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Romeu Neumann

Poderia estar perdido em Frankfurt

Li que foi arquivado, pelo menos por ora, projeto de lei de autoria do vereador suplente Nasário Bohnen que reconheceria oficialmente a língua germânica como patrimônio cultural de Santa Cruz do Sul. Como a decisão foi de ordem regimental e o mérito da iniciativa parece inquestionável, enquanto busca valorizar este legado trazido pelos imigrantes e incentivar o ensino às novas gerações, por certo em algum momento a proposta voltará à pauta da Câmara de Vereadores. E será aprovada.

Essa questão me remete a uma reflexão nostálgica. Tive a oportunidade, no período de formação, de ter aulas de latim, grego, francês, inglês. Mas as primeiras palavras que aprendi, e com as quais me comuniquei durante toda a infância, foram na língua alemã. E quando menos esperava, passei a ter noção da importância de se conhecer, mesmo que minimamente, uma segunda língua. Ou uma terceira, uma quarta, enfim…

Chegávamos em Frankfurt, na Alemanha, integrantes de uma comitiva de jornalistas que haveriam de conhecer a realidade de vários periódicos da Europa. Já era noite e um guia turístico nos esperava. Mas minha esposa, Marli, e uma amiga cachoeirense que conhecemos na viagem, disseram-se sem condições de sair à espera das malas antes de ir a um toilete. Resultou que nos perdemos da comitiva e do guia. Em um dos maiores aeroportos do mundo. Sem que alguém do nosso grupo retardatário tivesse desenvoltura para se comunicar em alguma língua que não fosse o português.

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Foi então que tive a dimensão de quão valiosa é a herança de uma língua materna, por mais rudimentar que seja o conhecimento daquele idioma. Vali-me de palavras e expressões singelas que recordava da infância para nos orientar naquele gigantesco aeroporto e finalmente chegar ao terminal onde receberíamos as nossas malas e nos reencontraríamos com a comitiva que partiu do Brasil.

Passado o sufoco do momento, essa experiência nos rendeu boas risadas e recordações. Mais do que isso: sentir-se de alguma forma familiarizado com a língua e a cultura de um país até então desconhecido passa a ter um valor imensurável. Fez-me relevar até a humilhação (hoje se diria que foi bullying) de passar um recreio inteiro encerrado na sala de aula, escrevendo à exaustão no caderno uma frase de autoadvertência: “Eu não devo falar em alemão na escola”.

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Dito assim, até pode parecer uma imensa infelicidade do professor. Mas não foi. Com o aval dos pais dos alunos, ele havia definido previamente um novo protocolo de ensino: “A partir de agora, durante as aulas, só é permitido falar a língua portuguesa. E isso vale para o recreio também”! Não fui o primeiro nem o único a ser denunciado, mas sempre havia alguém pronto para entregar um colega que deixasse escapar uma palavra em alemão.

Tenho certeza de que o professor estava movido pelas melhores intenções. Naquele momento, a prioridade deveria mesmo ser o aprendizado e o domínio da língua portuguesa. O mundo mudou e hoje o contexto é outro. Muito mais complexo e exigente em diferentes dimensões.

O que não muda é a convicção de que todo o conhecimento que se adquire durante a vida, mesmo as primeiras palavras que se aprendeu no ambiente familiar, tem a sua importância. E que não se deve desprezar a oportunidade de estudar e dominar outras línguas. Não só para se orientar num país desconhecido, mas para poder interagir com outras culturas e compreender melhor este mundo globalizado.

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