Cultura e Lazer

A estética ajuda a contar as histórias dos filmes

A direção de arte é uma peça fundamental na narrativa de um filme, na avaliação da profissional Vanessa Rodrigues. Ao pensar na estética da produção (desde os cenários aos figurinos), há uma preocupação em evidenciar, por meio da imagem, a história a ser contada. Desse modo, se um personagem está passando, por exemplo, por uma tristeza profunda, a direção de arte busca demonstrar tais sentimentos por meio do ambiente.

“Vou trazer cores e elementos que vão ajudar a contar a história desse personagem. Ou seja, vou criar literalmente uma linha narrativa visual e estética”, explica Vanessa.

A diretora de arte gaúcha participa da produção de Porongos, novo longa-metragem do diretor e roteirista Diego Müller e do produtor Pablo Müller. Vanessa aceitou a missão de narrar a história dos Lanceiros Negros e o Massacre de Porongos, visando retratar a violenta traição sob uma nova perspectiva. Na avaliação da profissional, trata-se de um projeto urgente sobre um fato histórico que até então estava em um lugar de silêncio. A produção, no entanto, veio com diversos desafios. 

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Primeiro, exigiu da profissional uma imersão no passado, por meio de muita apuração sobre o Rio Grande do Sul no período da Revolução Farroupilha. E, ao revistar a situação dos negros escravizados, Vanessa se deparou com desafios que testaram as suas emoções  e mexeram com suas inquietudes acerca dos fatos retratados em Porongos. 

Ela precisou reconstruir uma senzala, na qual os atores estavam acorrentados. Para garantir que tudo daria certo na filmagem, a sua equipe, formada por pessoas negras, fez um teste. Para Vanessa, foi impactante ver corpos negros, ainda que numa encenação. “Não foi fácil, mas foi necessário. Ainda que eu não tenha vivido isso, a dor e a memória estão em mim”, explicou a diretora de arte.

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Ela sabia, no entanto, que a missão era ainda maior. Afinal, havia a necessidade de expor as condições desumanas pelas quais os escravizados passaram naquele período e contexto. Para a profissional, Porongos quebra o silêncio a respeito de um marco da história gaúcha.  “Tenho muito orgulho do trabalho que fizemos nesse filme”, admite.

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Entrevista

O que te motivou a fazer parte da produção de Porongos?

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Eu diria que é um projeto bastante necessário. Não poderia ter negado, porque é um trabalho que eu gosto muito de trazer, que é a questão negra. Tanto na tela, contando histórias negras, quanto em ter pessoas pretas compondo a minha equipe.

E, enquanto uma mulher preta do Rio Grande do Sul, simplesmente não poderia deixar a oportunidade passar. Não é apenas um trabalho profissional, mas é uma história com uma questão de justiça.

Porongos faz uma denúncia. E faz justiça a um grupo de pessoas que sofreram e não estão mais aqui. É um filme que evoca a necessidade de voltar ao passado. Muitos tratam esse episódio como uma batalha na qual os lanceiros morreram em honra e glória ao Rio Grande do Sul. Não que eles foram traídos e massacrados, pois era interessante dar continuidade ao sistema escravagista, que perdurou após o fato. 

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São muitas questões e a minha mente chega a ferver quando começo a falar sobre o assunto, porque ele mexe comigo. E como não vou retratar essa história e poder, através do visual, do estético, também contar a verdade?

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O seu trabalho envolve muita pesquisa. Quais os desafios de realizar a apuração para contar a história vista em Porongos?

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Os desafios perpassam o profissional. Enquanto pessoa, de encarar uma história de dor, encarar uma história que está em mim, uma memória doída e triste. Que não necessariamente eu tenha vivido puramente, mas está em mim. E esse foi um dos maiores desafios, encarar isso de cabeça firme e erguida para conseguir contar o que precisasse contar.

Do ponto de vista técnico, o grande desafio era conseguir registrar isso com vigor histórico. E isso passou pela desconstrução do meu olhar para os materiais que chegavam até mim. Tive acesso a registros históricos, livros e pinturas. E muito da minha estética vem dessas pinturas. 

E esse material, a maior parte dele, foi feito por pessoas brancas, especificamente homens brancos. Então, peguei esse material e busquei representar o passado confrontando ele, tirando todos os preconceitos existentes neles. 

Se fôssemos reproduzi-lo, estaríamos fazendo mais um filme sobre os heróis farroupilhas e não sobre os lanceiros, que são os verdadeiros protagonistas disso. Em alguns filmes, os quilombos, por exemplo, os lanceiros são todos iguais, vestem a mesma roupa, é uma coisa só. Pensando de uma forma mais profunda, até faz sentido, porque a ideia dessa era escravagista, desses corpos, o olhar para esses corpos, não pensa em subjetividade, ele só pensa no grupo. 

Em Porongos, eu não posso tratar esses corpos como uma coisa única, porque não são. Cada corpo tem uma personalidade, tem uma bagagem de conhecimento. 

Então, quando construí esse quilombo, foi pensando nos corpos e nos grupos que foram trazidos do continente africano para o Rio Grande do Sul. E como eles se adaptaram ao frio, a outra cultura e a outras necessidades. Nós trouxemos essas simbologias e essa subjetividade que não vemos quando se trata desses corpos. É uma grande desconstrução de olhar.

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Marcio Souza

Jornalista, formado pela Unisinos, com MBA em Marketing, Estratégia e Inovação, pela Uninter. Completo, em 31 de dezembro de 2023, 27 anos de comunicação em rádio, jornal, revista, internet, TV e assessoria de comunicação.

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