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RICARDO DÜREN

Lições de economia doméstica

Leitores andam me cobrando dicas de economia para famílias grandes. Tenho me esquivado dessa questão, sob pretexto de que sou da área de humanas. Contudo, essa resposta não convence os leitores. Argumentam que, como pai de quatro filhos, já deveria ter aprendido, na prática, alguma fórmula mágica para garantir a comida na mesa, pagar as contas e ainda fazer sobrar algum dinheiro no fim do mês. Mas o que aprendi mesmo, na prática, é que fórmulas mágicas não existem. Ainda mais em tempos de crise e pandemia.

Não podem me acusar de não ter estudado o assunto. Nos últimos anos, li um bocado de autores, especialistas em finanças pessoais e economia doméstica, dos mais conservadores aos mais arrojados. Os conservadores garantem, por exemplo, que cortando o tradicional cafezinho se faria uma grande economia ao final do mês. Já os arrojados dizem que isso é uma tolice, pois o que se poupa abrindo mão do cafezinho é tão insignificante que não vale a pena abdicar deste e de outros pequenos prazeres cotidianos, sob risco de acabar surtando.

Na opinião dos arrojados, a fórmula para se fazer economia é o que chamam de “pague-se primeiro”. Funciona assim: toda vez que o salário entra na conta, a primeira coisa a se fazer é separar um bom percentual para a poupança ou para o cofrinho. Só depois é que pagam-se as contas e se vai ao supermercado. Essa ordem não pode ser invertida em hipótese alguma, sob risco de acabar não sobrando dinheiro para a poupança depois das contas e da visita ao súper. Para que a estratégia funcione, o dinheiro na poupança ou no cofrinho deve permanecer religiosamente intocado, até atingir uma soma considerável que permita um grandioso investimento – como a compra da casa própria ou até de um imóvel para alugar, gerando ativos.

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Entretanto, a experiência prática mostra que muitas vezes o que sobra, na outra fatia da renda, acaba não dando conta do súper, por força da inflação; nem de despesas imprevistas, como uma pane mecânica no carro, um chuveiro queimado, um tênis que rasgou ou um tratamento de canal. Então, o único jeito é cometer o sacrilégio de assaltar a poupança. Dependendo da gravidade do caso, volta-se à estaca zero.

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Os especialistas em finanças pessoais, sejam conservadores ou arrojados, são unânimes quanto à importância de anotar e monitorar cotidianamente os gastos e despesas. Para poupar ou mesmo para fugir do cheque especial, é fundamental anotar quanto se tem e quanto se ainda pode gastar. Na teoria, isso permitiria estabelecer um teto de gastos, já considerando também um valor a ser poupado. Mas, na prática, não há garantias de que vai dar certo. Explico por quê:

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Lá em casa também estabelecemos limites de gastos e anotamos tudo religiosamente. O problema é que, por conta da elevação dos preços – seja pela pandemia, pela alta do dólar, pela estiagem ou seja lá o que for –, não há como prever o volume de gastos com os itens essenciais, caso da higiene e alimentação. E cada visita ao súper termina em um susto. Isso, sem falar nos preços do gás e da gasolina.

Claro, tentamos estabelecer um limite das despesas. Porém, quando se tem filhos e termina o feijão, o azeite ou o papel higiênico, não restam alternativas a não ser rasgar o rascunho com as metas de gastos e voltar ao súper. O mesmo quando o tanque do carro seca antes do previsto, ou quando o gás, repentinamente, termina.

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Mas, para evitar que digam que não ajudei em nada, vai uma dica interessante: cortar o superficial. Reduzir ou suspender os passeios, as guloseimas, os churrascos e as cervejadas não chega a ser a salvação da lavoura – dado que o essencial também está caro –, mas alivia o orçamento. É um sacrifício que exige inspiração e, para isso, a História elenca uma série de vultos inspiradores, que aprenderam a sobreviver de forma modesta, abdicando de coisas que consideravam superficiais.

Talvez o maior exemplo seja o do filósofo Diógenes, que viveu em Atenas em meados dos anos 300 antes de Cristo. Filho de um fabricante de moedas que acabara preso por falsificação, Diógenes não dava a mínima para os bens materiais. Dizia que o luxo, o dinheiro, a comida farta e as coisas materiais afastavam o homem de sua plenitude.

O problema é que Diógenes levou sua convicção tão ao pé da letra que, para ele, até mesmo ter um teto sobre a cabeça era uma superficialidade. Sua casa era um barril, sem banheiro, nem colchão. Conta-se que certa vez o imperador Alexandre, o Grande, foi procurar Diógenes em busca de sua sabedoria. Ao ver o filósofo tão mal instalado, ofereceu-se para ajudar.

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Diógenes, porém, limitou-se a pedir que o soberano desse um passinho para o lado, pois estava bloqueando-lhe a luz do sol. Ah, mas se fosse comigo… Se Alexandre, o Grande, desse as caras lá em casa oferecendo uma mãozinha, eu não deixaria a oportunidade passar:
– Pois não, vossa majestade… Já que tanto insiste, aceitarei um ano ou dois de rancho grátis…

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