Força das águas foi tanta que até hoje comunidades do Vale do Rio Pardo ainda sentem as consequências da enchente de 2024
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) começa nesta segunda-feira, 10, em Belém, no Pará. A temática ambiental é planetária. Por isso, as negociações e discussões reunirão líderes, cientistas, organizações não governamentais, representantes de governos, setor privado, membros da sociedade civil e de organizações internacionais do mundo todo.
A COP 30 tem um valor simbólico. É a primeira conferência depois das três anteriores em um país que não tem a economia baseada na prospecção de petróleo. Mas o Brasil, que transpira biodiversidade, também é o país que desmata, queima e sofre com intempéries. E o olhar para essa questão não é novo. Prova disso foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro em 1992.
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O conceito que recomenda “pensar globalmente para agir localmente” foi fortemente enfatizado no evento. Desde então, muitas ações têm sido implantadas para driblar desafios climáticos extremos, mas ainda estão longe de sanar de vez problemas como desmatamentos, aquecimento global, uso irracional dos recursos naturais, poluição e produção abundante de lixo, que em 2023, por exemplo, foi de 2,3 bilhões de toneladas no mundo.
Se em 1992 o resultado foi a criação da Agenda 21, convenções sobre a diversidade biológica e combate à desertificação, implantações de comissões e declarações – o que, mesmo de forma mais lenta, já proporcionou avanços –, certamente os próximos anos serão de reflexos positivos desta edição no Brasil, que deverá reunir mais de 40 mil pessoas até 21 de novembro.
A COP 30 deverá fortalecer o multilateralismo e a implementação do Acordo de Paris, que completa dez anos. O financiamento de países desenvolvidos para ajudar nações em desenvolvimento a lidar com as mudanças climáticas vai ser tema na mesa de discussões. A importância da preservação da Amazônia e as demonstrações dos esforços brasileiros em áreas como energias renováveis, biocombustíveis e agricultura de baixo carbono também serão pautas.
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As adaptações e a resiliência às mudanças climáticas e intempéries devem ser amplamente debatidas. O governo federal, por meio da Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, buscará compartilhar a experiência adquirida e as dificuldades enfrentadas na tragédia do ano passado. Para o Estado, esperam-se ações de adaptação dos sistemas de proteção contra cheias e investimentos em infraestrutura.
O aquecimento global é apontado como principal responsável pelo aumento em até 15% da intensidade das chuvas em relação ao seu potencial natural. Um dos maiores impactos do clima já registrados no Rio Grande do Sul foram as enchentes de 2024. Após oito dias de temporais que devastaram cidades, especialistas confirmaram que o desastre foi um retrato cruel da emergência ambiental que o planeta enfrenta.
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A tragédia climática gaúcha coloca o tema no centro das discussões da COP 30. O Estado é visto como um exemplo da urgência de políticas efetivas de adaptação e mitigação. Estudos apontam que, caso não haja redução nas emissões de carbono e políticas de adaptação, eventos como no ano passado podem ser cinco vezes mais frequentes.
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Com a realidade climática do século 21, é necessário repensar a ocupação de território, com sistemas mais eficientes de drenagem e respeito aos limites da natureza. O geólogo José Alberto Wenzel ressalta que as encostas de Santa Cruz, por exemplo, são suscetíveis a movimentos de massa em função de suas características, inclinação das vertentes e intervenções humanas.
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Por sua vez, as áreas de planície estão sujeitas a crescentes inundações. “Porém, o que parece ser um problema pode nos impulsionar para uma reestruturação ocupacional, tendo em mente que se faz imprescindível pensar e agir como ‘cidade esponja’, com respeito às áreas de infiltração, de preservação ambiental, incluindo os corredores geoambientais. Ignorar a geologia equivale a descuidar do futuro.”
Segundo ele, planetariamente, o atual tempo geológico é identificado como Antropoceno – o que não é a melhor das notícias. “A crise climática, ao mesmo tempo antrópica, nos alerta para dificuldades crescentes, sem desconsiderar uma possível extinção em massa num futuro nem tão distante. Também sinaliza para a reversão dessa perspectiva, a depender do que pensarmos e fizermos daqui para a frente. Já não podemos alegar inocência ou desconhecimento.”
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O geólogo José Alberto Wenzel participou da Eco-92. Ele relembra que o encontro planetário foi um marco. “Saímos convictos de que, apesar de diferenças e fracassos, a natureza poderia nos unir, nos tornar menos desiguais e mais felizes.”
Passados 33 anos, melhorias têm sido registradas, como no saneamento básico e no tratamento de efluentes, na reciclagem e na economia circular. Constatou-se o aumento da consciência ambiental, e a pesquisa se intensificou. Mas Wenzel acrescenta que algumas questões estão longe de soluções efetivas, como a transição energética, o combate aos desmatamentos e queimadas, o enfrentamento à mineração predatória e à biopirataria, além da insuficiência de recursos e a multilateralidade ambiental, que precisa alcançar melhores patamares.
“Não nos é difícil prever que se acentuará a beligerância frente à detenção de patentes, decisões político-administrativas e definição de prioridades; e que seguirá aumentando o número de vulnerabilizados e refugiados, ao tempo em que se fará exponencializado o sofrimento mental, também enquanto reflexo do descuido ambiental.”
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O professor do Departamento de Ciências Humanas e Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Unisc, doutor Markus Brose, frisa que as decisões tomadas nas COPs são válidas nos países associados quando passam pelo Congresso e viram lei. Mas os debates ao longo desses 30 anos colocaram temas no centro das discussões que realçam inovações e pioneirismo no Vale do Rio Pardo.
Wenzel enfatiza que hoje a consciência, tanto individual como institucional, já está bem maior acerca dos desafios climáticos. “São inegáveis as ações locais e regionais positivas, como a conscientização escolar, o zelo e respeito dedicado aos animais e a governança empresarial (ESG)”, diz o geólogo.
Segundo ele, evoluiu-se também na transversalidade regional, em termos de gestão, de pertencimento às bacias hidrográficas e aos biomas. “Tem-se avançado nos planos de contingenciamento, na avaliação preventiva de riscos, na instalação de estações de monitoramento e busca pela resiliência, o que, se meritório, não pode servir como ponto de chegada, mas de transição.”
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Os ambientalistas enumeram diversas ações e projetos já desenvolvidos na região, numa mobilização e conscientização socioambiental:
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Em paralelo à programação principal da COP 30, a Cúpula dos Povos reunirá, nos dias 12 a 16 de novembro, no campus da Universidade Federal do Pará, cerca de 15 mil pessoas de mais de 1,1 mil organizações e movimentos sociais de todo o mundo. Serão indígenas, mulheres, quilombolas, jovens e comunidades de diferentes origens, afetados pelas mudanças climáticas.
Demandas como defesa dos territórios, desmatamento zero, proteção dos direitos humanos, transição energética que não penalize os mais vulneráveis, valorização da agroecologia e justiça climática global estão entre os pontos defendidos pelos participantes.
O santa-cruzense Maurício Queiroz integra a equipe da Mitra Diocesana, atuando na Comissão Pastoral da Terra da Diocese e Comissão da Caridade. O acadêmico de Agroecologia pela Uergs desenvolve um trabalho junto aos pequenos agricultores, quilombolas e indígenas, e jovens rurais, apoiando a luta por direitos e incentivando a agroecologia. Integrante da Coordenação da Missão Sementes de Solidariedade, ajuda humanitária coordenada pela Cáritas RS e Instituto Cultural Padre Josimo para pequenos agricultores atingidos pelas enchentes de 2023 e 2024, Maurício estará na comitiva da Cáritas regional na Cúpula na próxima semana.
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Ele explica que, enquanto as COPs negociam números e metas, a preocupação da Cúpula é com vidas, direitos e territórios. “É importante combater o negacionismo, que fez e continua fazendo um enorme estrago, sobretudo na questão ambiental, espalhando fake news e desacreditando os cientistas que há muitos anos vêm alertando para as questões climáticas.”
Segundo ele, também é importante apontar e cobrar os grandes poluidores, sejam países ou corporações. “Não dá para aceitar que os mais pobres paguem o preço, enquanto os grandes poluidores e desmatadores, principais responsáveis pelos gases de efeito estufa, continuem fazendo o que bem entendem sem responsabilidade.” Acrescenta que as enchentes e as secas frequentes são sinais de alerta. “Ou tomamos alguma atitude, ou cada vez mais vamos sofrer as consequências.”
Iniciativas no campo da agroecologia, de acordo com Maurício, contribuem para a sustentabilidade. “Não vejo outra agricultura para um futuro próximo a não ser uma agricultura diversificada e ecológica.”
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Enfatiza que Santa Cruz e região já contam com ações messe sentido, que precisam ser valorizadas e fortalecidas. “Uma delas é a Ecovale, que recentemente completou 25 anos, cooperativa de pequenos agricultores que se dedicam à produção de alimentos ecológicos e diversificados”.
Cita ainda o Movimento dos Pequenos Agricultores, que tem um projeto de implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), e a Pastoral da Terra, que há mais de 30 anos incentiva a agroecologia e há 25 anos realiza um grande encontro de agricultores para a troca de sementes crioulas.
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