Já fiz referência ao romance A montanha mágica, de Thomas Mann, em duas ocasiões, ainda que não seja meu favorito entre seus livros (Doutor Fausto ocupa esse lugar). Mas, talvez por efeito de leitura recente, meus pensamentos por vezes retornam ao Sanatório Berghof, onde se passa a história. É um microcosmo da Europa no início do século 20 com sua miríade de ideias, povos e discussões mais ou menos acirradas sobre qualquer assunto.

Sei que estamos numa época em que ler livros causa certa estranheza, mas existe algo no ar rarefeito da montanha de Mann que transcende, e muito, a ficção. É uma atmosfera que se adensa e prenuncia tempestades, sobretudo quando a história se aproxima do desfecho.

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Sejamos breves. O engenheiro Hans Castorp chega ao Sanatório Berghof, em Davos, na Suíça – na verdade, uma renomada casa de repouso para tuberculosos – para visitar um primo internado. Após uma semana, Castorp passa por exames e descobre que ele também está doente. O ano é 1907 e sua intenção era ficar alguns dias, mas as circunstâncias prorrogam a permanência para atordoantes sete anos.

Ele ocupa esse tempo ocioso em conversas e debates infindáveis com outros internados, gente de vários países, sobre política, ciência, religião, filosofia, tudo. É digno de nota que no Berghof coexistem diferentes opiniões, visões de mundo e temperamentos, sem que ninguém se sinta constrangido por isso. Ideologias entram em choque em confrontos verbais intensos, mas sem que a civilidade seja expulsa. Um dia, no entanto, Castorp percebe que as coisas mudaram.

É como se ali no sanatório, onde estão em busca de cura, todos fossem afetados por uma nova doença. Uma infecção estranha, de origem ignorada, mas que deve ter vindo de fora. Hans Castorp sente-a em si próprio. “Que havia no ar? Sanha de discórdia. Uma irritação aguda. Uma impaciência indizível. Um pendor geral para discussões venenosas, para acessos de raiva e mesmo para lutas corporais.”

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Um rapaz cordato tem um ataque de fúria – do tipo que faz quebrar coisas – porque o chá estava frio no café da manhã. Dois senhores, um socialista e um jesuíta conservador, acostumados a discutir de maneira amistosa, descobrem que não se suportam mais e travam um duelo de morte.

Os episódios de ira se sucedem. E o que também incomoda Castorp: quem não participa dos conflitos, em vez de agir como pacificador ou ao menos expressar indignação, parece admirar tais cenas, “simpatizar com a explosão de sentimentos e abandonar-se intimamente à mesma vertigem”.

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Castorp deixa o Berghof em 1914, não sabemos se realmente curado, e vai lutar na Primeira Guerra, a “festa mundial da morte”.

Ele também não pôde resistir à vertigem.

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Guilherme Andriolo

Nascido em 2005 em Santa Cruz do Sul, ingressou como estagiário no Portal Gaz logo no primeiro semestre de faculdade e desde então auxilia na produção de conteúdos multimídia.

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