Omomento exige solenidade inaugural. Cristian mentaliza o que dizer. Falaria das notícias nada favoráveis, envolvendo eventos catastróficos, extremos climáticos, perdas patrimoniais e de vidas. Reforçaria sua argumentação com o relato dos protocolos internacionais assinados e pouco cumpridos, dos financiamentos sempre aquém das necessidades socioambientais, e clamaria pela mudança comportamental da humanidade.
Seria o momento para falar da percepção equivocada que temos da morte? Sim, diria que, ao assumirmos a morte como um processo desvinculante do meio natural e culparmos a natureza por nossa finitude, passamos a nos vingar degradatoriamente dessa mesma natureza; logo ela, que nos gera, nutre e acalenta.
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Todavia, ao invés da fala pretendida, Cristian opta por um gesto: solicita que os seis, ele próprio e Eva, Irene e Antônio, a criança e Líris se posicionem como vértices de um hexágono expandido, em clara menção ao fragmento de arenito encontrado nas fundações do antigo sanatório. Sim, os alvéolos hexagonais sempre permitem o acréscimo e a expansão multilateral de outras células. O formato hexagonal toma ainda maior vulto quando Eva, Irene, Antônio, Cristian, a criança e Líris se dão as mãos em braços ampliados, universalizando a solidariedade colaborativa.
Nossos aventureiros sabem que nem tudo se resolve com a proatividade hexagonalizada, mas já não temem suas vulnerabilidades. Também sabem que quando a desesperança os acometer, poderão refazer a trajetória até a cratera abissal onde as forças da terra se revelam colossais. Igualmente seguirão zelando pelo cemitério de sepultamentos identificados por árvores, como jamais abandonarão o pântano prenhe em vitalidade originária brotada da “pedra encantada”.
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Aos anoiteceres tecerão comentários sobre os troncos decepados, criaturas feridas e nativos se auxiliando. Lembrarão do trilobita. Poderão visitar a floresta que cresce vigorosa e conversar com os pássaros que ali nidificam.
Líris, enternecida com sua bonequinha, aproveita o momento: “Nós encontramos o segredo da cura e do bem-estar. Precisamos divulgar isso”. A criança se apressa: “Claro, vamos percorrer todos os lugares e convidar as pessoas para virem nos visitar e conviver. Um segredo desses não pode ficar só com a gente”.
À generosa disposição, Cristian ergue a voz em tom fundador: “Vocês concordam em instalarmos aqui uma ‘Fundação’ em que todos encontrarão abrigo, afeto, cuidado, respeito, justiça, liberdade, conhecimento, oportunidades e onde a nova ciência será desenvolvida, tudo em diálogo com a natureza?” Nesses momentos, o inusitado não titubeia: as abelhas e a libélula, o cervo e o cardeal, o pombo e Luna, a floresta e suas criaturas reverberam fervor criativo.
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“Como as pessoas nos encontrarão?”, pergunta Antônio. Antes que a resposta venha, o sopro do vento faz Irene e Eva apontarem para noroeste: “Vejam. É Tanice voltando”. Receptivos, todos se lançam em calorosa acolhida. Vibrante, Tanice, acompanhada pelo pombo, afaga o pelo terracota de Luna e orienta: “Nada de placas. As pessoas que aceitarem nosso convite serão conduzidas pelas duas cobras e pelas abelhas que mostraram o caminho desde o início de nossa aventura. Elas conhecem as artérias da terra. Sabem das entranhas e das flores”.
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Enquanto isso, ao tempo em que segue purgando culpas que não as suas, o plátano, sem desistir do “irmão” sepultado, rebrota redentoramente. O registro espectral de tantas aventuras hexagonalizadas se faz inaugurado como a geobiodiversa “Fundação Verde Novo”, que viria a se constituir em alvorecer socioambiental não alcançado pela devastadora sexta extinção dos tempos Antropocênicos.
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(Gratidão especial a você, leitor; à arrojada generosidade do editor Romar Beling e a sua equipe, ao ilustrador Fernando Barros e a todos que viabilizaram a publicação dos 26 fascículos que compõem o folhetim VERDE NOVO, apresentados quinzenalmente no suplemento Magazine, do jornal Gazeta do Sul, durante os anos de 2024 e 2025, entre uma primavera e outra.)
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