Há alguns dias, descobri que existem velórios online. Você não pode ir pessoalmente? Pegue a senha com alguém da família e acompanhe a vigília de qualquer lugar. O serviço nem é novidade. Existe há uns 20 anos, embora só tenha se expandido durante a pandemia. Por razões óbvias.
Minha desinformação sobre procedimentos funerários não me incomoda. Mas confesso que senti um certo mal-estar com mais essa faceta da tecnologia. Um incômodo. Uma inquietação. Será que banalizamos a morte?
Ah, a morte. Como resistir, sem uma ponta sequer de horror, diante de sua certeza? Seriam os velórios online uma demonstração de que estamos aprendendo a lidar com ela?
Publicidade
LEIA TAMBÉM: A maconha do Pepo
Acho difícil, embora sempre existam tentativas. A sueca Margareta Magnusson escreveu um livro onde ensina como organizar a vida antes de morrer. A obra, lançada em 2017, foi publicada em 32 países. E tornou mundialmente conhecido o hábito nórdico de döstädning – em português, algo como “faxina antes da morte”.
O método, que na versão em inglês virou dead cleaning, consiste em revisar tudo o que se possui, mantendo apenas o que tem valor real – seja por utilidade, seja por afeto. O objetivo é não deixar para os que ficam o fardo de decidir o destino das nossas coisas.
Publicidade
Ah, esses nórdicos… Por aqui, a questão é mais confusa. Andamos aos poucos, entre crenças e mitos. Talvez por isso, a edição brasileira tem um título genérico e impreciso: O que deixamos para trás: a arte sueca do minimalismo e do desapego.
LEIA TAMBÉM: Aos que ligam, e aos que não ligam
Como não somos suecos, essa história de “limpar a vida” para não dar trabalho aos que ficam ainda é pouco comum. Na maioria das vezes, o que fazemos é a faxina posterior. Roupas, móveis, livros, fotografias (como é difícil dar um jeito nas fotografias de quem partiu), um rádio de pilha, plantas em vasos… Um espólio de objetos sem grande valor monetário que alguns descartam com exemplar pragmatismo. Outros, cheios de culpas.
Publicidade
Eu bem que gostaria de ser uma pessoa prática. Faz sete anos que minha mãe partiu. E ainda tenho muitas coisas dela. Algumas, porque não pensaria em me desfazer. Outras, porque não consigo. É o caso do coelho de borracha que ela usou em um trabalho com os alunos. Ela nunca se desfez do tal coelho. Pior: deu a ele status decorativo e o manteve por décadas como um enfeite insólito na estante. O bicho tem quase 60 anos. Perdeu a tinta, os olhos de vidro caíram, a borracha encardiu, o apito estragou… é um coelho inútil. Mas acabou nas minhas mãos e eu não sou capaz de me livrar dele. A cada vez que decido “chega, esse coelho velho vai para o lixo”, penso na criança sem brinquedos que minha mãe foi. E o coelho volta para o armário.
LEIA MAIS TEXTOS DE ROSE ROMERO
QUER RECEBER NOTÍCIAS DE SANTA CRUZ DO SUL E REGIÃO NO SEU CELULAR? ENTRE NO NOSSO NOVO CANAL DO WHATSAPP CLICANDO AQUI 📲. AINDA NÃO É ASSINANTE GAZETA? CLIQUE AQUI E FAÇA AGORA!
Publicidade
This website uses cookies.