– Mara, o vô era negro?
– Claro, né, Rose?
– Na certidão de nascimento ele consta como branco.
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– Ah, Rose, naquele tempo todo mundo era branco.
Tenho vontade de rir. Um riso triste. “Naquele tempo todo mundo era branco.” Entendo a generalização que minha prima usa para dar força ao argumento. Na fronteira gaúcha, de onde viemos, só pessoas pretas eram registradas como negras. Negros de pele clara e pardos de todos os matizes eram considerados brancos.
Em um país onde o branqueamento da população mestiça foi política de Estado, negar as origens africanas era o primeiro passo para a ascensão social.
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Não sei até que ponto isso mudou. Os números do IBGE apontam que cada vez mais os brasileiros se assumem como pardos e pretos. Mas é uma postura relativamente recente. Fruto da luta do Movimento Negro, que colocou o dedo na ferida. E não tirou mais.
Por conta desse esforço, muita coisa emergiu nessas últimas décadas. Já sabemos que nossa miscigenação foi extremamente desigual e frequentemente violenta. Todos os estudos genômicos mostram que a ascendência negra – e também a indígena – dos brasileiros vem das mães. Porque brancos, econômica e socialmente dominantes, usaram mulheres negras e indígenas para sua satisfação sexual.
Também sabemos que o Brasil da democracia racial foi uma de nossas grandes mentiras. O surgimento das redes sociais, a popularização da internet e a legislação foram fundamentais para desmascarar esse mito. Mesmo sendo crime, a toda hora alguém expressa posições racistas. Uma deslumbrada aqui, um grosseirão ali, um segregacionista adiante… Preconceitos revelados, vem a reação. E, então, todos pedem desculpas. Como se fosse suficiente.
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Falar sobre isso me causa estranheza. Desconforto e um pouco de culpa. Só recentemente o racismo deixou de ser um problema dos outros. Porque só recentemente assumi, para mim mesma, que não sou branca. Entendi que não importa o sobrenome germânico dos antepassados, nem a parentada de pele clara. Não importa a imensa lista de açorianos na minha genealogia, nem o que supostamente diz minha genética. Tampouco importa se fui criada com privilégios que pouco negros têm. Agora, nada disso importa.
Minha aparência – meu fenótipo, para usar um termo mais técnico – é de uma mulher com forte ancestralidade africana. Como eu não vi isso antes? Os alemães, os portugueses, espanhóis, belgas e indígenas que formam o mapa que sou eu, se curvaram diante da negritude. E eu saí assim: uma negra de pele oliva. É como se eu fosse uma vingança. Pena que descobri tão tarde.
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