CTG Lanceiros de Santa Cruz levou aprendizados para a Marechal Fioriano em desfile
“Ai bota aqui, ai bota ali o teu pezinho, o teu pezinho bem juntinho com o meu.” Embalado ao som da canção que marcou gerações, o tradicionalismo segue inspirando jovens à preservação da herança cultural gaúcha. Sobre tablados e palcos, vestidos com a indumentária e o sentimento de cultura vivo, em grupos eles levam emoção e pertencimento. Nos passos executados, transmitem a identidade construída de geração em geração e celebram as raízes do povo gaúcho. E é nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) que crianças e adultos encontram espaços fundamentais para preservar e colocar em prática os costumes.
Muito mais do que coreografias, festejos e concursos, cultuar o tradicionalismo exige disciplina e entrega. Da sequência de movimentos ensaiados e cadenciados até as formações que oferece, o universo tradicionalista estimula o trabalho em equipe, o comprometimento e o estudo em grupo.
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Todo esse processo é acompanhado por instrutores e profissionais experientes. A dedicação e os aprendizados foram evidenciados no primeiro desfile da Semana Farroupilha de Santa Cruz do Sul, na última terça-feira. Na principal via da cidade, jovens executaram danças ao som de canções gauchescas. E mais: selaram o amor pela cultura gaúcha, que ajudam a manter em evidência.
Nos CTGs não há apenas espaço para a arte da dança. Existe lugar para aprendizados que se estendem das danças tradicionais e danças de salão apara poesia, chula, culinária típica, bem como outras expressões artísticas e campeiras. O professor Alexandro Cagliari, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), e dançarino do CTG Lanceiros de Santa Cruz, afirma que os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), além de preservar a cultura regional, cumprem papel fundamental na formação ética e social de crianças e adolescentes.
“No ambiente coletivo das invernadas artísticas, os jovens são desafiados a trabalhar em grupo, desenvolvendo senso de responsabilidade e solidariedade. O bailar das danças exige coordenação motora, concentração, senso de localização espacial, postura e ao mesmo tempo gentileza e capacidade de ouvir o outro, habilidades essenciais não apenas no palco, mas em qualquer espaço de convivência social”, enfatiza Cagliari.
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Prendas encantam em cirandas e peões mostram a força do gaúcho em entreveros culturais. Eles aprendem sobre a cultura do Estado e desenvolvem oratória, expressão corporal e autoconfiança. “Desde cedo, crianças e adolescentes aprendem a dominar o espaço, projetar a voz e transmitir emoção por meio da palavra, adquirindo competências que se refletem positivamente no desempenho escolar e no futuro profissional dos jovens tradicionalistas.”
Foi esse ambiente que motivou Alexandro e sua esposa a levarem os filhos para um CTG. “Minha esposa dança há bastante tempo, eu estou há três anos. Como professor, comecei a observar aspectos que considerei importantes para nossos filhos. Dentro do CTG eles estabelecem metas, como aprender a dançar e nesse processo cometem erros que servem de aprendizado”, frisa. “Foi esse tipo de ambiente que pensei ser ideal para meus filhos: um espaço em que se aprendem comportamento, respeito, valores e consideração pelo próximo.”
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Outro destaque nos CTGs é a gastronomia campeira, considerada um dos pilares em eventos e atividades tradicionalistas. Para Cagliari, cozinhar vai além da preparação de um prato típico. “Trata-se de valorizar o trabalho coletivo e o saber transmitido de geração em geração. Preparar uma refeição é compreender a importância da partilha, do cuidado com o outro e da preservação das raízes culturais.”
O papel das famílias também ganha força dentro dos CTGs. Elas não apenas acompanham os filhos em suas apresentações, mas participam ativamente da vida cultural da entidade: organizam eventos, preparam refeições típicas, arrecadam fundos para custear indumentárias e viagens e incentivam as práticas artísticas das crianças.
Além disso, a vivência nos Centros de Tradições se torna um verdadeiro refúgio diante da rotina digital. “Nos CTGs, o jovem se desconecta das telas e mergulha em experiências saudáveis e enriquecedoras”, acrescenta o professor Alexandro Cagliari.
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Todo esse conjunto de ações vai muito além do entretenimento: transforma a participação nos movimentos tradicionalistas em uma ferramenta de educação para a vida, unindo cultura e formação cidadã. “Os CTGs mostram que o tradicionalismo não é apenas memória preservada, mas um caminho para formar cidadãos mais conscientes, independentes, éticos e preparados para os desafios da sociedade contemporânea.”
As mães também reforçam essa percepção. Para Carolina Cabreira Cagliari, mãe de Heloísa, o envolvimento no CTG representa a continuidade de um legado familiar. Professora no colégio Mauá e dançarina desde a infância, ela conta que a filha seguiu os mesmos passos ao começar na invernada com 5 anos.
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“É a realização de um sonho, de um legado que continua”, resume. Ela observa que a rotina dentro do galpão vai além da dança, proporcionando aprendizado sobre coletividade, respeito e convivência. “Nós passamos mais tempo dentro do CTG do que em casa, e isso é muito prazeroso”, acrescenta.
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Cristina Severo, que há quase duas décadas integra o CTG Lanceiros de Santa Cruz, atua como instrutora das danças tradicionais em todas as invernadas e orienta as prendas da entidade. Além disso, atualmente é patroa do CTG e mãe de um adolescente de 13 anos.
Ela lembra que a relação do filho com o tradicionalismo começou ainda antes do nascimento, quando dançou grávida no Enart de 2011. Desde então, acompanhou de perto a vida dos pais dentro do galpão. Hoje, Cristina afirma que não se arrepende do tempo dedicado ao movimento. Para ela, o CTG vai além dos passos coreográficos. “Quem cresce no tradicionalismo carrega uma personalidade diferente. O movimento é um princípio de vida.”
Entre tantos valores ensinados nos CTGs, talvez o mais marcante seja a noção de pertencimento. Para as crianças e adolescentes que crescem no galpão, tradição é mais do que memória. É rotina, compromisso e, muitas vezes, família.
Heloísa Cabreira Cagliari descobriu cedo o gosto pela dança. Filha de pais também adeptos dessa prática, ela não esconde o entusiasmo. “Dançar no CTG é uma coisa muito legal. Quem não dança está perdendo muita diversão”, afirma. O amor pelas coreografias e pelo grupo se estende para além dos tablados. “Dentro do CTG tu crias uma família, não é só tu. É apaixonante desde pequena”, diz a menina, que já carrega o título de prenda mirim.
Assim como Heloísa, Isabelli Melo Lopes começou cedo. Há três anos ela dança, participa de rodeios, representa o CTG como prenda e reforça a sensação de coletividade. “É uma responsabilidade grande representar o CTG, mas os compromissos são sempre muito legais. Desfilar é uma das coisas que mais gosto de fazer.” Para ela, o envolvimento também dialoga com a escola: “Na Semana Farroupilha, a gente estuda sobre isso, e eu já sei de muita coisa. O CTG me ajuda bastante”.
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O compromisso cresce ainda mais quando se chega às instâncias regionais e estaduais. É o caso dos irmãos Amanda e Gabriel Kothe Bartz. Representando o CTG Lanceiros de Santa Cruz, aos 17 anos, Amanda é 2ª Prenda Juvenil do Estado e já coleciona participações em concursos. “É muita dedicação, dia e noite. Mas vale a pena quando a gente desce a Floriano e vê todo mundo aplaudindo, reconhecendo a nossa identidade gaúcha.”
Gabriel, de 15 anos, também representa o Lanceiros e já foi 2º Piá do Rio Grande do Sul. Desde pequeno, aprendeu que os concursos exigem preparo que vai além da dança. “A gente é testado em provas escritas, em oratória, atividades campeiras. É puxado, mas isso nos ajuda até nos estudos. Muitas vezes aprendo aqui antes de aprender na escola”, comenta.
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Para Amanda, o tradicionalismo se tornou escola de vida. “Se eu sei falar, dançar, me portar em público, é graças ao CTG. Ele forma cidadãos para além da tradição”, avalia. E não hesita em reconhecer o papel da família nesse caminho: “Se cheguei até aqui, também foi porque meus pais sempre me incentivaram e estavam comigo em cada ensaio.”
Para além da proficiência na execução das atividades típicas da tradição gaúcha, sejam elas artísticas ou campeiras, os jovens que participam da rotina dos CTGs desenvolvem competências essenciais para a vida.
Para Paulo Mans, ex-patrão do CTG Candeeiro da Amizade, de Vera Cruz, e presidente do Conselho Municipal do Movimento Tradicionalista do município, essas crianças e adolescentes preparam-se para se tornar futuros líderes. “Eles vão acabar assumindo uma responsabilidade, mesmo que seja pequena. Na cavalgada, no tiro de laço, nas danças, na declamação…”, afirma.
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A concentração também é um aspecto importante desenvolvido no contato com a tradição gaúcha. Mans lembra do exemplo de um menino que, quando chegou ao CTG, era considerado “muito hiperativo”. “Ele sempre queria fazer três, quatro coisas ao mesmo tempo. Até o médico queria receitar remédio de faixa preta. E eu convenci os pais, sempre convidando para ele vir participar”, conta.
Bastaram poucos meses na invernada para que as mudanças fossem notadas no ambiente escolar. O garoto, que antes mal conseguia fazer um dever de matemática sem pensar nas tarefas de outras aulas, agora chamava atenção dos professores pela sua concentração.
A diretora chegou a questionar os pais do jovem: “O que vocês estão fazendo que agora ele está mais calmo, está mais focado?” A resposta foi direta: “A gente simplesmente colocou ele no CTG e ele está dançando. Na dança tu tens que ter foco”.
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Outra ação desenvolvida no Candeeiros que traz efeitos significativos aos jovens é a equoterapia, método terapêutico que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, conforme descrito pela Associação Nacional de Equoterapia (Ande).
O trabalho, realizado por voluntários, auxilia na fortificação dos músculos internos. São comuns os relatos de pais que perceberam as crianças melhorando a postura logo a partir da terceira sessão. “Montando no cavalo, você mexe músculos do corpo humano que nenhuma academia ou máquina conseguiriam.”
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O amor de Paulo Mans pelo tradicionalismo também foi transmitido aos três filhos, Ana Paula, Amanda e Pedro (falecido), que também passaram a ter forte participação no CTG. Ele define os centros como uma “grande segunda família”. “Teu filho vai acabar fazendo amizades ali que vai levar para toda a vida”, comenta.
Esse legado, guiado pelo amor ao tradicionalismo, continua mobilizando as novas gerações. Neste ano, Mans também foi escolhido como patrono da Semana Farroupilha de Vera Cruz, “Isso é gratificante: ver esses frutos crescerem.”
“Quem não dança está perdendo muita diversão”
“Dentro do CTG tu crias uma família. Não é só tu. É apaixonante desde pequena”
“Vale a pena quando a gente desce a Floriano e vê todo mundo aplaudindo, reconhecendo a nossa identidade gaúcha“
“Muitas vezes aprendo aqui, antes de aprender na escola”
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