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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Como é a luta de negros por seus direitos na região

Na próxima segunda-feira, transcorre o aniversário da assinatura da Lei Áurea. O ato da princesa Isabel, de 13 de maio de 1888, acabou legalmente com a escravidão no Brasil. Mas após 131 anos, os negros ainda sofrem discriminação e muitos brigam na Justiça para verem garantidos os direitos que conquistaram na legislação brasileira e internacional.

Um exemplo desta luta pode ser conferido em Santa Cruz do Sul, onde existe a Comunidade Quilombola Gonçalves da Silva, liderada por Luiz Carlos Ferreira. O grupo, que trabalha em silêncio, possui cerca de 100 integrantes, descendentes da escrava Jesuína, que servia ao casal Laureana e Urbano Correa de Oliveira, fazendeiros da região de Capivari (Rio Pardo). Pouco antes de falecer, em 1881, Laureana, já viúva e sem filhos, fez um testamento deixando parte dos seus bens (especialmente gado) para seus irmãos e a enorme fazenda para os nove filhos que Jesuína teve e cujo pai era Urbano.

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A comunidade tem o testamento, que está registrado no cartório de Rio Pardo, e todos os documentos relativos aos beneficiários que, até hoje, nada receberam da herança. Como os crimes de escravidão são imprescritíveis, Ferreira, há cerca de 20 anos, começou a recolher documentos para constituir a comunidade quilombola dos descendentes de Jesuína. Em abril de 2018, o Quilombo Gonçalves da Silva foi certificado junto à Fundação Palmares e obteve seu registro no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

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A partir do reconhecimento em nível federal, a comunidade ingressou com ação no Ministério Público Federal, buscando seus direitos. Ao contrário do Quilombo Rincão dos Negros, de Rio Pardo, em que os descendentes ficaram morando na região onde eram escravos e lá aguardam pela escritura das sua glebas, os descendentes de Jesuína espalharam-se pela região. “Nós possuímos o mapa da área que foi doada por dona Laureana, mas não sabemos que tipo de decisão a Justiça vai tomar. O certo é que temos direitos e estamos atrás deles”, frisa Luiz Carlos Ferreira.

Foto: Lula Helfer
Luiz Carlos Ferreira: crimes imprescritíveis

 

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Incerteza

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A recente mudança no governo federal e a forte oposição da chamada “bancada ruralista” no Congresso trazem incertezas em relação aos quilombolas. Luiz Carlos Ferreira, no entanto, diz que a comunidade confia na Justiça brasileira e nos organismos internacionais de direitos humanos. “Acreditamos em avanços nesta área e, em breve, ao menos parte das injustiças serão reparadas.”

Escravidão também era uma realidade em Santa Cruz

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Ao contrário do que muitos imaginam, havia negros escravos em Santa Cruz do Sul. A afirmação é do professor Guilherme Würdig Spindler, que ao formar-se em História pela Unisc em 2016 debruçou-se sobre o tema.

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Segundo ele, os imigrantes alemães que chegaram ao município em 1849 eram proibidos de ter escravos. Mas isso não impediu que a colônia contasse com esta mão de obra. Lembra que as primeiras leis para regular a posse de cativos surgiram em 1848 e 1850. A legislação proibia a introdução de escravos em territórios das colônias, mas quem já tinha esta mão de obra podia mantê-la e até levá-la para outras localidades em caso de viagem ou mudança.

Em São Leopoldo, a colonização alemã iniciou em 1824 e muitos colonos alemães possuíam escravos. Não era incomum que os levassem para outras regiões, inclusive Santa Cruz. Além disso, moradores de origem lusa podiam ter escravos e havia famílias nestas condições na vila e arredores. “A escravidão não foi estranha aos antigos moradores. Santa Cruz não foi uma ilha neste contexto”, ressalta Spindler.

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CENSO

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No censo demográfico de 1872, realizado por ordem imperial, aparecem 291 escravos residentes na Paróquia de Santa Cruz. Destes, 151 eram homens e 140 mulheres. É preciso lembrar que, na época, os limites da paróquia eram bem maiores do que hoje.

A pesquisa de Guilherme Würdig Spindler também analisou documentos da paróquia que hoje encontram-se na Cúria Metropolitana em Porto Alegre. De 1861 a 1882, o Livro de Óbitos registra o falecimento de 23 escravos. O de Batismos, acusa 31 batizados de filhos de escravas entre 1863 e 1873. No Livro de Batismo de Ingênuos (filhos de escravas nascidos após a Lei do Ventre Livre) consta o registro de 132 crianças entre 1872 e 1886.

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