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Pantano Grande

Família de jovem assassinado cobra prisão de suspeito do crime

Foto: Alencar da Rosa

Daisy Botelho mostra os retratos do irmão, Jean, morto no dia 1o de julho a golpes de faca em decorrência de colisão 14 dias antes

Jean Erly Botelho era a realização do sonho da mãe, Tânia Maria Leão Machado. As duas meninas que ela teve aos 17 e aos 22 anos, Daisy e Denise, sempre foram a felicidade dela e do marido Erly da Silva Botelho. No entanto, a vontade de ter um menino encontrava-se ameaçada com o avançar da idade. Mas, por obra do destino, aos 40 anos soube que estava grávida e, enfim, teria um filho homem.

Tradicionalista desde cedo, o menino também era o orgulho do pai. Ambos participavam em dupla dos torneios de laço em rodeios da região. Contudo, aos 18 anos, entrando na fase adulta, trabalhador, estudante e fã da tradição gaúcha, o filho de Tânia e Erly foi morto a golpes de faca. O homicídio, que chocou Pantano Grande, aconteceu no dia 1º de julho, quando o jovem voltava a pé do trabalho para casa.

Jean Erly Botelho tinha 18 anos

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As circunstâncias do crime já foram apuradas e detalhadas pela Polícia Civil em um inquérito de 75 páginas, concluído em 29 de julho, que indiciou José Saraiva Bica, de 51 anos, por homicídio duplamente qualificado.

Bica nega as acusações e segue em liberdade, embora a prisão preventiva tenha sido solicitada pelo delegado Anderson Faturi no dia 8 de julho, com o argumento de existirem “indícios suficientes de autoria do delito de homicídio qualificado”. O pedido foi negado pela juíza Magali Wickert de Oliveira, da 1ª Vara da Comarca de Rio Pardo. A decisão revoltou a família do jovem, que cobra a prisão imediata do acusado, diante das provas já apresentadas.

Daisy Botelho, a porta-voz da família, emociona-se ao lembrar do irmão. “Ele tinha aquela pressa de viver, vivia intensamente. A gente acha que nunca mais vai conseguir superar”, disse a mulher de 42 anos. O rapaz era integrante das bandas marciais da Escola Rita Lobato e d’Os Lanceiros, onde tocava quadritom. Fã de música alta, não perdia um dos jantares de sexta-feira com os amigos. Também cursava o terceiro semestre de Técnico em Enfermagem na Faculdade Dom Alberto.

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“Levo a tristeza de não ter mais ele aqui e não conseguir trazê-lo de volta. É uma dor muito grande”, disse a irmã. “Era um menino tão bom, com uma alegria constante, amizades, estudava, trabalhava, queria crescer na vida, cheio de sonhos. Não merecia isso”, complementou.

O inquérito

Na conclusão do inquérito, assinada pelo delegado Anderson Faturi, consta que “não resta dúvidas da autoria do crime de homicídio duplamente qualificado por parte de José Saraiva Bica”. Uma das qualificadoras elencadas pelo delegado é a de motivo fútil, dado que um acidente de trânsito teria motivado o crime. A outra é o uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, pois o indiciado teria esperado Jean passar por seu caminho habitual, entre o local de trabalho e sua casa, para atacá-lo com a faca. O jovem encontrava-se desarmado. Se acolhidas em um julgamento, havendo condenação, as qualificadoras ampliam a sentença.

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“O Judiciário entendeu que o indiciado deveria responder em liberdade, em vez de ser preso. Da nossa parte está concluído. Agora segue o processo na Justiça”, comentou Faturi em entrevista. A bicicleta supostamente utilizada por Bica no dia do crime foi encontrada pelos policiais no dia 16 de julho, no galpão de uma propriedade na localidade de Monte Castelo. De acordo com laudos periciais solicitados pelo delegado durante a investigação, não havia resquícios de drogas e bebida alcoólica no corpo de Jean Erly.

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Como um temporal contribuiu para o desfecho

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O rapaz de 18 anos morava com os pais na localidade de Várzea, a cerca de 9 quilômetros da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Machado de Assis, em Monte Castelo, onde trabalhava como controlador de acessos. De acordo com as investigações, um acidente de trânsito foi o ponto inicial da tragédia. Em 17 de junho, o Volkswagen Fox 1.0 vermelho de Jean e o Chevrolet Kadett branco de José Saraiva Bica colidiram, por volta das 11h40. Na ocasião, o rapaz voltava para casa para almoçar e o suspeito vinha da localidade de Várzea, em direção a Rio Pardo.

Os veículos ficaram danificados. Após uma discussão inicial e registro da ocorrência junto à Brigada Militar (BM), os dois motoristas concordaram em cada um consertar seu próprio carro. Em 26 de junho, no entanto, Bica e sua esposa teriam ido ao batalhão da BM pedir informações sobre o que poderiam fazer a respeito do acidente de trânsito ocorrido dez dias antes.

Acidente de trânsito no dia 17 de junho seria a motivação do crime ocorrido em 1o de julho


Um policial disse que, como se tratava de um acidente sem lesões, os danos deveriam ser resolvidos na esfera civil. Diante disso, a esposa de Bica teria ficado nervosa e afirmado que a BM deveria resolver a situação, já que o carro estava na oficina e o custo do conserto era R$ 1.800,00, valor que ela dizia não ter.

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Já na madrugada de 30 de junho para 1º de julho, um forte temporal caiu sobre a região, provocando a falta de energia elétrica em boa parte das localidades de Pantano Grande. Era o prenúncio de um dia que seria trágico no município.

Erly chegou a avisar o filho Jean que, se ele saísse mais cedo do trabalho, poderia ligar para lhe dar uma carona. No entanto, devido à falta de energia na torre de telefonia, os celulares estavam sem sinal – situação recorrente e motivo de inúmeras reclamações da população.

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Sem ter como chamar o pai, Jean Erly Botelho foi embora a pé, por volta das 16 horas. Bica, por sua vez, teria ido até um mercado da localidade para comprar velas, devido à falta de luz. Enquanto se encontrava em frente ao comércio, conversando com outras pessoas, o acusado, que estaria com uma faca na cintura, viu Jean, que passava pelo local. Na estrada, cerca de seis metros depois do estabelecimento, o jovem teria sido provocado por Bica e respondido às ofensas. Conforme o inquérito, uma das testemunhas contou que ouviu alguém dizer: “Então espera aí que tu vai ver”.

As facadas

Segundo a polícia, José Saraiva Bica teria ido ao encontro de Jean, desferido três golpes de faca na cabeça dele e, por último, uma estocada no peito, próximo ao coração. Após cambalear, conforme uma testemunha, o jovem ainda teria dito suas últimas palavras: “Tu me cortou, cara, eu tava trabalhando”. Em seguida, caiu sem vida.

Jean estava com uma mochila, na qual guardava o notebook usado para estudar. Após o crime, o acusado teria retornado até a sua bicicleta modelo “barra circular”, de cor preta com detalhes em vermelho, e ido embora. Em virtude da falta de energia elétrica, as câmeras de segurança do mercado não registraram as imagens do ocorrido.


O depoimento do acusado

A Gazeta do Sul teve acesso ao depoimento de José Saraiva Bica à Polícia Civil. O homem de 51 anos apresentou-se ao delegado Anderson Faturi em 6 de julho, cinco dias após o crime, acompanhado de advogado. Em seu depoimento, disse que estava recebendo ameaças após o ocorrido, e tinha receio de que algo acontecesse à sua família.

Mencionou que no dia do fato, após Jean passar caminhando em frente ao mercado onde estava, “falou para seus amigos que era o guri que se envolveu no acidente”. Segundo ele, Jean teria ouvido, se virado e o encarado, pronunciando ainda a frase “vem, vai encarar?”. Em seguida, ambos teriam entrado em luta com empurrões e socos.

No depoimento, consta que Bica percebeu que “seu dedo estava sangrando, não se recordando do momento que Jean se feriu, não esfaqueando Jean voluntariamente, até porque não estava portando faca, somente recordando que se feriu, e que Jean portava uma mochila”.

José Saraiva Bica disse ainda que foi para casa, sem saber informar em que estado de saúde ficou Jean Erly Botelho. Policiais militares armados foram à sua procura na residência onde mora, exigindo que se entregasse. Por fim, o acusado afirmou ter sido ameaçado de morte por populares, que começaram a dizer que iriam matá-lo por meio de linchamento, ou então iriam matar sua família, colocando fogo na sua casa. Toda essa situação lhe causava receio.

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O que diz a irmã

Daisy Botelho não se conforma em ver o homem apontado como assassino de seu irmão fora da cadeia. “Eu não consigo acreditar que uma pessoa, a sangue frio, vai premeditar um crime, matar uma pessoa, limpar e esconder o instrumento utilizado e fugir; o delegado afirmar que ele cometeu um delito, solicitar a prisão, e ele não ser preso”, disse.

Na decisão de permitir que José Saraiva Bica aguarde a sentença em liberdade, a juíza Magali Wickert de Oliveira avaliou, entre outros fatores, que ele “possui residência fixa, não havendo nenhuma informação no presente expediente de que o investigado estaria se desfazendo de provas ou mesmo coagindo as testemunhas ou, ainda, que apresente eventual risco para a investigação criminal”.

A irmã de Jean Erly Botelho discorda dos apontamentos feitos pela juíza. “A faca utilizada no crime, citada por todas as testemunhas, não foi encontrada. Não estamos tranquilos com ele à solta. Ele não tem paradeiro fixo, pois um dia está em Pantano, outro em Santa Cruz. Querem esperar ele cometer outro crime pra mandarem prender de verdade?”

O fato de Bica ser considerado réu primário, outro elemento considerado pela Justiça, também entra em contradição com a versão apresentada por Daisy. “Ele já tinha uma ocorrência por ameaça a um menino de 14 anos, em 21 de janeiro de 2019. Eu consegui encontrá-la, pois estava só como José Bica, em vez de com o nome completo”, revelou a irmã.

Por fim, a pandemia do novo coronavírus também foi um fator levado em conta para a manutenção da liberdade do acusado. A decisão da juiza aponta um artigo “que orienta que novos decretos de prisões preventivas devem ser em casos de máxima excepcionalidade, observando o protocolo das autoridades sanitárias”.

Para Daisy, um sentimento de injustiça paira no ar. “Esse bandido premeditou esse crime. Queremos que essa decisão da juíza seja revertida e ele aguarde o julgamento na prisão.” No último dia 22, o jovem teria completado 19 anos.

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