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ROMEU NEUMANN

Ah! Se tivesse ouvido!

Dias atrás abri um desses arquivos que se recebe nos grupos de WhatsApp. Na verdade, sou bem seletivo neste campo para não desperdiçar tempo com bobagens e também para blindar meu humor contra as grosserias e radicalismos que se multiplicam nas redes sociais.

Mas a figura de um trabalhador sem rosto, mãos calejadas manuseando ferramentas junto a uma máquina, me pareceu um convite para ouvir um depoimento autêntico – comovente, quem sabe? – e tantas vezes inspirador pelos ensinamentos da gente simples. Essa gente que não conquistou diploma, mas tem formação. Que talvez não tenha conhecimento, mas esbanja sabedoria de vida.

Voz cansada, o personagem sem rosto se lamentava para o colega de trabalho:
– Se tivesse escutado meu pai quando tinha oito anos, hoje eu seria um homem rico!
Entre surpreso e curioso, o colega se apressou em perguntar:
– Nossa! E o que teu pai te falou?
– Aí é que está! Eu não escutei.

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***
Pegadinha sem graça, logo pensei. Nada a ver com a expectativa que alimentei. Mas, ao invés de me aborrecer, aquela cena simplória não saía do meu pensamento. Igual àquele reloginho virtual que fica girando na tela do computador ou do celular quando se tem pressa para abrir um arquivo, fiquei a divagar.

Não será isso mesmo que fazemos diante de tantas oportunidades na vida? Situações que muito nos dizem e ensinam, mas que simplesmente não queremos escutar?

São amizades que deixamos para trás porque não tivemos mais disposição para ouvir e nem para dizer uma palavra de apoio e incentivo; relações afetivas que vão se desidratando porque preferimos regar nossos caprichos a preservar as fontes de vida e amor que nos cercam e nos alimentam; oportunidades que se apresentam a todo momento, feito janelas abertas para o horizonte, convidando-nos a sermos mais solidários, participativos, pró-ativos dentro do nosso meio, mas que desprezamos por acomodação. Ou porque, de fato, não queremos ouvir nosso coração.

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Pensando bem, o que seria apenas uma historinha hilária, quase sem graça, se revela um diagnóstico muito apurado do nosso tempo: somos uma sociedade com imensa dificuldade para ouvir. Na roda de amigos, na reunião do condomínio, na sala de aula, no ambiente corporativo, na assembleia comunitária, no debate eleitoral, seja onde for, a disposição para ouvir parece virtude cada vez mais rara.

Me ensinaram muito cedo que saber escutar é, antes de mais nada, mostrarse uma pessoa educada. É atitude de tolerância e respeito pelo outro. Mas é também expressão de quem está disposto a colocar-se em sintonia. Se os governantes e todos os que nos representam em alguma esfera, pública ou privada, levassem isso a sério, teríamos gestões muito mais conectadas com as reais necessidades e expectativas da população.

Ao invés da imposição de projetos pessoais de poder, que muitas vezes atendem mais a interesses específicos do que demandas comunitárias, teríamos uma sociedade muito mais desenvolvida, próspera, justa e – por que não? – mais harmoniosa e feliz.

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Enfim, para evitar lamentos no amanhã, precisamos dar ouvidos ao que realmente importa no hoje. Para isso, temos que rever uma lógica que os padrões sociais consolidaram, faz tempo: a de valorizar quem prima pela eloquência, pelas palavras bonitas e bem colocadas, mesmo que não verdadeiras. Precisamos reaprender a dar valor a quem sabe e está disposto a nos ouvir e a dar ouvidos a quem tem algo a nos dizer.

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