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A maconha do Pepo

Todas as manhãs a cena se repete. Mal chego na cozinha para tomar café e ele aparece. Para impaciente diante da porta fechada. E, no que libero a saída, corre para o emaranhado verde que cresce em um canto do gramado como uma erva daninha que esquecemos de cortar. Pepo, esse é o nome do rapaz, se joga sobre o arbusto e rola. Cheira e rola. Mordisca de leve uma pontinha de folha, e rola. Está em êxtase. Mergulha a cabeça por entre os galhos e aspira profundamente. Às vezes fica “tão tão sei lá o quê”, que emite sons incompreensíveis e vem deitar na calçada olhando para o nada.

Depois de 15 minutos, e umas rusgas com as manas que também querem provar, dá a atividade por encerrada e segue sua rotina. Comer e dormir. Dormir e comer. Mais tarde, geralmente à noite, o desejo volta. E lá vai ele para sua “maconha” começar tudo de novo.

A ciência garante que a plantinha é inofensiva. Que seu efeito, temporário, só dá alegria e não faz mal. Que Pepo, um gato dengoso e um tanto velhusco, pode curtir sua Nepeta cataria à vontade. O odor sutil da espécie chamada de Maconha do Gato só tem efeito entre os felinos. Alguns felinos.

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Olho para ele em sua vida de gatinho protegido e penso que, sob certos aspectos, os pets são privilegiados. Nós humanos queremos muito para sermos felizes. E temos uma crescente dependência de coisas que parecem boas e não são. Em matéria de vícios, carregamos um portfólio enorme de opções. Para além dos clássicos, tem gente viciada em sexo, em pornografia, em internet, em intervenções estéticas, em limpeza, em comida, em compras… Em apostas esportivas online.

Dias atrás, estranhei na TV o quadro com dados sobre apostas que aparecia na tela durante uma partida de futebol. E quando tentei retirar aquilo da imagem, descobri que não sai. Que fica ali o jogo todo, “imexível”. Trata-se de um tipo de publicidade permitida em plataformas de streaming e canais pagos. Algo impensável há poucos anos.

Diante da TV, lembrei da prima de uma amiga que está internada porque perdeu a noção, a poupança e a dignidade em apostas. E de um homem que me contou história semelhante. Ele nunca ganha, mas não consegue parar porque, segundo disse, a fissura não está em ganhar, e sim em apostar.

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Os humanos jogam desde sempre. É uma prática inata, criadora de cultura. Porém, no jogo, como em tudo o mais, é preciso cautela. Se perdemos o domínio, adoecemos. E, na doença, o prazer vira sofrimento.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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