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Imigração

165 anos de religiosidade em Alto Linha Santa Cruz

Foto: Alencar da Rosa

Templo católico começou a ser erguido nos primeiros anos do século 20 e permanece preservado até hoje

O ano era 1848 quando, ainda no Brasil Imperial, o governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul decidiu dar continuidade à promoção da vinda de imigrantes da Alemanha, fundando a Colônia Santa Cruz. No ano seguinte, iniciou-se a vinda das primeiras famílias convidadas para se estabelecerem aqui. Naquela época, as terras germânicas viviam um período conturbado de revoluções e ainda não eram um Estado unificado como atualmente. A imigração havia começado em São Leopoldo, em 1824, e acabou interrompida por causa da Revolução Farroupilha. Com o êxito da primeira fase, o governo da Província decidiu fundar a Kolonie Santa Cruz e convidou famílias alemãs para se estabelecerem na nova localidade.

Ao longo de 1849, lotes foram sendo demarcados para receber as primeiras famílias. Conforme consta nos arquivos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Alto Linha Santa Cruz, os pioneiros foram Friedrich Tietze, August Wuttke, Gottlob Pohl, August Mandler, August Arnold e August Raffler, que se instalaram na então Alte Pikade, atual Linha Santa Cruz. No ano seguinte, em 1850, vieram as famílias Bender, Haar, Reis, Schmidt, Sasch, Schneider, Heinkelmann, Jost, Steger, Klabusch, Herberts, Beckenkamp e Thes, que já ocuparam a parte mais alta do território, batizada de Geißenberg – Bender e hoje Alto Linha Santa Cruz e Boa Vista. Esses sobrenomes passaram de geração em geração e até os dias de hoje são vistos entre a população santa-cruzense.

Dois anos depois, em 1852, já havia 93 lotes distribuídos ao longo da picada, com cerca de 400 habitantes. A nova colônia não demorou a crescer e, em apenas dez anos – entre 1849 e 1859 –, a população passou de 12 para 2.723 pessoas. Entre 1849 e 1865, o governo imperial distribuiu 148 lotes de terra aos imigrantes.

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Igreja acabou sendo construída num lote cedido pelo colono Christoph Bender

As religiões formaram e também dividiram a nova colônia

Distribuídos ao longo da Estrada de Cima da Serra, que ligava Rio Pardo a Soledade e passava por onde hoje é a estrada de Alto Linha Santa Cruz/Boa Vista, os lotes oferecidos pelo governo da Província começaram a ser concedidos aos colonos alemães, que chamavam o trecho de Kaiserstraße (Estrada do Imperador). Com a Lei de Terras, que passou a vigorar em 1854, um núcleo urbano foi criado para a colônia, e as terras passaram a ser mercadoria de compra e venda, um negócio vantajoso na época.

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Muito religiosos e divididos entre evangélicos – a maioria – e católicos, não tardou a necessidade da construção de templos para a realização das celebrações. O primeiro espaço oferecido aos evangélicos ficava na então Querpikade (atual Linha Travessa), distante dos assentamentos dos fiéis.

Com isso, a comunidade não utilizou a terra para a construção e abriu mão do terreno. A igreja acabou sendo construída num lote cedido pelo colono Christoph Bender. Inicialmente feita de madeira, exigiu intenso trabalho braçal para extrair e transportar as matérias-primas da mata nativa, ficando pronta em 1858. O primeiro líder religioso foi o pastor H. Bergfried, habilitado em 1866. Posteriormente, em 1887, o templo foi reformado e feito de pedras maciças. Ainda nos dias de hoje, ele permanece íntegro e conservado conforme o projeto original da época.

As paredes com mais de 60 centímetros de espessura ajudam a explicar a durabilidade da edificação. No mesmo espaço foi erguida a primeira escola da localidade, em 1882. Atualmente o prédio é utilizado e preservado pela Juventude Evangélica de Alto Linha Santa Cruz (Jealisc). Ainda que não seja a mais antiga Igreja Evangélica do município (que é a Igreja Imigrante, em Rio Pardinho), é a mais antiga comunidade e berço dos cultos religiosos em Santa Cruz do Sul.

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Conforme a pesquisadora Lissi Bender, as famílias de imigrantes luteranas vieram de um mundo cultural marcado pela reforma da Igreja, pelo mundo das ideias de Martinho Lutero. O reformador defendia que ler fomenta a inteligência; que o povo precisa ler, precisa aprender a pensar para ser livre e não ser ludibriado; que a Bíblia precisa ser lida e compreendida por todos e, por isso, traduziu-a para o alemão.

Distante cerca de quatro quilômetros adiante na estrada, foi estabelecido o lote para a construção da Igreja Católica, no distrito de Boa Vista. De acordo com Ricardo Harz, dirigente da Comunidade Evangélica e responsável pela pesquisa nos antigos livros de atas, naquela época as religiões eram levadas muito a sério e não podiam “se misturar”; por isso a necessidade da distância entre os templos.

Apesar da evidente rivalidade, o respeito era mútuo entre as comunidades e, com isso, ambas prosperaram. Nos dois lugares, é possível ver ainda hoje sua forma de organização social em torno de escola, igreja e cemitério.

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Comemoração impedida pela pandemia

O ano de 2020 seria marcado pelas celebrações dos 165 anos da fundação da Comunidade Evangélica Luterana de Alto Linha Santa Cruz. Contudo, em função da pandemia, as comemorações tiveram de ser reduzidas e adiadas. Segundo Rogério Harz, nesse domingo foi celebrado um culto às 9h30, como forma simbólica de homenagear os antepassados imigrantes. Além disso, a exemplo do que foi feito em 1924, por ocasião dos 100 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, serão plantadas duas mudas de carvalho alemão, árvore que representa o vínculo com a origem germânica.

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Harz destaca que o desafio para o próximo ano será a substituição do telhado da igreja, cujas telhas são antigas e não existem mais para reposição. Para isso, será iniciada uma campanha de arrecadação junto à comunidade. “É nosso compromisso garantir que as próximas gerações possam continuar a usufruir de um templo tão belo e significativo”, ressalta.

O cemitério que resgata a história dos imigrantes

No mesmo terreno, nos fundos da Igreja Evangélica está um dos primeiros cemitérios da antiga colônia. Com lápides esculpidas em pedra grês, os nomes remetem aos primeiros imigrantes sepultados na localidade. Além de datas e nomes, era uma tradição da época a inscrição de epitáfios nos túmulos no idioma alemão gótico, que faziam referência à pessoa ali enterrada.

Em 2015, após vários anos de trabalho dos pastores Élio Scheffler e Regene Lamb, em parceria com a Jealisc, o lugar foi totalmente limpo e restaurado, sendo hoje ponto de visitação. Todos os nomes ainda legíveis nas lápides foram catalogados e estão disponíveis em uma placa na entrada, o que facilita a vida de quem deseja realizar uma pesquisa sobre seus possíveis antepassados.

Cemitério é um dos primeiros da colônia de Santa Cruz e está totalmente reservado

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Os 150 anos de fundação da comunidade católica de Boa Vista

Como mencionado anteriormente, o período da colonização alemã em Santa Cruz do Sul foi marcado pela religiosidade e pela divisão dos colonos entre a maioria evangélica e a minoria católica. Essa segmentação pode ser explicada pela origem dos imigrantes, que vieram de diferentes regiões da atual Alemanha os quais, naquela época, ainda eram Estados independentes, como a Pomerânia, Renânia, Prússia, Silésia, Saxônia, Oldemburgo, Westfália e outras. Na localidade onde hoje é o distrito de Boa Vista, adiante de Alto Linha Santa Cruz, os primeiros assentamentos foram criados em 1850.

Mesmo não possuindo um templo para suas orações e celebrações, os colonos reuniam-se nas residências ou até mesmo à sombra de alguma árvore. A primeira visita de um sacerdote a Boa Vista ocorreu nos dias 2 e 3 de agosto de 1854, quando o padre João Batista da Motta Veloso, vigário da Paróquia de Rio Pardo visitou a recém-formada comunidade. A primeira missa foi celebrada na casa de um colono, localizada cerca de um quilômetro acima da atual igreja e onde, até os dias de hoje, os fiéis se dirigem para fazer suas procissões.

Conforme pesquisas do historiador Jorge Luiz da Cunha, em 1867 já havia quatro comunidades evangélicas e três católicas na colônia, sendo a de Boa Vista a primeira delas. Apenas 12 anos depois, em 1879, a soma já era de 456 famílias evangélicas luteranas (67,36% da população), 210 católicas (31,3%) e 11 mistas (1,36%).

A construção da primeira capela ocorreria somente em 1883, como uma pequena casa que também servia de escola. O prédio foi preservado e existe até hoje, onde funciona o necrotério. O tempo passou e em 1899, após assembleia, a comunidade decidiu realizar a construção de sua igreja, que seria erguida sobre o lote colonial número 38, antes pertencente a Guilherme e Gertrudes Simonis. Em 13 de junho de 1901, dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão, arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre, deu a licença para benzer a pedra angular do novo templo, que começou a ser erguido no dia 16 de dezembro daquele ano.

A obra se estendeu ao longo de quase uma década, ficando pronta somente em 1910, conforme consta no livro tombo volume um, página 30, escrito pelo vigário Bernardo Bolle. Ele benzeu a igreja, estabelecida sob o título de “Auxilium Christianorum”, hoje Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. Ainda nesse mesmo ano, três grandes sinos foram encomendados da Alemanha. Chegaram de navio a Porto Alegre e foram transportados em carroças puxadas por bois e burros até Boa Vista. Nas palavras de dom Alberto Etges, primeiro bispo da Diocese de Santa Cruz do Sul e filho daquela comunidade, “não há som mais bonito e melodioso que os sinos da igreja de Boa Vista”.

FONTES: texto publicado no jornal Kolonie, em 13 de fevereiro de 1931, em língua alemã e traduzido pela pesquisadora Lissi Bender, delegada da Federação dos Centros de Cultura Alemã no Brasil (Feccab), bem como outros estudos feitos por ela. Pesquisas nas atas da comunidade evangélica, feitas por Rogério Harz, e nos livros da comunidade católica, realizadas por Aloysio Sehnem e pelo padre historiador Walter Giehl, compiladas por Rosane Sehnem Martinez.

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