Recebo muitos retornos de leitores de minha coluna, dizendo-se contemplados ou identificados com os temas que, em geral, costumo abordar. Trato de questões cotidianas, corriqueiras até, que, se não registradas, se perdem para sempre. O leitor e amigo Ruy Kaercher sugeriu que escrevesse sobre a pensão em que eu morava, relembrando o tempo em que dividia alguns momentos conosco, principalmente para ver os gols do Fantástico. Tínhamos vários amigos que faziam o mesmo, vinham partilhar pedaços de sua vida conosco.
Embora tomadas como sinônimas, pensões e repúblicas apresentam diferenças. As pensões têm administrador, cada morador tem o seu espaço (em geral, um quarto) e, por vezes, abrigam número bem maior de pessoas. Aqui em Santa Cruz, o Colégio Sagrado Coração de Jesus e o Colégio Mauá, por exemplo, ofereciam pensão, ou internato, para jovens estudantes procedentes de localidades mais distantes. As famílias se sentiam mais seguras, sabendo que seus filhos estavam sob boa proteção no pensionato.
As repúblicas, normalmente formadas por estudantes, exigiam que todos dividissem as responsabilidades de organização, passando pela limpeza, pela higiene e pelo respeito a quem estava lendo ou estudando. Onde eu morei, era meio pensão, meio república. A meia-água tinha pequenos quartos, em que cabia uma pessoa ou, em algum caso, até duas. O banheiro era exterior e só veio a conhecer chuveiro quente quando comecei a ganhar meus primeiros trocados. Comprei um Lorenzetti, daqueles de plástico, e assim avançamos no status social.
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Meu “apartamento” era um pouco maior e servia para reunir a turma. Comprei um liquinho, uma panela de alumínio (que existe até hoje) e uma chaleira. Aos sábados, os pequenos restaurantes que ofereciam nossos almoços (aqui estou falando dos célebres e insubstituíveis completos, pratos servidos pela cozinheira) não abriam. Então, eu cozinhava sempre, invariavelmente, um carreteiro, considerando termos apenas uma panela.
Certo dia, um colega, Ivo Rathke, de saudosa memória, já professor no Colégio São Luís, voltou faceiro da aula (havia aula nos sábados pela manhã) e pôs-se a dançar entusiasmadamente naquele cubículo. Os movimentos da dança cresciam, a ginga subia de nível, a empolgação era grande. Não demorou e a panela, fervendo aquele carreteiro bronzeado, apetitoso, foi ao chão. Perda total. A saída foi a mesma de tantas outras refeições: comemos pão com margarina.
À medida que o tempo passava e crescíamos em nossa formação universitária, apareceram oportunidades de trabalho e ganhávamos algum dinheiro. Saí da meia-água para ocupar um quarto na casa do dono da pensão. Foi aí que dei o grande salto: comprei uma televisão preto e branco. Depois das aulas, à noite, a turma se reunia para ver alguma notícia, assistir a algum filme ou ao futebol compacto. Nessas ocasiões, nunca faltava um ritual infalível: enchia minha chaleira de ovos e se sucedia um fraterno banquete. Um dos convivas era nosso professor e nos honrava com sua presença. E comia ovos cozidos, como todos os convivas faziam. Pena que o professor Bettin não vive mais. Assinaria com saudade essa doce lembrança.
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Assim que ia escrevendo, vários outros episódios se reapresentavam. Histórias simples, humildes, mas que, reunidas, contribuíram demais para nossa formação. Enquanto vivíamos nossas precariedades, várias vezes eu falei: tudo que nos aguarda no futuro será melhor.
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