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ricardo düren

O Choquito

Nem sempre é fácil encontrar assuntos para esta coluna. Os leitores cobram histórias sobre as traquinagens das crianças lá de casa, principalmente da caçula, Ágatha. Mas não é toda semana que nossos filhos aprontam peraltices – o que, aliás, não deixa de ser um alívio. Essa semana foi um exemplo disso. Quando chegou a quinta-feira, com o prazo para redigir uma nova coluna batendo à porta, percebi que não tinha nenhum assunto bem-humorado sobre o qual escrever. E decidi apelar: pedi, às próprias crianças, sugestões para uma crônica.

– Precisa mesmo ser sobre a gente? – quis saber a Yasmin.

Fiquei meio desconfortável. Afinal, no fundo as gurias não gostam muito que eu escreva sobre suas travessuras – tem vezes que eu até escondo delas esta coluna, após impressa, para não me incomodar em casa. Respondi que não… Pelo menos, não necessariamente.

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– Neste caso – apontou Ágatha – escreva sobre o Choquito.

Fiquei um tempo matutando a ideia. Choquito (assim mesmo, com “qu”, não com “k”) é um cachorro que nasceu lá em casa há um meio ano, fruto de um perigoso passeio, além dos limites do pátio, de sua mãe, a Neneca. A Neneca está com a gente há bastante tempo. No sangue, carrega os genes de longínquos antepassados Yorkshire, raça famosa pela inteligência e astúcia. E, nesse quesito, Neneca não nega as origens biológicas. Destemida e ardilosa, tinha como passatempo predileto explorar os pontos fracos da cerca que rodeia o quintal, em busca de alguma vulnerabilidade que lhe possibilitasse aventuras na imensidão do mundo lá fora. Depois que reforcei a cerca, ela aprendeu a escalar o portão… E o resultado desse espírito desbravador, aliado a um erro de cálculo no calendário da vacina anticoncepcional, é o Choquito.

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Choquito, contudo, não foi o único varão a nascer da aventura de Neneca. Teve um irmão, o Tutu, que puxou o mesmo espírito da mãe. De pelagem marrom e bem curta, desde cedo mostrou-se um encrenqueiro, dado a fuzarcas, a tentar escalar os móveis e virar cambalhotas. Bem diferente do Choquito, com pelagem abundante e espírito retraído. Enquanto o irmão habituou-se a correr pela casa, latindo e inticando com as crianças, Choquito acostumou-se a procurar refúgios secretos, atrás de poltronas ou sob as camas, em busca de tranquilidade e introspecção.

Certo dia, um jovem casal procurou-nos interessado em adotar um mascote. Minha esposa já havia enviado fotos do Choquito, imaginando que ele possibilitaria a ambos uma agradável companhia. Mas quando chegaram lá em casa, o Tutu logo tratou de fazer festa para recebê-los, enquanto o Choquito ficou espiando de longe, macambúzio, fazendo pouco caso das visitas. Claro que o Tutu foi o escolhido. E o Choquito foi ficando…

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Quando Ágatha me sugeriu escrever sobre o Choquito, perguntei exatamente o que deveria abordar.

– Ah, escreve sobre as unhas dele, que parecem as do Zé do Caixão…

De fato, Choquito desenvolveu, com o passar do tempo, unhas imensas nas patas dianteiras, que mais parecem as de um tamanduá. Nas raras vezes em que sobe nas pernas de alguém, em busca de atenção, é preciso cuidado para que suas unhas não fiquem presas ao tecido das calças.

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Mas esse não é o único aspecto curioso de sua aparência. Choquito anda sempre de uma forma meio corcunda, com a coluna levantada, descrevendo um arco. A isso soma-se o hábito de permanecer sempre com o rabo escondido entre as pernas, como se não o tivesse; o que, no somatório de características, faz-lhe parecer uma cutia. Seu aspecto, em todos os sentidos, é o de um cãozinho frágil e desprotegido.

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Certa vez, contudo, Choquito muniu-se de uma grande dose de coragem e decidiu explorar o quintal. Andou sobre a grama, farejou as árvores, marcou território. Nos dias seguintes foi repetindo a dose, gradativamente aproximando-se mais da cerca. Mas sem jamais passar dos limites. Sempre que sai, logo retorna para o aconchego de seus esconderijos domésticos, talvez para refletir sobre suas descobertas e avaliar os riscos que correu lá fora. E é tudo. Nem todo mundo gosta de grandes aventuras.

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