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Brain rot no país que não lê

“Já lhe aconteceu alguma vez de encontrar em um livro uma ideia vaga que já tivera, alguma imagem obscurecida que retorna de longe, como se fosse a exposição perfeita de seu sentimento mais sutil?” A pergunta vem assim, entre aspas, porque foi feita não por mim, mas por Emma Bovary, protagonista de um romance famoso de Gustave Flaubert. E que creio ser oportuna para este 12 de outubro, não apenas o Dia da Criança, mas também o Dia Nacional da Leitura.

Madame Bovary fala da experiência da leitura atenta, de como ela pode nos fazer entender melhor os próprios pensamentos e sentimentos. Não que nos torne “bons” ou “ruins”, nada disso, mas ela decididamente ajuda a pensar, analisar – o que não é pouco. Infelizmente, essa prática vem perdendo terreno. Números demonstram: o Dia Nacional da Leitura vai transcorrer em um Brasil que, estatisticamente, tem mais gente que não lê do que leitores. Já se desconfiava, sem dúvida.

Em 2024, a sexta edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, do Instituto Pró-Livro, apontou que houve redução de quase 7 milhões de leitores no País. Pela primeira vez na história, o percentual negativo predominou: 53% das pessoas entrevistadas encaixaram-se na categoria “não leitores”, ou seja: não leram nenhum livro, nem parte dele, em um período de três meses.

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A pesquisa define como “leitor” quem leu um livro inteiro ou pelo menos em parte, físico ou digital, nos últimos três meses. Esse contingente correspondeu a 47%.

Coincidentemente ou nem tanto, também em 2024, a “expressão do ano” – cunhada pelo Dicionário Oxford – foi brain rot, em português: “apodrecimento cerebral”. Refere-se à deterioração mental e intelectual causada pelo consumo em excesso de conteúdos superficiais, rápidos e de baixa qualidade na internet. Vídeos curtos, memes, dancinhas e outras inutilidades.

Cada vez mais pesquisadores estudam o tema. É ponto pacífico que a dependência excessiva de telas prejudica a concentração, a criatividade (com a exposição constante a ideias prontas e mastigadas) e a memória. A mente passiva trabalha cada vez menos.

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Ora, ler livros é uma atividade. Exige esforço, embora não pareça. Assim, não é casualidade que as preocupações com o brain rot avancem lado a lado com a queda no número de leitores (fenômeno que não é exclusividade brasileira).

E eu pensava que a excesso de internet me causaria, no máximo, miopia e presbiopia. Enganei-me. Causa burrice também.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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