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Cláudia Silva: “Existir para transformar”

Fundadora do Movimento de Mulheres Negras (Movine), criadora do Núcleo de Ações e Formação Continuada para as Relações Étnico-Raciais (Nerer) e idealizadora da Escolinha da Claudinha, Cláudia Silva é uma das lideranças negras mais atuantes em Santa Cruz do Sul. Bacharel em Administração com pós graduação em Projetos Sociais e Políticas Públicas, Cláudia construiu sua trajetória a partir de uma força que mistura propósito, ancestralidade, política, educação e esporte. E tudo isso, segundo ela, tem relação com uma única missão: criar oportunidades reais para que meninas, mulheres e crianças negras possam existir com dignidade, autoestima e representatividade

“Nós existimos, mas não somos vistas”

Cláudia decidiu criar o Movine em 2020, ao perceber algo que há décadas se repete no município: a ausência quase total de mulheres negras nos espaços de decisão. Ela explica que essa falta de representação não reflete a realidade da cidade. “Nós existimos, nós construímos, nós movimentamos a economia, a cultura, as comunidades, mas não somos vistas”, afirma. 

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O movimento nasceu da necessidade de ter um olhar sensível e comprometido com as demandas das mulheres negras – especialmente periféricas, trabalhadoras e mães solo. Cláudia relata que muitas carregam jornadas duplas ou triplas e não encontram acolhimento em lugar algum. “Precisamos ocupar esses espaços não só para existir, mas para transformar.” 

Essa percepção também levou Cláudia a concorrer a vereadora nas eleições de 2024. “Nós, mulheres negras, ainda não estamos na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul. Acredito que precisamos estar em todos os espaços para participar desse processo democrático que, muitas vezes, invisibiliza mulheres como eu.

Nerer mudou escolas e vidas

Em 2023, enquanto atuava na Secretaria Municipal de Educação, Cláudia criou o Nerer, por meio de decreto. O objetivo era garantir a aplicação efetiva das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008, que determinam o ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena nas escolas. A criação do núcleo buscava assegurar que a pauta racial não fosse tratada como algo pontual. “Era preciso que isso deixasse de aparecer só em novembro e passasse a fazer parte da educação de qualidade que nossas crianças merecem”, contextualiza. 

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Entre as ações desenvolvidas, uma das mais significativas foi a Escolha da Rainha Afro Estudantil, idealizada para fortalecer a identidade e a autoestima das meninas negras da rede municipal. Em 2023, o concurso teve 19 candidatas; em 2024, o número saltou para 32. “Esse crescimento mostra a sede que existe por representatividade.” 

Cláudia lembra que muitas meninas viveram, talvez pela primeira vez, a experiência de serem vistas, celebradas e reconhecidas. Segundo ela, a ação representava também um cuidado com a autoestima, a saúde mental e o futuro dessas estudantes. 

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Outra iniciativa importante foi o Selo de Escola Antirracista, criado para reconhecer escolas que desenvolviam projetos e práticas contínuas voltados às relações étnicoraciais e ao combate ao racismo. 

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Atualmente, o Nerer atua apenas na formação de professores. Cláudia reconhece a importância dessa etapa, mas lamenta a ausência das ações com crianças e adolescentes. “O fortalecimento da identidade racial precisa acontecer também no contato direto com os estudantes. Quando o núcleo atuava junto às comunidades, conseguíamos transformar vidas de forma concreta”, reforça

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Escolinha da Claudinha: esporte como missão

A trajetória de Cláudia no esporte começou muito antes de qualquer projeto social. Criada em uma família grande, ela cresceu jogando bola no campo do Bom Jesus enquanto o pai, Adair, apitava jogos. “Aquela vivência nunca saiu de mim”, lembra.

Em 2017, passou em uma das maiores peneiras já realizadas no futebol feminino no Brasil, a do Sport Club Internacional, sendo selecionada entre mais de 700 atletas. Essa experiência abriu portas não só para sua trajetória, mas também para meninas que viriam a integrar times como o próprio Internacional, Brasil de Farroupilha, Avaí e clubes no exterior.

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Foi desse caminho que nasceu a Escolinha da Claudinha, que hoje atende crianças e adolescentes de 6 a 17 anos nos núcleos das Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs) Dona Leopoldina e Harmonia, Espaço Champions e Bairro Viver Bem, com equipes Sub-11, Sub13, Sub-15 e Adulto. 

“Acredito, profundamente, que o esporte transforma vidas. Trabalhar com meninas e meninos através do futebol não é só um projeto – é uma missão”, defende. Para Cláudia, o esporte vai além da técnica. “Quando existe oportunidade, talento e acolhimento, a vida de uma criança pode mudar.” Com uma atuação que une força e sensibilidade, Cláudia segue abrindo caminhos para que outras meninas e mulheres negras possam, finalmente, ser vistas.

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Karoline Rosa

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