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Especialista afirma que a família precisa entender seu papel diante do bullying e do cyberbullying

Após ouvir os relatos de suas irmãs que atuam na área da educação, sobre o que vivenciavam nas salas de aula em Canoas e Sapucaia do Sul, o analista de segurança da informação Cristiano Goulart Borges deu início a um trabalho que tem contribuído para levar esclarecimentos acerca de práticas ligadas ao bullying e ciberbullying. 

Borges sempre teve desejo de desempenhar uma atividade voluntária e decidiu se aprofundar no tema. Pesquisou sua correlação com a tecnologia e montou um projeto de palestras solidárias nas quais solicita alimentos não perecíveis para doações. Desde 2008, quando deu início à atividade até hoje, já foram 385 conferências em 23 cidades gaúchas. 

Também encarregado de dados pessoais, ele é assessor de Segurança da Informação e Cibernética da diretoria da Companhia de Processamento de Dados do Estado (Procergs). Formado em Redes de Computadores, com especializações em Segurança de Sistemas e Direito Eletrônico e acadêmico de Direito, esclarece que bullying e cyberbullying são formas de assédio, de violência física (mais comum no caso do bullying) ou psicológica (em ambos os casos) que acontecem de forma intencional e repetitiva, com o objetivo de intimidar, humilhar, causar dor e angústia, enfim, agredir outra pessoa. 

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Segundo ele, existe uma tendência a entender que qualquer situação pode ser enquadrada nesses conceitos, o que não condiz com a realidade. “Em casos isolados em que não consta o efeito da sistematicidade, ou seja, não é algo intencional que acontece de forma recorrente, não me parece haver efetivamente a conduta de ‘intimidação sistemática’.” No entanto, quando se fala em cyberbullying, a situação pode ser diferente. 

“Imagine uma publicação na internet ter mais de mil visualizações e compartilhamentos? Imagine um apelido que surge num grupo de WhatsApp e que efetivamente constrange a vítima, espalhar-se pela escola toda no dia seguinte, criando situações de humilhação e constrangimento psicossocial.” 

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Nesse caso, o cyberbullying, ou seja, o bullying praticado pela internet, não precisa ser necessariamente repetitivo pois tem seus efeitos ampliados pela tecnologia. “Uma única ocorrência, a depender da proporção que toma, já poderia vir a ser considerada cyberbullying.” 

Em suas palestras, Borges reforça a importância de haver atenção conjunta ao que vem ocorrendo por parte das famílias e escolas, tanto no sentido de prevenir quanto de auxiliar. Ao mesmo tempo, alerta que os pais devem ficar atentos à responsabilidade que possuem frente aos atos dos filhos, conforme a entrevista a seguir.

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Entrevista – Cristiano Goulart Borges, analista de segurança da informação

  • Gazeta do Sul – O senhor tem percebido aumento nas ocorrências?

Cristiano Goulart Borges – Se compararmos as denúncias acolhidas pela Safernet entre 2019 e 2024, veremos um declínio de 31% no número de atendimentos relacionados às condutas do cyberbullying  (em detrimento do aumento de outros crimes virtuais que podem estar relacionados). Entretanto, um levantamento feito pelo Colégio Notarial do Brasil mostra um aumento de 20% na emissão de atas notariais que visam comprovar casos de cyberbullying entre 2020 e 2024. 

A minha percepção pessoal é que se tem falado mais sobre o assunto. As redes sociais e a comunicação instantânea ampliaram não apenas o número de casos, mas também a visibilidade sobre eles.  

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  • Existe conhecimento quanto ao perfil de quem mais pratica bullying e ciberbullying?

Os estudos sobre o tema são pontuais e muitas vezes esparsos. Um estudo da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) de 2019 mostrou que o cyberbullying no Brasil acontece mais entre os adolescentes de 13 a 15 anos, mas algumas  pesquisas internacionais apontam que a prática é mais comum entre adolescentes de 14 a 16 anos. 

Também se observa que diferentemente do bullying presencial, o qual acontece mais com os meninos, o cyberbullying revela-se uma prática mais comum entre as meninas.  

  • A que se deve isso?

Diversos fatores podem estar envolvidos e estão mais ligados aos aspectos psicológicos, como a imaturidade emocional, comportamento de manada e necessidade de aprovação dos pares, falta de empatia e falta de supervisão adulta. Também é importante ressaltar o ambiente em que esse jovem cresce, mais especificamente, os exemplos aprendidos em casa. 

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Cite-se também a crença no anonimato da internet, que infelizmente acaba liberando o pior lado de algumas pessoas. Estas se encorajam a mostrar a pior versão de si, achando que não haverá consequências. 

  • O fato de cada vez mais os jovens terem acesso a dispositivos como smart-phones contribui para isso?

Sem dúvidas. Não só os smartphones, a ampliação de telas em geral aumentou a superfície pelas quais as agressões podem acontecer. Note, é muito fácil praticar o cyberbullying, basta ter um dispositivo (celular, tablet, notebook) conectado à internet e qual a criança/adolescente que você conhece que não tem acesso a um dispositivo, mesmo que momentaneamente durante o dia. 

  • Qual seria o papel da família para prevenir essas práticas?

A família é fundamental para coibir esse tipo de prática pois, como costumo dizer nas palestras que ministro, bullying e cyberbullying são questões de educação. E qual o lugar melhor para prover a educação do que o âmbito familiar? As famílias precisam entender o problema, promover discussões a respeito, falar abertamente, acompanhar o uso das tecnologias e principalmente impor limites em determinados momentos. Acompanhar o uso responsável das tecnologias também é fundamental para a criança se sentir segura nesses ambientes.

Ressalto um ponto importante que sempre deixo como dica, pois é muito comum que pais e responsáveis se coloquem num papel de inferioridade quando o assunto é tecnologia: “Meu filho entende mais de tecnologia do que eu, não sei mexer nessa coisa aí”. Mas o que é mais importante para identificar os perigos da Internet: entender de tecnologia ou entender da vida? 

Os pais não devem subestimar suas capacidades no ambiente digital, pois a vivência deles é muito importante e necessária para a experiência dos filhos. Mais do que isso, nenhuma tecnologia é capaz de superar/suprir uma boa conversa com seus filhos, com amor e respeito.  

  • E as escolas, como devem agir no sentido de orientar os jovens?

Precisamos firmar parcerias que envolvam a comunidade como um todo. De forma prática, as escolas podem criar políticas claras e públicas. Podem informar que não aceitarão determinados tipos de conduta dos alunos (incluindo casos de exemplo devidamente anonimizados); criar um canal de denúncia acessível e anônimo, que garanta a confidencialidade do denunciante; ter um fluxo bem definido de atendimento das demandas, com recebimento, triagem, acolhimento, ações pedagógicas. 

  • Quanto à responsabilização jurídica e o dever de reparação, tem havido cada vez mais decisões no sentido de condenar os pais pelos atos dos filhos. O senhor poderia citar em que situações isso pode ocorrer? Quando o pai pode ser processado?

A internet não é diferente da “vida real”. Se um menor de idade brigar na escola, provavelmente seus pais serão chamados a assumir responsabilidade, pois respondem civilmente pelos danos causados pelos filhos menores de 18 anos. 

O mesmo acontece na prática do bullying/cyberbullying. Se um adolescente o pratica, causando prejuízo emocional, físico, moral ou financeiro à vítima, os pais podem ser obrigados a indenizar essa vítima. 

A responsabilidade direta do jovem começa em regra aos 18 anos, embora, dependendo do caso, adolescentes entre 12 e 17 anos também possam responder na esfera infracional, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

  • Como isso pode ser feito?

A coleta de evidências é essencial para a comprovação da conduta. Se a ideia é levar o caso às esferas judiciais, é importante registrar um boletim de ocorrência, guardar provas do ocorrido, enfim, guardar as evidências necessárias. 

Diante de sua experiência, o que ainda pode ser feito para combater as práticas? A lei que evita uso de celular em sala de aula poderia ajudar? 

Na minha experiência pessoal, o principal ponto de atenção são os pais. Eles precisam ser chamados às suas responsabilidades e entender que a forma como educam seus filhos impacta a sociedade. 

Eu vejo o Estado criando leis e aplicando sanções em determinados casos. Vejo escolas promovendo campanhas de conscientização, falando sobre o tema e enfrentando a questão de forma séria e estruturada. Mas poucas são as escolas que conseguem mobilizar pais quando o assunto é bullying e cyberbullying. Já me aconteceu de ser chamado para fazer uma palestra numa cidade do interior, e apenas três pais estarem presentes. 

  • A lei que restringe o uso de celular em sala de aula pode ajudar?

Pode ajudar, sim, e conforme relatos de algumas escolas, de fato ajuda. Certa vez, uma coordenadora que me chamou para uma palestra me confidenciou que nunca tinha precisado chamar uma ambulância para atendimento na escola. No entanto, depois da lei que proíbe o uso dos celulares, ela já chamou cinco vezes. “As crianças estão aprendendo a correr, coisa que elas não faziam quando estavam grudadas nas telas”, ela disse. Esse desenvolvimento psicomotor é essencial para as crianças, e essa socialização longe das telas é muito necessária. 

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Karoline Rosa

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