A cronista Martha Medeiros é a patrona da 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul
Em maio de 2024, a escritora Martha Medeiros era para ter vindo a Santa Cruz do Sul, na condição de patrona da Feira do Livro. A enchente que atingiu o Estado levou à suspensão do evento, inviabilizado diante dos estragos registrados e das dificuldades de acesso. Um ano e três meses depois, ela finalmente poderá fazer a visita. A 35ª Feira do Livro vai ocorrer de 1º a 10 de agosto, na Praça Getúlio Vargas, e Martha permanece como a grande homenageada. Enfim o encontro da autora com leitores será concretizado.
Os organizadores, o Serviço Social do Comércio (Sesc) e a Prefeitura de Santa Cruz do Sul, através da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa, optaram por manter a mesma proposta de realização do ano passado. Assim, o evento tem como slogan Abra livros, abra o mundo, e terá em paralelo a 1a Festa Literária Internacional, trazendo autores de outras nacionalidades.
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Mas a grande estrela nesse universo da celebração da literatura e da leitura será mesmo Martha Medeiros. Na expectativa da vinda a Santa Cruz, ela concedeu entrevista exclusiva ao Magazine. Na conversa, reflete sobre a singularidade do fato de em 2024 não ter conseguido vir à região por conta de enchente de proporções dramáticas, justamente quando a praça era para ter acolhido livros, livreiros, autores e leitores.
Nascida em Porto Alegre, em 1961, a jornalista e escritora Martha Medeiros é um dos principais nomes da crônica no Brasil na atualidade, sendo este um gênero profundamente identificado com os jornais ou com a comunicação impressa ao longo de décadas no Brasil.
Como colunista da Zero Hora, ela completou no ano passado três décadas de dedicação a esse formato de texto, pelo qual estabeleceu forte ligação com os leitores, em especial com os gaúchos. Mas seus artigos passaram a ser compartilhados ainda por veículos como O Globo, bem como por revistas de circulação nacional. Com sua popularidade, ainda ganhou espaços em programas de TV, como debatedora. Suas crônicas foram reunidas em livros que se tornaram best-sellers, e ela igualmente publicou romances e relatos de viagens.
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Gazeta: A senhora estará em agosto em Santa Cruz do Sul, na condição de patrona da Feira do Livro. Como avalia essa situação, inusitada, de precisar aguardar por um ano para essa visita, uma vez que a edição do ano passado foi cancelada em virtude da enchente?
Martha: Não foi só a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul: a impressão que tive é que 2024 inteiro foi cancelado pelas enchentes. Todos nós tivemos que parar de fazer o que estávamos fazendo para refletir sobre este “novo normal” climático, e encontrar maneiras de ajudar quem mais precisava. Mas a vida costuma espalmar suas mãos nas nossas costas e nos empurrar para frente. Aqui estamos, finalmente, e desta vez o encontro se dará. Estou bem entusiasmada.
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De que maneira a senhora acabou sendo afetada pela enchente de 2024? Como foi lidar com a situação daqueles dias?
Moro em um bairro alto de Porto Alegre, e em um andar alto de um prédio, então passei apenas por privação de água e luz, o que é chato, mas não se compara com quem perdeu móveis, documentos, suas casas e até amigos e parentes. Emocionalmente, eu estava passando pela perda do pai das minhas filhas, de quem eu era separada, mas muito amiga, e as enchentes também coincidiram com o término de um namoro de seis anos. Foi como se o meu mundo estivesse se revirando, eu me encaramujei e processei um luto estendido. Não foi fácil, mas o ser humano se regenera sempre. Agora torço para que Porto Alegre e as demais cidades atingidas em 2024 não passem de novo pelo que passaram.
Num olhar retroativo, entende que aquela catástrofe deixou algum ensinamento que tenhamos compreendido devidamente, na sociedade gaúcha? Como vê o cenário atual?
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A lição é sempre a mesma, só que nunca aprendemos: a importância da prevenção. Temporais, ventanias, tudo isso faz parte da natureza, ainda mais agora, com as mudanças climáticas. É fundamental estar preparado para minimizar as consequências e proteger principalmente os mais vulneráveis, mas, infelizmente, preferimos remediar a se precaver. Governos municipais, estaduais e federais deveriam investir em infraestrutura para evitar colapsos, mas aí vêm as perguntas: “e se nunca acontecer?”, “e se não for preciso”? Acabamos concluindo que será dinheiro jogado fora, e quando o problema acontece, nos encontra indefesos. Eu mesma achava que o muro da Avenida Mauá era inútil, defendia sua derrubada, e mudei de ideia, claro, hoje entendo que é preciso haver uma contenção das águas do Guaíba, seja do jeito que for. É preciso aprender com os prejuízos e o sofrimento.
Qual a expectativa pelo encontro com os leitores em Santa Cruz? Acaba tendo significado único uma vez que se trata de longa espera?
Todo encontro com leitores é único e surpreendente. O trabalho do escritor é tão solitário que às vezes a gente esquece que, do outro lado da tela do computador, há pessoas que sentem as mesmas dores, vivem as mesmas dúvidas, compartilham os mesmos desejos. Então, quando essa troca se dá de forma presencial, é sempre um encantamento, um momento mágico. Não pretendo dar protagonismo à enchente, ela não precisa ser o nosso assunto principal: quero conversar com os leitores de Santa Cruz sobre a importância da arte em geral e da leitura em particular, sobre como são necessárias as conexões de verdade. Precisamos contra-atacar o vazio e a violência atual, disseminando bons valores e uma visão mais positiva da vida.
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Têm sido muitos os compromissos ou eventos no País e no exterior? Como está a agenda ao longo deste ano?
Compromissos no exterior, só os emocionais: acabei de rever uma de minhas filhas, que mora fora, rever amigos, rever cidades que gosto… Amo viajar. Mas agora é hora de focar no Brasil: estou lançando um livro ilustrado, que traz as frases e reflexões que mais se destacaram nos meus 40 anos de carreira literária. É um box duplo, lançado pela editora Vitrola: traz esse meu livro, junto a um livro de Luis Fernando Verissimo, celebrando o conjunto da obra de cada um. Não consigo imaginar honra maior, Verissimo sempre foi um mestre. Já há alguns eventos programados no segundo semestre para a divulgação deste box. Assim que voltar de Santa Cruz do Sul, embarcarei para o Rio de Janeiro para cumprir uma série de compromissos.
Que temas mais têm ocupado sua atenção ultimamente? Como tem sido a rotina de artista em um mundo com tanta tensão e ameaça de toda ordem?
Pois é, por um longo tempo eu me dediquei a escrever sobre as relações humanas, com foco principal nas relações amorosas. Hoje vivo um outro momento da minha vida, e apesar de o amor continuar me interessando, tenho escrito mais sobre a nossa relação com a tecnologia, nossa relação com a finitude, nossa relação com a solidão, nossa relação com os amigos, com a arte, enfim, o leque se abriu e estou diversificando os assuntos. À medida que o tempo passa, procuro não me limitar, ao contrário, quero me expandir. É uma maneira de retribuir a generosidade que a vida sempre teve comigo.
A relação com a natureza é tema sempre presente em suas crônicas. De que maneira esse assunto se insere hoje em sua produção?
Sou uma pessoa solar, gosto de estar perto do mar e junto às montanhas, acho importante dar umas escapadas do ambiente urbano e se conectar com o que é muito maior que nós, para que possamos dimensionar nosso real tamanho. Ainda assim, não é um tema tão recorrente na minha produção, prefiro escrever sobre a natureza humana, que é mais complexa e instigante.
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