Cultura e Lazer

Cineasta Diego Müller revisita massacre histórico de Porongos em novo filme

Na visão do cineasta Diego Müller, a função do diretor de cinema, assim como de qualquer artista, é compor uma obra que provoque agitação. Não necessariamente para gerar polêmica, mas construir algo sobre o que as pessoas possam conversar, debater e criticar, independentemente de gostarem do resultado ou não. “É para dar uma chacoalhada e fazer com que a obra seja, além de compreendida, um instrumento de diálogo, conversa e reflexão”, pondera.

Tal afirmação ajuda a entender o motivo de Diego ter decidido escrever e dirigir um filme sobre a jornada dos Lanceiros Negros na Revolução Farroupilha e o Massacre de Porongos. Após encantar o público com InfiniMundo, obra codirigida com Bruno Martins e filmada no interior de Santa Cruz do Sul e Sinimbu, Diego (que já residiu em Santa Cruz) revisitará um dos episódios mais violentos da história em Porongos, novo trabalho ao lado do seu irmão, o produtor Pablo Müller.

O cineasta começou a desenvolver o projeto em 2020, durante a pandemia do coronavírus, enquanto estava isolado no interior de Caçapava do Sul. Debruçou-se sobre a literatura rio-grandense em algumas produções audiovisuais, entre elas várias de que havia participado no início da carreira. 

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Ao longo da jornada, sentiu um incômodo ao perceber a carência de obras e de materiais nos quais a presença negra tivesse protagonismo. O roteirista percebeu a necessidade de contar uma parte da história do povo negro no Rio Grande do Sul. 

“Entendo que a ideia do gaúcho que se apresentou durante muito tempo era uma miscigenação incompleta. Penso que a presença negra nesse conjunto que formou o gaúcho é fundamental. E eu sentia falta dessa parte”, detalha.

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A partir daí, não demorou para escolher o Massacre de Porongos como tema, uma vez que, nesse contexto, trata-se de emblemático evento. Usou, entre as obras à sua disposição, os livros História regional da infâmia, de Juremir Machado da Silva, e Gaúchos e beduínos, de Manoelito de Ornellas. 

Foi questão de tempo até realizar a primeira leitura virtual do roteiro, ainda no contexto da pandemia. A partir disso, iniciaram-se novos contatos e houve consultorias para ampliar as possibilidades de pesquisa. Com isso, várias adaptações foram realizadas no texto, que chegou ao 32º tratamento durante as gravações, corrigindo questões que estavam equivocadas.

“É muito difícil que [o roteiro] tenha deslizado em algumas questões históricas do ponto de vista de que nós entendemos que é a verdade que buscamos contar. É evidente que o roteiro, por tratar de um assunto polêmico, vai encontrar discordância, que vão achar que estamos indo por um caminho equivocado. Existem duas linhas da história e optamos por uma que até então não havia sido contada”, evidencia.

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A primeira etapa de filmagens de Porongos ocorreu entre 11 de agosto e 13 de setembro, nas localidades de Minas de Camaquã e Bagé. Segundo Diego, a Santa Cruz Film Commission havia proposto para que a produção fosse realizada no Vale do Rio Pardo, mas os municípios escolhidos preservavam as características do Pampa, fundamentais para recriar a atmosfera da história. Assim como em InfiniMundo, reuniu elenco de primeira, formado por Emílio Farias, Samira Carvalho, Thiago Lacerda, Rafa Sieg, Loma, Kaya Rodrigues, Álvaro Rosa Costa, entre outros.

Para a próxima etapa de filmagens, Diego não descarta a possibilidade de concluir a produção no Vale do Rio Pardo. Uma vez que não há mais necessidade de mostrar as paisagens características da campanha gaúcha, as gravações podem ocorrer aqui na região. “Santa Cruz nos conhece. Para nós, é muito mais fácil jogar em casa.”

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Entrevista

Diego Müller, Diretor e roteirista de Porongos

  • Gazeta do Sul – Como se deu a construção do roteiro diante da responsabilidade de estar narrando essa história em uma trama fictícia?

Partimos da ideia de que o filme vai trazer duas coisas importantes: a primeira é acender o debate. E para que o debate fique no campo das ideias, precisamos ter mais argumentos para quem defende um outro ponto de vista. Estamos trazendo um ponto de vista que está na literatura. Vários historiadores sustentam o que estamos apresentando no filme. 

Vão aparecer aqueles que dirão que não foi uma traição. Tudo bem, mas, no final das contas, eles foram massacrados. Isso é fato, ninguém discute. E, no final das contas, eles não foram libertos. É fato que lutaram por uma promessa de liberdade assegurada pelos farroupilhas. Então, o debate não é nem sobre se houve a traição ou não. Ela aconteceu em outros fatos evidentes que estão aí, e não há discussão. 

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A outra questão, que também é muito importante, é humanizar essas figuras históricas (Bento Gonçalves e Antônio Sousa Neto) que existiram. Essas pessoas tinham defeitos e virtudes. Não dá para imaginar que aquela estátua que tu enxergas em tudo que é cidade é uma pessoa que lutou por igualdade, liberdade e humanidade o tempo todo. Em algum momento, ele teve momentos de decisões políticas e econômicas. E isso pode ter feito mal para muita gente.  Humanizar os personagens foi um desafio bastante interessante. Fazer com que o Bento saia da estátua da praça e venha dizendo “Eu sou um ser humano, eu erro também”. 

  • Quais foram os desafios de manter a produção dentro do orçamento?

Inicialmente, teríamos seis semanas de filmagem para fazer todo o filme e não conseguimos vencer em função do orçamento. O filme se tornou maior. Como temos uma grande responsabilidade em contar esse filme, para que ele tenha o mesmo volume de produção e a dimensão de outros feitos aqui no Sul sobre essa época, optamos por filmar cerca de 70% a 80% nessa primeira etapa. 

Então, não filmamos os grandes eventos que iriam onerar bastante o orçamento, incluindo a Batalha do Fanfa e o Massacre de Porongos. Também optamos por não filmar algumas cenas de ação, devido ao orçamento. Agora, estamos fazendo uma montagem do que foi filmado, vou botar esse material embaixo do braço e sair atrás de grana para completar o filme ainda neste ano. É difícil, mas precisamos de um valor aproximado de R$ 1,5 milhão para finalizar. Voltamos para uma nova etapa de captação e montagem simultânea para ter o filme pronto, quem sabe no meio do ano que vem. 

  • Como foi o processo de escalação desse elenco magnífico?

O Thiago [Lacerda] está no projeto desde o início. Conhece a história e sempre se interessou em fazer o Bento Gonçalves. Não esse Bento panfletário que estamos acostumados a ver, mas um ser humano. O Emílio [Farias] fez a leitura em 2020 e já notamos que ele tinha potencial para ser o protagonista, Adão Caetano. 

E a Samira foi por teste. Testamos várias atrizes, e logo vi que a Samira tinha uma força no olhar muito importante para a personagem dela. E ainda temos a Tati Tibúrcio, a nossa Viola Davis brasileira, que fez a preparação desse elenco. Tem o Rafa Sique, que é um monstro. Mas o mais legal de tudo é que não apresentamos um perfil de personagem para esses atores que fizeram testes. Vamos tratar os personagens reais como se eles fossem de ficção. E as pessoas foram trazendo, foi uma escolha bastante colaborativa.

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Julian Kober

É jornalista de geral e atua na profissão há dez anos. Possui bacharel em jornalismo (Unisinos) e trabalhou em grupos de comunicação de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

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