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RICARDO DÜREN

Missão impossível

No último fim de semana, reservamos algumas horas – ou melhor, muitas horas – para uma operação de guerra aqui em casa: fazer uma faxina nas caixas das gurias. No caso, em quatro caixas grandes, repletas de cadernos e diários, trabalhinhos de artes, lembrancinhas de passeios e de aniversários, que jaziam, empilhadas, a um canto do pequeno cômodo que transformei em escritório. Era uma tarefa que impunha-se como urgente, sob risco de, com o passar do tempo e com o acúmulo de mais caixas, eu não conseguir mais chegar à mesa de trabalho por falta de espaço para transitar.

Mais do que uma operação de guerra, tratava-se de uma missão de espionagem, a ser realizada de forma secreta, clandestina, sem que as gurias percebessem. Do contrário, seria impossível cumprir a meta que eu e a Patrícia estipulamos, de reduzir o número de caixas de quatro para uma – o que implicaria, obviamente, em eliminar muita coisa. Se as gurias nos flagrassem nessa atividade de selecionar e descartar parte de seus tesouros, aí sim, haveria guerra. Quem tem filhos sabe do que estou falando.

Não nego que se envolver em uma atividade como essa é de cortar o coração. Como decidir o que eliminar e o que preservar, dentre obras de arte feitas com canetinha e recortes de papel colorido, dentre guardanapos que ficaram de lembrança de jantares memoráveis, convites e chapeuzinhos dos aniversários das melhores amigas? Contudo, um bom espião deve colocar sentimentos à parte para cumprir sua missão. E então, eu e a Patrícia demos início a essa perigosa tarefa, aproveitando-nos das primeiras horas da manhã do sábado e do domingo, quando as gurias gostam de espichar o soninho.

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Logo no início, quase cometi um erro Missão impossível fatal, ao me deparar com uma caixa de sapatos repleta de embalagens vazias de balas e outras guloseimas. Ia jogar tudo no lixo, mas a Patrícia me impediu.

– É a coleção da Yasmin – sussurrou. – Ela sabe de cabeça quantas embalagens tem e de onde vieram…

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O item a seguir era uma engenhoca feita com um arame preso a um prato de isopor, outro sério candidato à sacola de lixo. Mas a Patrícia me alertou que aquilo era a bússola da Ágatha.

– Se imantar o arame e colocar o prato em uma bacia com água, aponta para o Norte. Ou, ao menos, deveria.

– Não me parece muito prático… – retruquei.

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– Mas ela sabe que está aqui…

Outro artefato curioso era uma garrafa pet toda furada, transpassada por uma de zena de varetas coloridas e recheada com bolas de gude. Lembrei-me que eu mesmo havia ajudado as gurias a fazer aquele brinquedo, uma imitação artesanal do jogo Cai Não Cai, que desafia os participantes a puxar as varetas para fora da garrafa sem deixar que as bolitas caiam para o fundo do recipiente.

– Elas ainda brincam com isso? – quis saber.

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– Não enquanto estiver escondido na caixa. Mas, se deixar à mostra, vão brincar.

E a versão caseira do Cai Não Cai também foi poupada.

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Por fim, não atingimos a meta, mas reduzimos o volume de coisas pela metade. Dentro do possível, pode-se dizer que cumprimos grande parte da missão. Mas cometemos um erro terrível: deixamos esquecido, fora das caixas que sobraram, um diário que a Isadora, a mais velha das gurias, havia recebido de presente quando recém aprendera a escrever. Um item que não poderia cair em mãos erradas.

Quem o encontrou foi justamente a Yasmin, dona de um senso de humor ácido, de uma predileção por zombarias que não sei a quem puxou. O diário estava guarnecido por um pequeno cadeado, mas não tardou até a marota encontrar a chave, escondida entre uma pilha de outras coisas que a irmã mantém no armário. Yasmin guardou o segredo até a hora do jantar de domingo, quando não resistiu mais à tentação e fez o anúncio:

– Li o diário da Isa…

– Xiiiiiii – assoviou o Ricardo Júnior.

– E o que diz? – antecipou-se Ágatha, já sob os protestos da irmã mais velha.

Yasmin então tomou fôlego e revelou:

– Começa assim: meu nome é Isadora e esse é meu diário… – mas, então, Yasmin foi tomada por um acesso incontrolável de risos e não conseguiu mais dar seguimento à palestra.

Aproveitamos a deixa e colocamos outros assuntos à baila, para impedir novas revelações. Afinal, mais do que colocar à mostra antigos segredinhos de um menina, então, recém-alfabetizada, aquele assunto poderia levantar uma pergunta temerosa: “como o diário fora parar fora das caixas?”

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