Robério Diógenes contracenando com Wagner Moura, que faz o personagem Marcelo: produção brasileira é uma das apostas do cinema para o Oscar 2026
O Agente Secreto, filme nacional que representará o Brasil no Oscar 2026, é marcado por personagens memoráveis criados pelo diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho. Entre eles, estão os vilões. Ou, como o cineasta os define, agentes do caos, interpretados por grandes atores brasileiros.
“Eles sabiam de coração que seus personagens são parte da realidade no país. Para alguns, nos ensaios, lembrei do ditado ‘nenhuma boa ação ficará sem punição’”, escreveu Mendonça Filho no prefácio da obra, publicada pela Editora Amarcord.
Tal conceito é a definição perfeita para um dos antagonistas mais marcantes, Delegado Euclides. Sua apresentação é icônica e humorada (mas pelos motivos errados): o oficial chega na Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe) após sair do carnaval. Ainda é noite, mas usa óculos de sol. Há pinturas e marcas no seu rosto, inclusive possíveis marcas de batom. O corpo está cheio de confetes, evidenciando que a noite foi de arruaça.
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Acompanhado dos seus filhos – Sérgio, biológico, e Arlindo, de criação –, Euclides se depara com uma situação inusitada: um tubarão-tigre com a barriga aberta, na qual há uma perna humana, que pertencia a uma pessoa que cruzou o caminho do policial.
E ao conhecer Marcelo, protagonista da história, vivido por Wagner Moura, Euclides fica cativado pela pinta do sujeito. Ele questiona se Marcelo é policial, o que ele nega. “Mó pinta de policial, o ‘caba’. Euclides Oliveira Cavalcanti, às suas ordens”, responde.
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Para dar vida ao agente do caos, Mendonça Filho escolheu o ator cearense Robério Diógenes. Nascido em 18 de julho de 1963, no município de Sertão dos Inhamuns, no Ceará, o artista – que desde a década de 1980 atua no teatro, televisão e cinema – tornou-se um dos coadjuvantes de maior destaque no principal filme nacional de 2025. Com seu talento e carisma, transformou um personagem repulsivo em um ser humano complexo, ora engraçado pela sua falta de noção e ora ameaçador.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, Diógenes traz detalhes da sua jornada na produção, contando histórias de bastidores e o significado do papel na sua carreira.
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Robério Diógenes – Na época do Bacurau eu vi o anúncio para teste de atores, pedindo para enviar material. Naquele momento eu não tinha nada para enviar e eu fiquei muito mal, me condenando por perder a oportunidade. Mas o destino quis que eu não fizesse Bacurau .
Quando surgiu o anúncio do teste de O Agente Secreto, uma amiga falou para eu não perder a oportunidade. E aí mandei uma breve apresentação para a produção de elenco, que solicitou um vídeo de audição (self tape). Pediram a primeira cena do Delegado Euclides, quando ele vê o tubarão.
Depois pediram outro teste online e percebi que estava “passando de fase” (risos). Quando abri a tela, era o Kleber Mendonça e a Emilie [Lesclaux, produtora do filme]. Talvez o teste a distância tenha me deixado menos nervoso do que no dia em que fui para o primeiro dia de ensaio.
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Depois fiz outro teste, para a cena do alfaiate. Naquela altura, eu não sabia quem faria o Hans. Kleber me disse que gostou do meu vídeo: “Você dá uma profundidade ao personagem, ao mesmo tempo que transmite uma leveza. Escrevi esse delegado pernambucano, mas como eu gostei do seu teste, não vai ter problema, pode ser cearense.”
Depois que eu desliguei a chamada, chorei e dei três pulos de alegria. [Risos] Ao receber o roteiro, fiz uma pesquisa para saber quantas vezes aparecia a palavra Euclides. Apareceu 140 vezes. E aí eu tremi todo. Não acreditava. O Kleber estava confiando o filho para eu criar. Fiquei tão nervoso que demorei três dias para ler o roteiro. E daí vi o tamanho que era o personagem.
Esse delegado é uma figura muito ambígua. Ele representa a extrema-direita, e acredita que a justiça pode ser feita com as próprias mãos. E como ele é um homem da lei, ele dita a lei que acha mais conveniente para ele. É aquele fascista que diz que bandido bom é bandido morto, que fala em direitos humanos para os humanos bons.
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É um cara que não tem meio-termo ao aplicar sua própria lei, mandando executar quem está fora desse conceito da lei. Ao mesmo tempo, ele tem a sua humanidade no sentido de que quem ele gosta, ele protege. Ninguém mexe em quem ele diz que vai proteger, quem mexer com seus protegidos está mexendo com ele e portanto pode ser eliminado.
E o Delegado Euclides também é uma figura paternal. Ele tem dois filhos, o braço direito e o esquerdo dele. Você não vê a figura da mãe; você vê o pai que tem ali a presença dos filhos ao seu lado.
E ele vai com a cara do protagonista, o Marcelo, e já diz: ó, aqui ninguém mexe com você, precisando de mim, estou aqui, às ordens.
É um personagem sem nenhum escrúpulo, sem noção. Talvez por isso se torne engraçado em algumas circunstâncias, de tão esdrúxulo que ele é. Você ri de nervoso ou de constrangimento do personagem. E isso é bacana na escrita e construção do personagem.
Há pessoas que dizem que ele é uma caricatura. Não acho tanto. Talvez pelo figurino e pelo cabelo, mas é um estilo que não se usa hoje. Outros dizem que é um personagem arquetípico, por estar na memória de quem viveu o período da Ditadura.
Então, é um personagem complexo. Talvez por isso mesmo o espectador não odeia esse sujeito, a plateia sai incomodada do cinema por não entender por que gostou daquele personagem tão ruim. Talvez porque você não vê de fato as atrocidades dele, as atrocidades estão em um plano subjetivo e você vê muito o lado, até vamos dizer assim, boa-praça dele, recebendo bem Marcelo e o amigo dele, pistoleiro, que vem do Sul. Ou seja, é um personagem que tem a sua crueldade fascista, mas também tem atitudes humanas.
O que é fascinante para o ator é pegar um personagem com essa ambiguidade, no qual pode estar mostrando a sua vilania e ao mesmo tempo, a sua humanidade. Todos os vilões de Shakespeare têm as suas contradições.
Kleber diz que a intenção dele não era criar vilões, mas agentes do caos. Ele acaba construindo personagens ricos, exatamente por essa complexidade. Então, foi isso que me fascinou, talvez, muito na construção desse personagem.
E me fascinou também entender o personagem a partir dos figurinos e de tudo que ali chegava como elemento novo. A cada momento, eu ia incorporando uma nova informação. A cada dia, nos sets, eu ia reaprendendo, junto com a generosidade de toda a equipe. Aprendendo com a generosidade do Kleber, fazendo bem-feito com a generosidade do Wagner. E eu acho que está impresso no filme. Fui sendo regido por Kleber, deixando-me tocar e tocar bem, e que essa música fluísse e resultasse nessa sinfonia.
A minha grande responsabilidade, quando recebi o roteiro, era pensar que o Kleber estava me dando a responsabilidade de criar o filho dele. Mas, na realidade, ele não deixou que eu criasse aquele filho sozinho. Ele ajudou a criar comigo. Foi um filho criado com dois pais.
Eu descobri que o Hans era o Udo Kier quando fui para o set de filmagem. E achei fantástico. Foi um privilégio. No momento que nós lemos um roteiro, criamos um filme na cabeça. E no set se torna um segundo filme; e depois de montado, um terceiro.
Quando chegamos ao set, era uma alfaiataria em um prédio antigo no Recife. Tudo muito pequeno, apertado, inclusive fizeram um buraco na madeira para a câmera ter espaço. E o Udo não falava português. E o ator que fazia o namorado do Hans, o Wilson, precisava falar em alemão com Udo. Mas o Wilson não falava. O coitado tremia e suava frio [risos].
Havia uma pessoa que falava fluentemente em alemão e soprava as falas para ele. Era uma loucura de miscelânia ali. Eu dava o meu texto e o Udo não entendia português, então cortava onde ele queria. Ele era a estrela, o convidado, poderia fazer o que quisesse.
Repetimos a cena várias vezes. Cinema é isso, uma cena tem várias tomadas. Lembro-me que um momento saímos para entrar na sala e o Wagner [Moura] falou: “Gente, salve-se quem puder. É cada um por si”.
E aí rimos, relaxamos e fomos fazendo, curtindo o que estava para ser feito. Quando terminamos, o Kleber falou: esse foi o set mais inusitado da produção.
E nós, atores, ficamos imaginando como eles iam montar essa cena tão picotada. E quando vimos, a cena estava ótima. O Udo está lindo, é uma homenagem. O Kleber é tão abençoado e visionário que a cena acaba sendo uma homenagem póstuma ao Udo.
Vejo como algo muito esdrúxulo. A cena é risível de tão patética. Você ri de nervoso e de constrangimento. Algumas pessoas perguntam se o Kleber fez algum trabalho de humor. Não, até porque o personagem não é uma figura de humor. Ele não está ali para fazer rir.
O que é risível é o esdrúxulo e o inusitado. Ele é aquele cara autoritário, machista, fascista, que entra de batom e purpurina. Se ele entrasse de vestido espalhafatoso, ia entrar com a mesma moral. Ninguém tiraria a moral dele.
Então, é risível porque a figura da autoridade está ali, mas o figurino não bate, não combina e você ri por não acreditar que está vendo aquela figura assim.
E a cena da alfaiataria, se for risível, é pelo constrangimento. Mostra que o Euclides é um cara sem noção absoluta. Ele se confunde e acha que o Hans é um veterano de guerra, portanto é um herói da Segunda Guerra Mundial. Por isso ele o admira e o protege. Ele é o troféu do Euclides. Ele leva o Marcelo para mostrar as cicatrizes da guerra como se fosse um troféu seu.
E, na realidade, ali está o trauma do Hans, da perseguição que ele sofreu.
Eu só tinha visto Bacurau, não tinha visto os outros filmes [do Kleber]. Após ser contratado, tratei de ver tudo o que era possível. Vi Retratos Fantasmas três vezes, além de Aquarius e O Som ao Redor. Também vi os curtas-metragens dele, Vinil Verde, onde você percebe a ironia fina do Kleber, e Recife Frio, com a sofisticação do humor dele.
E aí eu percebi a linguagem de pensamento dele enquanto diretor autoral. Percebi a naturalidade com que ele gosta que os atores transitem, como gosta de atores naturais. Eu acho isso fantástico. E eu fui beber dessa experiência fazendo com ele. No que o Kleber me escolheu, acho que eu também já vi ali essa possibilidade.
O Wagner entendeu esse universo íntimo em que o Kleber constrói um personagem absolutamente intimista, exatamente como o Kleber gosta de permear os filmes.
O Agente Secreto, para mim, é uma aula de cinema e uma aula de ator. Ele é gentleman (cavalheiro em inglês), um cara que nunca levanta a voz para ninguém no set, mas sabe exatamente o que quer e sabe conduzir. Nunca vi um set tão feliz. E Wagner é um grande companheiro de cena. É um cara que troca, não é estrela.
Nos dias de ensaio e de prova de figurino, ia me olhando ali no espelho e quando provei os figurinos do Euclides, eu entendi. Caramba, entendi qual é o personagem, entendi o que é o personagem do Kleber.
Todo dia de filmagem era memorável. Eu sou apaixonado por um set de cinema, pela espera, pela demora. No tempo em que espera no set, você confraterniza com todo mundo, com os técnicos, com o diretor e com a cena.
É um momento em que você, naquela espera, está se preparando para a hora da ação. Acho mágico.
Desde o primeiro dia de filmagem, na cena no corredor da universidade, onde ele, junto com os dois filhos – interpretados pelo Ítalo Martins e pelo Igor de Araújo –, vai andando pelos corredores e perguntando quem está dentro da sala. Ele está ali tentando saber qual é aquele B.O. com o tubarão, que foi engolir exatamente a perna de um sujeito que eles esquartejaram e jogaram no rio.
E essa sequência foi muito importante porque foi a minha chegada ao filme, a primeira vez, olhando aquela equipe gigantesca e sendo recebido pelo Kleber com a frase “fique tranquilo, você vai fazer muito bem”. Ele é um diretor que dá tranquilidade e fortalece o ator. Está longe de ser um diretor tirano.
Nós não tínhamos visto o tubarão até o dia do set, e era um objeto de arte tão bem feito e tão bem construído. As cenas com as viaturas também eram muito divertidas, porque era uma parafernália de câmeras, colocada em cima do carro que nos seguia, fazendo aquelas noturnas na noite do Recife. Era maravilhoso, adorei fazer.
Uma cena bem emblemática é a em que o Euclides encontra o Marcelo e ele vai tentar meio perceber quem é o cara, quem é ele, se ele é policial. Ela foi bem ensaiada porque o Kleber queria que eu entendesse, no ensaio, a importância do tempo e do silêncio, sem a pressa de jogar o texto fora. Aquele silêncio que incomodava o personagem do Marcelo, aquele tempo que o espectador ficava pensando aonde esse cara vai chegar, se descobriu quem é o cara. Então esse silêncio, esse tempo sem pressa, regido pelo Kleber, foi uma aula fazer aquilo, magistralmente dividido ali com Wagner. Tanto que essa cena foi a primeira cena liberada para divulgação do filme em Cannes, ou seja, a cena internacionalmente divulgada do filme.
Outro momento memorável foi quando resolvi ir para o set na minha folga e acompanhar as filmagens da cena em que o Marcelo sai do Cine São Luís e encontra a banda do carnaval. Foi uma delícia, o Udo Kier fazia parte, se divertindo por estar no Recife, bebendo a sua cerveja. E eu amei.
São frutos de O Agente Secreto. O Matheus Farias, responsável pela montagem, e o Enock Carvalho, que filmou os bastidores, vão rodar o primeiro longa deles e me chamaram para participar. Fiz um teste e aí fui convidado. Morei mais dois meses esse ano no Recife. O filme se chama A Margem do Rio, e eu faço um pastor, que é um antagonista.
Depois disso, rodei um longa-metragem de comédia em Fortaleza. E tenho outros projetos. Estou na terceira fase de um teste com uma diretora brasileira maravilhosa. Já passei pelas duas fases e espero que possa te dar boas notícias depois.
Tenho uma participação na segunda temporada da série Cangaço Novo, que estreia em abril. E o cineasta Guto Parente, de Fortaleza, me ligou e disse que está escrevendo um roteiro, e pensou em mim para um personagem. Ainda farei uma pequena participação no filme do Allan Deberton, que estará rodando em janeiro, e a dona Tânia Maria [que interpreta Dona Sebastiana] e a Hermila Guedes vão fazer parte. Farei uma participação pequena, uma cena com o Vinícius de Oliveira, o ator de Central do Brasil. E espero que mais coisas aconteçam, que surjam mais trabalhos.
O Agente Secreto foi o maior trabalho da minha carreira. É aquele momento em que os astros se encontram e tudo conflui assim, bonito. É um filme bacana, feito por um diretor bacana e um elenco grandioso. E tem uma montagem maravilhosa que possibilita que o meu personagem fique em destaque.
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