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Conversa Sentada

Noites escuras

Procurem no Google imagens da noite na Terra, tiradas do espaço. Os continentes aparecem quase claros, pontilhados de luzinhas. É noite, mas não escura. Não sei por que, mas me invoco com as noites iluminadas. Acho que a mãe Natureza também não gosta.

Recentemente fiz um périplo por uma região agrícola da Alemanha. Hospedei-me num belo hotel, no alto de uma elevação. À noite, da sacada do apartamento, via um mar de pontinhos iluminados. A cada tanto uma vila, um povoado, uma cidade. Fiquei um pouco melancólico.

Isso me reporta à nossa fazenda, em Unistalda, com seus muitos capões de árvores nativas e onde, realmente, as noites são imunes à luz artificial. Recordo, agora, um episódio muito gostoso. Recém tínhamos adquirido uma área, contígua à nossa, a chamada Fazenda da Capela. Por ela flui uma caudalosa e límpida sanga, com suas matas ciliares de frondosas árvores nativas.

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Pois num 31 de dezembro, anos atrás, peguei um trator, atrelei a ele um reboque e montei acampamento à beira do mato e da sanga. Coloquei uma lona por cima do reboque, dentro dele uns colchonetes e estava feito nosso quarto de dormir. Fiz fogo ao relento e, sobre uma improvisada trempe, assamos linguiça campeira. Tudo acompanhado com pão feito em casa. E um vinhote chileno, que ninguém é de ferro.

Maristela e eu contemplando as estrelas. Sem rádio, nem TV, nem celular. Fomos deitar 9 da noite sob a vigilância das corujas. Ouvimos roncos de bugios e o farfalhar das folhas com a ação da tépida brisa.

Quando começou a clarear, os jacus iniciaram sua festa junto com mil pássaros. Observei algo curioso: durante a madrugada escura há momentos de absoluto silêncio, mas com a chegada do amanhecer vão se sucedendo diversas tonalidades de pios, como se as aves se organizassem num coral. Em seguida ouve-se o mugir das vacas e o balir das ovelhas. Tudo para recepcionar, condignamente, com honras e galas, a chegada do rei sol.

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Então, à maneira de todos os povos antigos, entramos “em pelo” na sanga para o banho matinal natural. Arroio esse com leito basáltico, sem nenhum resquício de poluição, com sua água cristalina e, mesmo no verão, quase fria. O sol ia se filtrando por entre as árvores, deixando fachos de luz, como se estivéssemos numa catedral gótica. E que chimarrão gostoso com a água do próprio riacho! O Bioma Pampa é repositório de uma infinidade de gramíneas, arbustos e árvores, além de vasta fauna nativa. E que dizer das flores silvestres multicolores? Para que rádio ou som, se estávamos imersos nos trinados dos pássaros, se ali era um lugar de santa paz?

O silêncio e a contemplação da natureza sempre foram, pela história, práticas usuais. Hoje, porém, a pressa e a compulsão louca por acumulação de bens materiais levaram ao desuso da meditação.

Relutei muito para voltar à sede da estância, onde a internet já havia fincado o pé… Até a peonada, teclando e teclando.

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