Cultura e Lazer

“A casa das sete mulheres”: obra de escritora porto-alegrense evidencia papel das mulheres na Revolução Farroupilha

A Revolução Farroupilha também foi e é (muito) assunto de mulher. Basta atentar na repercussão que teve o romance A casa das sete mulheres, da escritora porto-alegrense Leticia Wierzchowski, 53 anos. A obra, lançada em 2002, projetou-se de tal forma que resultou em minissérie na TV Globo no ano seguinte.

A casa das sete mulheres, de Leticia Wierzchowski. Rio de Janeiro: Berrtand, 2018. 462 páginas. R$ 99,90.

Exibida entre 7 de janeiro e 8 de abril de 2003, em 51 capítulos, com adaptação de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão, e direção geral de Jayme Monjardim, acabou se transformando em sucesso de audiência.

A história é centrada na vida das mulheres da família de Bento Gonçalves da Silva, um dos líderes revolucionários, em plena Revolução Farroupilha. O papel de Bento Gonçalves coube a Werner Schünemann, enquanto sua esposa, dona Caetana, foi vivida por Eliane Giardini. O elenco central teve ainda Luís Melo, Juliana Paes, Nívea Maria, Bete Mendes, Camila Morgado, Mariana Ximenes e Samara Felippo.

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A partir desse romance, e da minissérie, a carreira de Leticia foi impulsionada. Posteriormente, o tema foi de certo modo desdobrado em dois outros romances (Um farol no pampa, de 2004, e Travessia, de 2017). Mais recentemente, ela lançou as narrativas Desaparição, Estrelas fritas com açúcar, Deriva e Amanhã será um dia melhor.

Em 2022, Leticia foi a patrona da 33ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Sobre o significado de A casa das sete mulheres para a sua obra, e sobre o papel e a rotina das mulheres durante a Revolução Farroupilha, ela concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Sul nessa semana.

Entrevista – Leticia Wierzchowski, escritora

  • Gazeta – Seu romance A casa das sete mulheres tematiza o cotidiano feminino durante a Revolução Farroupilha. O que aquele conflito representou para as mulheres em diferentes regiões gaúchas? O Rio Grande do Sul, por ser uma província de fronteira do Império, responsável por manter a segurança na fronteira sul, viveu grávido de guerras. Ou seja, a gente teve sucessivas gerações de mulheres que criaram filhos e se despediram de pais e maridos que iam para a guerra. Muitas vezes não voltavam. Isso cria nessas mulheres uma resiliência, uma força de permanecer, de resistir a essas intempéries políticas que geravam as guerras. Mas a revolução teve uma característica um pouco diferente das outras guerras, porque foi um movimento iniciado pelos próprios estancieiros daqui, do sul, contra o Império. Ou seja, pela primeira vez a Província brigou contra o Império. Para que isso pudesse ser mantido, para que houvesse essa luta, uma grande parte do dinheiro desses revolucionários vinha das próprias estâncias; vinha de fora, de simpatizantes da causa, mas as estâncias pagavam boa parte dessa luta. E com os homens na guerra, quem tinha que cuidar das estâncias eram as mulheres. Acho que a revolução foi um palco importante para mostrar o poder feminino, o poder administrativo da mulher, num período em que elas viviam limitadas às cozinhas e às salas de suas casas. Por exemplo, a mulher do Gomes jardim, que chegou a ser presidente da República Rio-Grandense, administrou as estâncias dele com muito mais talento e gerou muito mais lucro do que o próprio marido quando esteve no comando das suas terras.
  • A elaboração dessa narrativa envolveu muita pesquisa? Como foi conciliar história e imaginação, a fim de alcançar a verossimilhança? Olha, eu sou uma romancista, não sou uma historiadora. A preocupação do romancista, a partir do momento em que ele decide a história que vai contar, é que o livro tenha verossimilhança interna. Ou seja, você pode até contar uma história totalmente inventada, mas ali dentro aquilo tem de combinar. Ninguém duvida que chove 30 dias em Macondo ou que se chupar um pirulito perde a memória, porque o García Márquez cria a estrutura interna do romance toda de maneira a que esses acontecimentos fabulosos tenham uma lógica, mesmo que fabulosa também. Para mim, o trabalho é esse, pegar e preencher com ficção as lacunas da história. E, como a gente está falando, em A casa das sete mulheres, as mulheres foram meras pegadas, não existem registros claros sobre elas. Então, foi muito mais simples de criar o que faltava.
  • Esse livro constituiu o primeiro de uma trilogia, com Um farol no pampa e Travessia. É um tema que a senhora entende como esgotado, ou ainda pretende voltar a ele? Na verdade, eu chamo de minha “Trilogia Farroupilha”, mas Um farol no pampa já começa no pós-Revolução Farroupilha, dois anos depois; então, é uma maneira de contar um pouquinho da história do Sul, dos gaúchos e pessoas que ajudaram a construir o passado da nossa terra, como o próprio Garibaldi e a Anita. Eu ainda pretendo em algum momento voltar ao tema, já tenho até esse romance pela metade, mas aí acompanhando o final da trajetória do Garibaldi, tudo o que ele faz depois que vai para a Itália. E, enfim, a gente nunca sabe, né? Pode que uma hora eu volte ao assunto, que é matéria interessante para um ficcionista.
  • Como é o envolvimento da senhora com as celebrações da Semana Farroupilha? Acompanha de perto, ou nem tanto? E na época do lançamento do livro, como repercutiu junto a esse público? Eu acabo me envolvendo em uma coisa ou outra durante a Semana Farroupilha pela associação do meu nome com o tema, em função do sucesso de A casa das sete mulheres. Mas são mais eventos literários ou palestras que se constroem em torno do assunto. Não costumo estar dentro de um piquete, envolvida no coração do tema. Na época do lançamento, o romance repercutiu fortemente, e de uma maneira muito legal; as pessoas ficaram felizes. Então, o próprio meio nativista se emocionou muito com o sucesso da série e foi sempre muito festivo em relação ao livro, isso é uma alegria que carrego comigo. Tenho bastante alegria por todos e é um assunto que volta muito. Sempre me dizem: “vou apresentar uma dança das sete mulheres”, “temos um evento das sete mulheres”. Claro, não posso estar em todos os lugares, mas fico muito feliz que ajudei a construir um pouquinho mais dessa mitologia. Porque, se a gente não conhece o nosso passado, e não o festeja, inclusive seus erros e, claro, seus acertos, tudo, a gente não pode construir um bom futuro.

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Romar Behling

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Romar Behling

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