Era um sábado qualquer, pouco depois da meia-noite, e eu encarava um dilema antes de deitar para dormir: desligar ou não o celular?
De um lado, me atraía a ideia de ter um sono tranquilo, sem ser interrompido com o WhatsApp avisando que alguma criatura resolveu compartilhar um vídeo engraçadinho às quatro da manhã, ou que algum amigo acordou cedo e queria dar bom dia. Mas é claro que venceu o medo: e se algo realmente importante acontecesse? Por via das dúvidas, o bichinho ficou ligado.
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Não lembro do meu primeiro aparelho. Mas lembro que, quando todos já tinham os seus na minha escola, uma de nossas diversões era dar “toques”. Ligar e deixar chamar apenas uma vez. Sei lá para quê. Depois viraram moda aquelas mensagens de texto com combinações de caracteres que formavam desenhos fofos (ou pornográficos). E aí alguém descobriu que as ligações só eram cobradas após cinco segundos de conversa. Se isso é real, nem sei, mas criamos o hábito de conversar por meio de frases curtíssimas para não gastar o saldo. Sim, pois naquele tempo comprávamos cartões nas bancas e raspávamos com a ponta da chave para ler um código que servia para creditar o valor.
Pois bem. Mesmo sendo filho da geração digital, me assombro com a dependência que criamos dessas maquininhas. Outro dia fui assistir a uma peça em Porto Alegre e, tão logo apagaram as luzes do teatro, enfiei no bolso o celular silenciado, decidido a me desconectar de tudo. Passou uma meia hora e o dito cujo vibrou. Me contive. Minutos depois, vibrou de novo. Resisti. Mas dali a pouco começou uma sequência e, é claro, pensamentos mil passaram a correr pela minha cabeça. E se fosse alguém querendo comunicar uma tragédia com um parente? Ou uma bomba no trabalho? E se o Temer tivesse renunciado, o Trump declarado guerra ou tivessem descoberto que Elvis, de fato, não morreu? Como conviveria com a culpa se deixasse passar? No fim, eram só uns memes da Suzana Vieira.
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Reza a lenda que até dava para dormir tranquilo, a noite toda.