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Conversa Sentada

Andanças II

Como disse na coluna anterior, Santiago tinha peculiaridades a mim até então desconhecidas. Na época o município era dividido em diversos distritos, muitos deles hoje emancipados. Assim, eventuais testemunhas tinham que tomar o ônibus bem cedinho e voltar no meio da tarde. Por isso, nesses casos, marcava a audiência para a parte da manhã a fim de que pudessem retornar o quanto antes para seus rincões.

A maioria das pessoas era muito simples e raramente frequentava a cidade. Vinham receosas e muito tensas. Por isso, quando entravam na sala de audiências, era importante dar-lhes um aperto de mão, pedir que sentassem e agradecer por terem vindo. Conforme a época, perguntava como estava a chuva, se estavam nascendo os terneiros, se já tinham plantado aveia e azevém… Essas coisas.

Logo vi também que na época da colheita, ou do plantio, ou ainda de muita lida com o gado, como vacinações, melhor era  lidar com os processos em que houvesse testemunhas residentes na cidade.

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Tratei de me familiarizar com algumas praxes e costumes (lembremos que o costume é uma das fontes do Direito). Naquela região, a medida dos campos era o hectare, mas sempre se falava que o campo tinha tantas “quadras”. Cada quadra correspondia a 87 hectares, aproximadamente. Os arrendamentos eram contratados por quadras de campo, sendo os preços fixados em quilos de boi gordo. Assim, se o campo era macio e de pouca pedra, a quadra valeria quatro mil quilos de boi, por ano. O valor do quilo do boi era aquele que saía nas páginas dos jornais especializados. Já os arrendamentos de campos só para lavoura tinham como indexador tantas bolsas de soja ou de trigo.
E o que dizer das pelagens dos animais? Com 20 anos dentro do agronegócio, até hoje não me amansei com as pelagens dos equinos. São horrores de denominações: é mouro, gateado, zaino, baio e por aí vai. Com o gado é quase a mesma coisa. Rebanho era a denominação para as ovelhas, só para as ovelhas. Para gado, era tropa. 

Na época, isso lá por 1975, muita gente andava armada. Hoje isso mudou totalmente. Certo dia, estando eu no meu gabinete, ouvi um barulho de tiros, secos, repetidos. Irrompeu o Leopoldino, oficial de justiça:

– Doutor, venha ver. Aqui na frente dois se mataram.

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Realmente, dois desafetos se encontraram, trocaram palavras e ofensas e “meteram bala” um no outro. Lá estavam os dois estendidos, de botas, bombachas e poncho carnal vermelho. Geralmente eram brigas antigas, na maior parte por questão de cercas ou limites de posse ou propriedade.

Os grandes pontos de charlas e encontros são, até hoje, as casas veterinárias. Lá, nos dias de chuva, ou quando os fazendeiros vêm buscar remédios, rações e utensílios, acomodam-se sobre poltronas e cadeiras. Os assuntos variam: preço do boi e da soja, a seca, a enchente, o abigeato e, com muito cuidado e prudência, a política. Gostava de frequentar esses locais e, como bom filho de uma colona e de um comerciante, mais ouvia do que falava. Afinal, Deus nos deu duas orelhas, dois olhos e apenas uma boca… 

Lembrando das aulas de latim no Seminário em Salvador do Sul, Si tacuisses, philosophus mansisses (se te calasses, passarias por filósofo). Ou então, como aprendi em casa: Reden ist Silber, Schweigen ist Gold (falar é prata, calar é ouro).

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