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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Marcas deixadas nos livros ampliam a experiência literária

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Caetano Veloso já definiu os livros como objetos transcendentes e, ao mesmo tempo, dignos de nosso “amor táctil”. Claro, há quem prefira mantê-los intactos. Por outro lado, tem quem sugira que um verdadeiro leitor é aquele que deixa suas marcas ao longo das páginas. Morto em fevereiro, o crítico literário George Steiner afirmava que a presença de um lápis na mão – para riscar, sublinhar e fazer anotações nas margens do texto – revela um leitor que reage e responde à obra que está lendo.

Para o artista visual Wolney Fernandes, essa relação vem se modificando. “Eu tinha um cuidado muito grande em preservar os livros, achava que tinham um caráter sagrado, mas, ultimamente, tenho sentido uma vontade maior de escrever, rabiscar e fazer uma espécie de troca: o livro me marca, e eu quero deixar uma marca nele também. Quero tirar essa assepsia do modo como me relaciono com a leitura”, explica.

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“Na hora que vou comprar um livro, fico buscando qualquer marca para descobrir uma história”, relata.

O trabalho do artista visual Wolney Fernandes sempre esteve ligado à literatura. As narrativas lhe servem de inspiração para a concepção das obras – uma vez que, antes de iniciar uma criação, ele se pergunta que história quer contar. “É como se (com a literatura) eu ampliasse a minha experiência”, revela. Assim, foi natural que, ao flexibilizar a sua relação com o objeto livro, isso tenha se refletido em sua produção.

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É sobretudo em revistas antigas e objetos cotidianos que Wolney busca o material para compor as suas colagens. “Busco uma correspondência com as questões com as quais o livro está me cutucando. Vou fazendo um apanhado e criando relações entre as imagens, com um significado que é muito meu”.

A consciência dessa relação íntima com cada obra acabou despertando em Wolney outra vontade: a de customizar capas de livros. Em uma série de stories no Instagram, o artista mostra como modificou, por exemplo, uma edição de Madame Bovary, clássico de Gustave Flaubert, cuja imagem escolhida para a capa – uma pintura de Picasso – não dialogava com aquilo que o romance lhe transmitia. “Me incomodava ver uma imagem vinculada a um tempo que não era o tempo do livro em si; a partir disso fui atrás de novas imagens”, explica. “Considero duas vias: uma simbólica, daquilo que leio, e outra formal, que influencia diretamente o meu olhar. Tem a ver com o significado, mas também com a experiência estética.”

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Se, antes, Carol era adepta da ideia de “pecado” envolvendo a marcação de livros, ela conta que começou a sentir essa necessidade quando passou a buscar, nas obras, inspiração para compor. Assim, uma de suas manias quando encontra um livro é conferir se os grifos do antigo dono coincidem com os seus. “Fico imaginando por que a pessoa sublinhou coisas que me parecem banais e não-sublinháveis”.

Dono do sebo Desculpe a Poeira, o jornalista Ricardo Lombardi diz que esses “aspectos mais físicos que cercam a leitura” sempre lhe interessaram. Desde que passou a comprar livros usados para revender, ele também coleciona objetos que os antigos donos deixam dentro deles. Lombardi os guarda em pastas ordenadas em categorias como “fotografias”, “cartas” e “tíquetes”. Seus achados incluem, por exemplo, ingressos de ópera do século 19, “nudes” dos anos 1970 e cartões de embarque de avião. A ideia, agora, é transformar tudo isso em um livro, como um “grande gabinete de curiosidades”. Os objetos, segundo Lombardi, “mostram que o livro tem uma vida – uma vida que é muito analógica”. Algo que, como observa ele, não ocorre com e-books.

Por escrito
Esse aspecto analógico fez Mariana Gogu se encantar pelo universo das dedicatórias. “É algo escrito à mão. Hoje, a gente quase não conhece a caligrafia das pessoas”, avalia. Mariana nem sabia ler quando ganhou a primeira dedicatória, escrita por uma tia. Anos depois, descobriu que ela mesma seria tia pelas palavras deixadas pelo irmão em um livro de Edgar Allan Poe.

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A paixão pelas dedicatórias fez com que passasse a vasculhar sebos em busca de “tesouros”. “Comecei a fotografar e publicar o que eu encontrava, mas, simultaneamente, pensei que poderia ter a contribuição de outras pessoas”. Foi assim que, há cerca de oito anos, ela criou o projeto Eu Te Dedico, hoje no Tumblr e no Instagram.

Desde então, ela recebe reproduções de dedicatórias quase todos os dias. “Faço uma curadoria e seleciono pelo tema – algumas mais românticas, outras de amizade, pedidos de desculpas. Grande parte vem com a história por trás da mensagem”, detalha. Assim, conta ela, “as pessoas se inspiram para escrever as suas”. Em sua visão, trata-se do “presente mais eterno que se pode dar para alguém”. Aliás, uma lembrança muito valorizada pelos leitores são as dedicatórias dos próprios autores. Na seleção de Mariana, já entraram autógrafos de nomes como Caetano Veloso, Cora Coralina e Lygia Clark.

Embora afirmem que colecionar autógrafos não seja a sua praia, os escritores Milton Hatoum e Sérgio Augusto guardam dedicatórias de alguns de seus ídolos literários, como Salman Rushdie e Rubem Fonseca. Humberto Werneck, por sua vez, afirma não se iludir: autores distribuem a mesmíssima dedicatória para seus leitores.

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