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Santa Cruz no afeto de Dedé Santana

Quis o destino – ou o amor, pois não raro atendem pelo mesmo nome – que um dos mais populares artistas brasileiros estabelecesse fortes vínculos com Santa Cruz do Sul. Afinal, foi nesta cidade que, há 30 anos, em 1989, o carioca Manfried Sant’Anna, o Dedé Santana, como se celebrizou, encontrou sua esposa, a santa-cruzense Christiane Bublitz, que por sua vez foi a para sempre primeira rainha da Oktoberfest. Numa apresentação em Santa Cruz ele conheceu Christiane; e foi paixão à primeira vista.

Com esse vínculo, Dedé e Christiane, hoje radicados no litoral catarinense, seguem tendo contato muito frequente com a cidade. Como detalhou ao Magazine por telefone, Dedé, aos 83 anos, aguarda sempre com incontida ansiedade o momento de voltar a Santa Cruz, rever familiares de Christiane e passear pelas ruas dessa cidade que já diz amar.

No cenário artístico do Brasil a partir da segunda metade do século 20, é impossível não reconhecer o protagonismo do papel que Dedé Santana cumpriu, no quarteto de Os Trapalhões. Sua trajetória é ainda mais inspiradora quando se sabe de suas origens, da forma simples e autêntica como construiu sua história. No próximo dia 10 de dezembro, por exemplo, é festejado o Dia do Palhaço. Pois Dedé se refere a si mesmo, com evidente orgulho, como um palhaço, alguém cuja vocação é fazer crianças e adultos sorrirem. E dessa condição saltou para a de Embaixador do Circo no Brasil.

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Nada poderia estar mais no DNA do hoje consagrado Dedé do que isso. Sua infância foi humilde, mas começou a receber desde menino as grandes lições da vida: nasceu em família proprietária de um circo em São Gonçalo, município de Niterói, no Rio de Janeiro, e viu o pai, Oscar; a mãe, dona Ondina, e outros familiares no picadeiro arrancando gargalhadas e divertindo o público.

Jovem, Dedé foi tentar a sorte na cidade grande, no Rio de Janeiro, e por meio ano perambulou pelas calçadas de Copacabana, inclusive dormindo ao relento. Queria ingressar no cinema, mas estava difícil de conseguir seu intento. Porém, uma vez mais, o destino tudo arranja. Aceitou a condição de faxineiro em um teatro, em pouco tempo se viu contrarregra, e no dia em que um ator faltou a um ensaio chegara a sua vez. Tanto fez que já em 1961, por volta dos 25 anos, recebeu um prêmio como Melhor Comediante de Teatro. E logo passou a atuar em filme.

Poucos anos depois, na Rede Excelsior, conheceu um cearense arretado, um tal de Renato Aragão, que passaria a atender pela alcunha de Didi Mocó. Estava formada uma das duplas mais famosas da história do humor e do cinema: Dedé e Didi. Por mais de 50 anos, palmilharam juntos a estrada do sucesso.

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Chris e os filhos Daynara, Yasmin, Marcos e o neto Henrique Fotos: Divulgação/GS

“Pensei em ir morar aí”
Hoje, com 58 filmes na bagagem como produtor, roteirista e diretor, Dedé segue firme em sua vida de artista. Circula por todo o País com a peça Palhaços, texto do paulista Timochenco Wehbi (1943-1986), a convite de Alexandre Borges e Fioravante Almeida. E encanta plateias. Tanto que recebeu o Prêmio Aplausos da categoria em São Paulo, e foi homenageado pelo Ministério da Cultura, em Brasília, com o diploma de Comendador da Cultura. Não para nunca. Para 2020, tem na agenda mais dois filmes. Em um deles reprisará a parceria com Renato Aragão, o Didi, reafirmando o companheirismo de toda uma vida. Na TV, também participou em 2018 da série Treme Treme, no Multishow.

Quando não está em viagem, em meio a compromissos, refugia-se em sua residência em Itajaí (SC), pertinho de Balneário Camboriu, a um quarteirão do mar na Praia de Cabeçudas e ao lado da Praia Brava. Ali, Dedé e Christiane moram há 12 anos. E revela que já teve o firme desejo de se fixar em Santa Cruz. Só não o fez por causa da distância em relação ao aeroporto, em Porto Alegre, tendo em vista suas constantes viagens por todo o País. “Mas gosto muito de Santa Cruz. Sinto-me muito bem aí, sou muito bem tratado, e adoro a família da Christiane”, frisa.

Informa que os três filhos do casal, Marcos, Daynara e Yasmin, também são muito ligados a Santa Cruz. Yasmin, que segue os passos do pai na vida de artista, como atriz, esteve há poucos dias na cidade. Daynara é psicóloga e Marcos é tatuador, ambos morando em Santa Catarina, e Dedé e Christiane curtem o netinho Henrique, de três anos e meio, filho de Daynara.

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Assim, entre aplausos e homenagens, o trapalhão Dedé mantém vivas as raízes, e encanta gerações. “Só posso me dizer realizado. Tive o privilégio de levar o picadeiro do circo para a televisão”, reflete. “Fui um garoto que nasceu num cirquinho pobre, e de repente me vi fazendo show nos Estados Unidos, dirigindo filme na Universal Studios, em Hollywood. Você vê a alegria, a satisfação que foi isso para mim, né?” E Dedé sem dúvida deve ver a alegria e a satisfação que é para o santa-cruzense poder acolhê-lo na cidade de tempos em tempos.

Chris com o netinho Henrique e a mãe Maria Sidônia Fotos: Divulgação/GS

No Guiness
Trazendo nas veias a formação circense, Dedé diz ter plena ciência de seu pioneirismo em levar essa arte para o cinema e para a televisão. Quando Dedé convidou o humorista, ator e cantor carioca Antônio Carlos Bernardes Gomes para se juntar à trupe, surgiu o Mussum, morto em 1994, aos 53 anos; Didi convidou o mineiro Mauro Faccio Gonçalves, e nascia o Zacarias, falecido aos 56 anos, em 1990. Bem antes disso, por cerca de dez anos, a dupla Didi e Dedé foi fortalecendo sua forma de fazer arte, e ganhando desenvoltura.

Em 1975 o programa Os Trapalhões estreava na TV Tupi. Dois anos depois, em 13 de março de 1977, chegava à Rede Globo, imediatamente antes do Fantástico, aos domingos. Foi sucesso absoluto, que fez com que Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, ao lado de dezenas de coadjuvantes e convidados especiais, se tornassem celebridades dentro e fora do Brasil.

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Garantiram menção no Guiness, como o programa humorístico de maior duração na história da televisão, mais de três décadas. A interrupção da transmissão original em 1995 não impediu que as peripécias seguissem na memória de diversas gerações, tanto que quadros continuam sendo reprisados, e até um revival foi produzido para o Canal Viva. Após Os Trapalhões, Dedé seguiu ora ao lado de Didi e de outros artistas, ora em carreira solo na TV e nos palcos, como comediante, ator e diretor, e foi declarado Embaixador do Circo pela Academia Circense Brasileira, religando sua vida com as origens no picadeiro.

Dedé e a esposa Fotos: Divulgação/GS

ENTREVISTA
DEDÉ SANTANA
Ator e humorista

Magazine – Como é tua ligação com Santa Cruz?
Dedé Santana – Eu ia muito, todo ano ia aí e ficava dois meses. Agora, devido aos compromissos, não está dando para ir com tanta frequência. Mas já estou doidão para ir aí. Adoro. Fico na minha sogra, dona Maria Sidônia, onde desfruto de um sossego tremendo. Ando muito pela cidade, vou até a linda praça na frente da Catedral. Saio mais de carro. A pé é um pouco mais complicado [risos], todo mundo me para e quer tirar foto. Pego o carro e vou em tal e tal lugar. Gosto muito do centrão, da praça. Vou ali tomar sorvete, vou ao mercado, e na churrascaria, que é muito boa!

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Qual a impressão da cidade desde que a conheces?
Rapaz, eu sempre falo para todo mundo: é uma cidade muito limpa, organizada, bonita. Sempre foi, desde que a conheço. E tem uma coisa que me atrai muito… Às vezes passo ali na praça e ouço o pessoal, todo mundo, falando em alemão. Acho isso muito legal.

A família toda costuma vir?
Antigamente ia a família, mas agora cada um está com um tipo de trabalho. Meu filho trabalha com tatuagem, é tatuador; minha filha Yasmin faz teatro e cinema, e viaja muito com peça; e a outra filha, Daynara, mora aqui, é psicóloga, casada, já tem um filhinho. Eles gostam muito daí. Minha filha mais nova há poucos dias estava aí. E sou muito agarrado com meus cunhados, o Aldo, o Luís, o Ornélio e a Rosvita. Gosto muito deles. A família dela tem um carinho muito grande comigo. Fico muito feliz. Vou aí e sempre me sinto muito bem. Tanto que pensei várias vezes em morar aí. Mas acaba ficando meio longe do aeroporto. Viajo toda semana. Como ficava um pouco longe do aeroporto, só por isso não fui morar aí, porque eu queria.

Segues viajando muito então?
Tenho andado o Brasil todo. Estou fazendo uma peça que se chama Palhaços. Palhaço não tem nada a ver comigo, né? [risos] Já vai para dois anos em cartaz. É uma peça que me deu dois prêmios. Ganhei o Comendador da Cultura e o Prêmio Aplauso São Paulo. Agora, a gente deve voltar com ela para o Rio. Ainda não trouxe nem para Santa Catarina e nem fui para o Rio Grande do Sul. Mas está no plano para o ano que vem. E sou também embaixador do circo no Brasil. Visito vários circos. Essa semana mesmo estava visitando dois, um deles até da família do Henri Castelli, da Globo.

O circo segue se reinventando?
É, a gente está fazendo força para o circo não acabar. Porque há muita dificuldade nas prefeituras. Não tem terreno, os circos foram obrigados a diminuir de tamanho, porque não têm onde armar. E a burocracia está muito grande. Porque o circo não é uma empresa, que vai para a cidade e vai ficar fixo. Vai ficar uma semana ou duas. E o pessoal quer documentação como se fosse de empresa que fosse ficar na cidade. Onde facilitam mais para circo no Brasil, com ajuda de prefeituras e do governo, é Minas Gerais.

E televisão, algum projeto em vista?
Estou trabalhando num programa no Multishow, o Treme Treme. E o Viva está reprisando filmes de OsTrapalhões. No próximo ano tenho dois filmes para fazer, um com o Didi, o Renato, e outro com o Sérgio Mallandro.

Segues em contato direto com o Didi?
Sempre, porque a gente é muito amigo. Embora a mídia fale um monte de besteira, a gente é muito amigo. Nós começamos juntos. Tudo começou na realidade com a dupla Dedé e Didi, por quase dez anos. Tivemos mais de sete filmes, com recorde de bilheteria. A gente fazia um programa de soldado: Um, Dois, Feijão com Arroz. Os Trapalhões é uma coisa que vem bem depois. Foi o Mussum que eu trouxe para o grupo, e o Zacarias que o Didi trouxe. Aí que se formou Os Trapalhões. Antes disso eu já tinha viajado com o Didi o Brasil inteiro. A gente é muito amigo. São mais de 50 anos de convivência. Claro, se você convive cinco décadas com uma pessoa, às vezes caem umas pedrazinhas no caminho, mas somos muito amigos, sim.

E foi um período de muita exigência, certamente.
De muito trabalho. A gente fazia dois filmes por ano. Eu dirigia cinema também. Teve um ano em que dirigi três filmes seguido. Três. Não foi brincadeira. Eu trabalhava muito. Fazia shows, comerciais, e se acaba tendo muito pouco tempo para a família. É que a Christiane é uma guerreira, ela é muito lutadora. Ela segurou a peteca legal mesmo. Ela foi a companheirona mesmo, nunca pensei. Viajo muito e ela segura a peteca toda com filho, casa. Mas também não sou trouxa [risos]. Sou palhaço, mas não sou trouxa. Casei com uma rainha, né? Casei logo com uma rainha, que não sou bobo.

Os Trapalhões foram algo mágico, não?
Sempre agradeço muito a Deus por ter pertencido a esse grupo. Era um grupo maravilhoso. Fora do trabalho a gente era muito unido, fazia muita brincadeira. Porque era a nossa família, a gente vivia mais entre a gente do que com a própria família. A gente lutava, fazia filme, shows e comerciais. Viajamos até para fora do Brasil, estivemos na África, nos Estados Unidos. Fizemos filme em Hollywood, em Los Angeles. Foi, aliás, o primeiro que dirigi de Os Trapalhões, a parte americana fui eu quem dirigiu. Era uma vida juntos.

E é um trabalho que segue atual…
Fico até admirado porque as crianças hoje veem mais canal fechado do que aberto. Estão muito ligadas lá no Viva. No show as crianças todas querem tirar foto comigo, fazer selfie e tal, tudo por causa das reprises e tudo mais.

Tu te assistes naqueles filmes?
É muito difícil, mas agora já me acostumei mais. Vejo, boto para gravar, e fico olhando para reparar em algumas coisas. O que me choca às vezes é que, vendo o programa, fico me lembrando o que estava acontecendo, os bastidores. As brincadeiras, aquela época, e me dá uma saudade muito grande, cara, principalmente do Mussum, que era muito agarrado comigo. O Mussum era, como se diz, carne e unha comigo; não saía da minha casa, e eu não saía da casa dele. E às vezes fico assistindo o Mussum e morro de dar risada até hoje. Fico olhando as merdas que ele faz. Ele era muito engraçado, muito improvisador, e eu morria de rir.

Como vês o espaço para o humor no Brasil de hoje?
Está retomando devagarinho seu espaço. O que aconteceu é que o politicamente correto amordaçou os comediantes. Ficou muito difícil hoje para os comediantes. Não se pode falar isso, não pode falar aquilo. Sempre falo uma coisa. Como Dedé e Didi, tivemos o privilégio de poder errar; tentando, errando, refazendo, até que achamos nosso caminho. Isso, digo, a dupla Dedé e Didi, pois quando começamos Os Trapalhões a gente já tinha o caminho. A luta pela procura desse caminho foi de Dedé e Didi. Como disse antes, eu fui palhaço de circo, minha família era tradicional de vários palhaços. O Colé Santana, meu tio, foi um dos grandes comediantes do Brasil, com Oscarito e Grande Otello. Tenho muito orgulho de falar isso: eu levei o humor circense para a televisão. Digo isso com a maior certeza: tive esse privilégio de levar o picadeiro do circo para a televisão.

E agora, estás consagrado por isso.
Este ano vou estar em Campinas no dia 10 de dezembro, o Dia do Palhaço. Eles vão fazer uma grande homenagem para mim, porque sou Embaixador do Circo no Brasil. Será uma reunião de artistas e palhaços de circo do mundo inteiro. E no dia 7 de dezembro recebo uma homenagem da Maçonaria, em Brasília. Que bom que tudo isso acontece enquanto ainda estou vivo [risos]. Estou indo para 84 anos, Didi está com 84 e indo para 85. Os caras estão velhinhos, mas ainda estamos dando nossos pulinhos [risos].

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