Enterre seus mortos conta com clima de indiferença, desolação e violência
Edgar Wilson e o padre excomungado Tomás chegam a um acidente em uma rodovia. A cena é trágica e visceral: um cavalo atravessou o para-brisa de um veículo e permanece vivo, agonizando, enquanto o motorista pede ajuda. No entanto, a situação não parece comover Edgar, que dispara um tiro de espingarda à queima-roupa na cabeça do animal. Ferido, o condutor pede ajuda, mas é ignorado pelo homem, justificando que não é sua função. É esse clima de indiferença, desolação e violência que abre o filme Enterre seus mortos, longa-metragem de terror nacional do diretor e roteirista Marcus Dutra (Quando eu era vivo e As boas maneiras). A Gazeta do Sul esteve recentemente em Porto Alegre e assistiu ao novo filme original do Globoplay na Cinemateca Paulo Amorim.
Adaptação do romance de Ana Paula Maia, a história mescla o gênero policial, faroeste e o horror cósmico em uma jornada pelo fim do mundo sob os olhos de Edgar Wilson, vivido por Selton Mello. O ator mostra mais uma vez o talento de dar brilho a qualquer material, trazendo o seu carisma para o protagonista apático. Encarregado de recolher animais mortos nas estradas que passam pela cidade de Abalurdes, o personagem vive um relacionamento com a sua chefe, Nete (Marjorie Estiano). Ele espera arrecadar uma boa quantidade de dinheiro para sair com a namorada daquele fim de mundo. Contudo, o sonho torna-se um pesadelo quando Nete envolve-se em um culto religioso a convite da tia Helena (Betty Faria), apresentando a ela e Edgar terrores que podem desencadear o apocalipse. Para além do grande elenco e atuações memoráveis, Enterre seus mortos ousa em explorar os conceitos do horror cósmico, criado pelo escritor norte-americano H.P. Lovecraft, no território brasileiro.
A brasilidade é presença constante na produção e torna a menção às criaturas abissais e deuses antigos para lá de interessantes, tal como visto em A própria carne, longa-metragem do Jovem Nerd que foi lançado no mesmo dia. As duas obras vêm reforçar o talento do cinema nacional em se apropriar de conceitos, gêneros e temas universais e adaptá-los para a cultura brasileira. Resta agora o público reconhecer, valorizar e conferir as nossas produções.
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Apesar do respeito e compreensão da obra literária de Ana Paula Maia, Enterre seus mortos cria uma narrativa confusa e incompleta. E mesmo com todo o cuidado ao adaptar a história do romance, o mundo estabelecido no livro não consegue ser retratado na tela. Na sessão realizada na Cinemateca Paulo Amorim, era nítido que havia falta de imersão por parte do público. Essa sensação deve-se especialmente à falta de uma contextualização mínima do mundo apresentado na trama. Há ainda o fato de que personagens e tramas secundárias apresentadas não têm um desenvolvimento ou desfecho satisfatório. Alguns simplesmente somem, deixando-nos frustrados.
Embora o sentimento de confusão e loucura seja parte das obras de horror cósmico, fica a sensação de que o roteiro não conseguiu trabalhar as diversas ideias da história. Ou muitas cenas acabaram de fora da edição, deixando a experiência incompleta. Outro aspecto que atrapalha na imersão é a maneira como o diretor aproveita os efeitos práticos. Criados pelo capixaba Rodrigo Aragão, um dos melhores profissionais brasileiros no ramo, não parecem ter sido bem filmados para fazer com que o público tenha pavor ou choque pelo que vê. Pelo contrário, causaram risos quando não deveria. Entre erros e acertos, Enterre seus Mortos não é um filme para ignorar, especialmente entre os fãs do terror. Há talento de sobra, em meio à confusão narrativa, para mostrar um apocalipse à brasileira.
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