Guardo com viva e doce lembrança a primeira viagem que fiz a Caxias do Sul. Numa Rural Wyllis, algumas pessoas da minha família foram à cidade prestigiar a Festa da Uva. Não existia a Rota do Sol, então, para ir de Cruzeiro do Sul até lá, subia-se por Colinas, Daltro Filho, Garibaldi, até o destino, tudo praticamente em estrada de chão. Minhas fotografias juvenis acomodam irretocáveis na alma as imagens captadas nessa excursão.

Como nunca andara pela serra, a epifania das montanhas, dos vales profundos, das nuvens esparsas ou do céu azul quase tocando o solo eram descobertas para sempre. Muito mais do que a praia do mar, a paisagem serrana mais encantos nos proporciona, uma vez que rompe a monotonia a cada quilômetro andado. Recordo a observação das primeiras casas com seus porões altos, construídas com pedra de basalto, para abrigar os barris de vinho, o salame, as copas, os frutos da colheita da terra.

Já encostando na casa começava o parreiral e na época oferecendo os primeiros sinais das folhas amarelando, cena que tanto surpreende e apaixona os visitantes até hoje. A tonalidade vai-se alterando, passando por uma cor de cobre, até alcançar a nudez da videira a aguardar o repouso da invernia. Mais tarde, presenciei o ressurgimento das folhas, também um espetáculo de cor com suas quase infinitas nuances de verde. E quase sempre ali estão portentosos plátanos, seja para suportar os fios da parreira, seja para abrigá-la dos ventos impertinentes.

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Quis o destino que meu ensino médio me levasse a morar três anos em Caxias do Sul, o que me proporcionou mergulhar com grande interesse e satisfação na cultura italiana com tudo de bom que deixou em mim. Tive aulas de italiano, aprendi essa língua sonora, falava como se nativo fosse. Aprendi a apreciar a música italiana, desde suas vibrantes canções folclóricas, passando pelos clássicos eruditos, até me deparar com os incomparáveis festivais de Sanremo, que nos deixaram Domenico Modugno, Gigliola Cinquetti (Dio, come ti amo), Sérgio Endrigo (Lontano dagli occhi), Peppino di Capri (Roberta, Champagne), Claudio Villa (Non pensare a me) e dezenas de outros que nos alimentam e emocionam sem cessar.

A culinária italiana me cativou. O pão de trigo, conhecido como pão italiano, é magnífico. Aprendi a saborear polenta, grostoli, raviolli, spaghetti, salame, risoto e a imbatível sopa de agnolini, com os capeletti (pequenos chapéus) mergulhados num caldo de sabor inigualável. Não posso omitir a pizza, as tantas ervas e temperos como o manjericão, o orégano, a sálvia, a salsa, o alecrim. Com tanto carboidrato, porém, é preciso ter saúde forte e, se possível, manter distância do cardiologista.

Andei pela região, vi os colonos pisoteando a uva para produzir seu vinho, visitei comunidades do interior, notando a grande e solidária organização que mantinha as pessoas unidas, observei os inúmeros capitéis, manifestação de fé, admirava os robustos gringos fazendo uma gritaria medonha no jogo da mora. Muito me interessei pela história da região, saber como o antes chamado Campo dos Bugres se tornou Caxias do Sul, como os imigrantes italianos, há 150 anos arrivados, transformaram esse cenário, tornando-o uma valiosa joia engastada no rico e diverso painel das culturas do Rio Grande do Sul.
Tenho minhas razões para repartir a alma também com o caldo italiano.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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