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Daqui a algumas décadas

A inteligência artificial deu nova dimensão a um fenômeno antigo: as notícias falsas. Se hoje às vezes não é fácil reconhecer uma montagem com IA, como será daqui a um ano? Diariamente as redes são inundadas com vídeos totalmente fantasiosos, apresentados como verdadeiros. No YouTube, existem canais integralmente dedicados a produzir e espalhar conteúdo fictício. E sempre há quem acredite.

Também há quem sempre acredite nos revisionistas da História, “pesquisadores” claramente movidos por interesses políticos, alguns com formação bem duvidosa, mas sempre prontos a mostrar “a verdade que esconderam de você”. Tudo o que se ensina nas escolas e universidades, um corpo de estudos construído ao longo de décadas e séculos, são mentiras insidiosas. Quem conhece os “fatos” históricos são influencers militantes que não fazem a menor questão de esconder sua parcialidade. E chamam isso de “isenção”.

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É fácil perceber a intenção: esvaziar o papel do ensino escolar e acadêmico como espaço de conhecimento, rebaixá-lo e transferir essa atribuição aos aventureiros e interesseiros da internet. Movimento semelhante acontece em relação à imprensa profissional.

Apesar disso, não seria justo imputar às novas mídias digitais a exclusividade em vender ficções como fatos. No ótimo filme nacional O Agente Secreto, em paralelo à trama central há a recriação de uma esdrúxula lenda urbana do Recife, a “Perna Cabeluda”. Essa história surgiu em 1975, em texto publicado no Diário de Pernambuco.

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As “reportagens” sobre uma perna solitária não identificada, que andava pelas ruas e atacava desavisados à noite, estimularam as vendas do impresso. Um repórter depois admitiu que tudo havia sido inventado como piada na redação. Alguns leitores duvidaram do repórter.

E não dá para esquecer o grande clássico brasileiro das fake news: o nascimento do diabo em São Bernardo do Campo. Também em 1975, o Notícias Populares (mesmo tabloide que já havia “revelado” o Vampiro de Osasco e o temido Bando do Palhaço, muito antes do filme do Coringa) publicou a manchete bombástica: “Nasceu o diabo em São Paulo”. E em letras menores: “Bebê com chifres, rabo e falando”.

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Implacável, o bebê-diabo já sai do útero dizendo palavrões e xingando toda a equipe médica. Após fugir do hospital, o mistério sobre seu paradeiro causa o pânico entre leitores do NP (único jornal a publicar o furo), que viu suas vendas chegarem ao auge. Foram 27 matérias sobre o caso.

Daqui a algumas décadas, em um cenário mais profissional, veremos as ficções da internet assim como recordamos essas fantasias delirantes dos anos 70? Como algo ridículo, divertido e que ficou no passado? Quem sabe.

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Lavignea Witt

Me chamo Lavignea Witt, tenho 25 anos e sou natural de Santiago, mas moro atualmente em Santa Cruz do Sul. Sou jornalista formada pela Universidade Franciscana (UFN), pós-graduada em Jornalismo Digital e repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações.

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