Colunistas

Asfalto, promessas e a maldição da obra eterna

É uma tradição nacional, quase um esporte olímpico: o anúncio de obras públicas. Principalmente quando o calendário eleitoral começa a ficar com ares de festa junina, com a fogueira da campanha queimando mais forte. Obras que, como um avião de papel, levam os sonhos da população para o céu, mas logo perdem o fôlego e caem em algum canteiro de obras abandonado, virando monumento ao desperdício.

Não é coisa de agora. A história das rodovias gaúchas, por exemplo, é um épico de tragédias e promessas não cumpridas, digno de uma novela mexicana com mais reprises que “A Usurpadora”. Pegue o caso da ERS-403, entre Rio Pardo e Cachoeira do Sul. A saga do asfalto ali é tão longa que já deve ter enterrado sapos, cágados, e até a paciência de quem vive na região. A obra começou há três décadas, no tempo em que o Orkut ainda era uma novidade. Se fosse uma pessoa, já estaria tirando carteira de motorista e se preparando para fazer a mesma estrada que nunca fica pronta.

No ano passado, a ERS-410, que liga Candelária à localidade de Bexiga, virou palco de um espetáculo grandioso. Uma verdadeira superprodução de Hollywood, com direito a máquinas, operários e, claro, o anúncio solene da retomada do asfaltamento. Que maravilha! Só que não. A cortina se fechou logo depois, sob a alegação de “ajustes no projeto”. Ou seja, o show da promessa era só para agradar à plateia antes da eleição. Na semana passada, as máquinas voltaram ao trecho sob a desconfiança dos usuários para saber até quando por lá permanecerão. Já as rodovias que realmente importam para a economia, como a RSC-153 e a RSC-471, corredores de exportação, vivem no eterno purgatório do “tapa-buraco”.

Publicidade

A gente se pergunta: quanto o governo já torrou com essa maquiagem que disfarça a falência da infraestrutura? Tapa-buraco é como colocar um Band-Aid em uma ferida que precisa de cirurgia. É uma despesa constante, que não resolve o problema e impede que o dinheiro seja usado em algo mais efetivo e duradouro. Não seria mais sensato, e até mais econômico, fazer o serviço direito uma vez só? Mas aí não teria espetáculo, né? O show de “estamos fazendo algo” precisa continuar.

Essa falta de planejamento não é exclusividade das estradas. Santa Cruz do Sul, por exemplo, é o lar de um case (com o perdão do trocadilho) de desperdício: a obra do governo do Estado do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), parada desde abril de 2021. É como uma torta que foi esquecida no forno. O que foi feito se deteriora, o material se perde, e o que seria um investimento útil vira um fantasma de concreto, assombrando a paisagem.

Essa lógica do “começa, para, recomeça” seria inaceitável em qualquer empresa séria. Se a gente trouxer para a vida real, é como uma dona de casa que resolve fazer um bolo, mas no meio do caminho, o filho pede outro sabor e ela para o preparo. Logo depois, o filho menor pede um terceiro. Resultado: três receitas inacabadas, ingredientes estragados e ninguém come bolo. Na política, essa metáfora é uma receita de prejuízo em escala industrial.

Publicidade

E para completar o quadro, o abandono da ferrovia no Estado. O transporte ferroviário é mais barato, mais eficiente para grandes volumes e tira caminhões da estrada. Mas em vez de investirmos nisso, preferimos o caos das rodovias em frangalhos.

O que se vê é um roteiro previsível: promessas, anúncios bombásticos, obras paralisadas, dinheiro jogado fora e a população à espera de um final feliz que, por enquanto, parece mais um enredo de “Sessão da Tarde” sem fim. Resta saber até quando a gente vai continuar aplaudindo esse espetáculo circense de pura ineficiência.

LEIA MAIS TEXTOS DE COLUNISTAS

Publicidade

QUER RECEBER NOTÍCIAS DE SANTA CRUZ DO SUL E REGIÃO NO SEU CELULAR? ENTRE NO NOSSO NOVO CANAL DO WHATSAPP CLICANDO AQUI 📲. AINDA NÃO É ASSINANTE GAZETA? CLIQUE AQUI E FAÇA AGORA!

otto_tesche

Repórter, editor e coordenador de conteúdo na empresa Gazeta do Sul. Trabalhou como correspondente na região do Vale do Rio Pardo na empresa Correio do Povo. Estudou Desenvolvimento Regional - Ênfase Sociocultural na instituição de ensino Unisc – Santa Cruz do Sul/RS. Estudou Jornalismo na instituição de ensino Unisinos – São Leopoldo/RS. Mora em Santa Cruz do Sul, mas é natural de Três De Maio, Rio Grande Do Sul, Brazil.

Share
Published by
otto_tesche

This website uses cookies.