder de governo na Câmara durante vários anos

“Eu gostava demais”

Aos 69 anos completados na quinta-feira da semana passada, Haas ainda é membro do diretório do PP e frequenta algumas reuniões políticas. Não descarta apoiar algum candidato nas próximas eleições, mas garante que não tem mais nenhuma pretensão de concorrer. “Tive uma vida agitada demais. Trabalhar em empresa privada e fazer política ao mesmo tempo é uma loucura. Meus filhos um dia me colocaram contra a parede e disseram que eu ia morrer antes do tempo. Agora, se alguém quiser me colocar para dentro de novo, não tem mais jeito”, afirma.

Apesar disso, confessa que sofreu ao deixar a atividade política. “Eu gostava demais. Vontade até teria de concorrer de novo, mas não quero mais me expor.”

Pai de cinco filhos e avô de quatro netos, passa atualmente a maior parte de seu tempo em sua casa, na Avenida João Pessoa, onde recebeu a Gazeta na manhã de segunda-feira. Uma de suas principais distrações é cuidar do jardim. Também ocupa seu tempo com idas a praias e, eventualmente, ao exterior.

Mesmo sem concorrer há 15 anos, segue curioso pelo universo da política e garante ter boas expectativas em relação ao futuro próximo do Brasil, com o recém-iniciado no governo. “Bolsonaro pode não ser o cara perfeito, mas pelo menos o País vai ter comando de novo. Precisa ter limites.” Fã de redes sociais, tem no Facebook uma de suas principais fontes de informação. “Acompanho e dou meus pitacos lá.”

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