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Ministério Público busca consenso na resiliência climática no Estado

O Rio Grande do Sul viveu, em 2023 e 2024, dois momentos históricos nos apontamentos sobre as situações climáticas. As enxurradas e a maior catástrofe ambiental que se tem notícia no Estado mudaram a forma de entender a natureza e a relação dos gaúchos com os rios. Os mananciais podem ter alterado a geografia e a geologia, tornando obrigatória a realização de estudos mais aprofundados sobre ações que, antes, eram de senso comum. 

Na área da preservação e do estabelecimento de projetos de resiliência de longo prazo, o Ministério Público, por meio da Promotoria Regional Ambiental, no Vale do Taquari, tem buscado consenso entre atores sociais como sindicatos, associações, universidades e Poder Público. Uma das iniciativas que tem tido bom conceito é o Programa Protetor das Águas, criado em Vera Cruz, com o pagamento por serviços ambientais.

Quanto às medidas que o MP já desenvolvia na região vizinha, foi preciso rever o mecanismo do Corredor Ecológico do Rio Taquari, um case de sucesso, que tinha como foco a recuperação da mata ciliar. Hoje, há o entendimento de que deve ir além da vegetação, evitando a reocupação de áreas consideradas de arraste, que são espaços que demandam maior preocupação do que aquelas apontadas como alagáveis. 

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A pandemia de coronavírus, entre o fim de 2019 e 2021, foi apontada como balizadora na sequência histórica da sociedade. Criou-se o conceito do estabelecimento de um “novo normal”, a partir do que foi vivido, em todo o planeta, no período de emergência sanitária. Pouco tempo depois, o Rio Grande do Sul pôde estabelecer um novo ponto de corte com a ocorrência da maior catástrofe ambiental da história. O “novo normal” precisou passar por revisão. 

Diante dessa realidade, que teve grande repercussão no Vale do Taquari, com as enxurradas de 2023 e o ápice em maio de 2024, a Promotoria Regional Ambiental (PRA) viu a necessidade de rever o programa que movimentou produtores ribeirinhos. A implementação começou em 2001, adotada pela ex-promotora de Estrela, Mônica Maranghelli Ávila, em diálogo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Estrela. 

O Corredor Ecológico do Vale do Taquari, como foi batizado, pretendia a recuperação de 1,5 mil hectares às margens do rio. Em 2011, 929 Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) já haviam sido assinados, a partir de laudos técnicos. Por meio deles, o proprietário assumia o compromisso de promover a recuperação das áreas. Foram abertos 979 inquéritos.

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Os resultados eram positivos, tendo alguns municípios, como Colinas, conseguido a implantação em toda a sua extensão. Os acontecimentos climáticos, explica o titular da Promotoria Regional Ambiental, Sérgio Diefenbach, motivaram a adaptação. “Criou-se com o foco na proteção da margem do rio, ficou grande e com um expediente para cada propriedade”, relata. Com esse mecanismo houve demanda excessiva, gerando mais de 1,2 mil processos. “Seria necessário, também, entender a capacidade fiscalizatória de cada município para dar prosseguimento”, explica Diefenbach. 

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A nova realidade climática impôs a adoção de medidas que ultrapassam o contato caso a caso. O MP, com aval do Conselho do Ministério Público, solicitou, então, o arquivamento dos inquéritos gerados. A PRA buscou, com isso, evitar a beligerância jurídica, fazendo com que o consenso entre diferentes atores possa ser a ação de resiliência capaz de minimizar os efeitos de novas ocorrências climáticas. 

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Diefenbach confia em melhores resultados tendo a parceria de entidades como sindicatos, associações, Emater/RS-Ascar e secretarias municipais e estaduais do Meio Ambiente e Agricultura, além do Comitê da Bacia Hidrográfica do Taquari/Antas. “O MP é um ator dentro desse processo, que provoca as forças para andar. O protagonismo tem que sair de fora. Não sou executor de políticas públicas, mas podemos induzir para que sejam implementadas de forma coletiva”, explica. 

O promotor acrescenta que com essa atitude o MP deixa de ser o que olha de fora e passa a ser o propulsor de políticas. Para isso, tem cronograma de audiências com todas as secretarias municipais para entender a estrutura e a capacidade de cada município. “É um processo de escuta para formar um consenso na forma e agir”, destaca.

Estudo para mudar o Plano Diretor

As mudanças no programa de recuperação ambiental, acredita o promotor Sérgio Diefenbach, serão implementadas a longo prazo. E esse novo mecanismo atende à amplitude da atenção da promotoria, que vai além da preocupação com a mata ciliar. Foca em questões como a qualidade da água, esgoto e controle e proteção dos recursos naturais.

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Antes de implementadas, o Poder Público deve focar, com o entendimento do Ministério Público, nas ações emergenciais, que são problemas mais urbanos. “Essa invasão urbana no rio é o que gera a catástrofe. Os municípios ainda não criaram força para atender, também, o meio rural”, alerta. 

Enquanto acompanha o andamento das ações, Diefenbach reforça que estudos são realizados para apontar as necessidades da bacia hidrográfica, que podem nortear as ações do MP em um plano de longo prazo, pensando nos próximos cinco a dez anos. Cita uma questão que já foi identificada: a observação do que deve ser feito em cada segmento, uma vez que podem ter ocorrido alterações na geologia e na geografia. “Há regiões que comportam árvores, noutras elas não se fixam no talude e, então, é preciso recuperar o talude”, ressalta. 

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Um destes estudos é da Prefeitura de Lajeado. A administração contratou a Universidade do Vale do Taquari (Univates) para realizar levantamento do planejamento territorial diante do desafio das emergências climáticas e das zonas de arraste do rio. A partir da conclusão, os resultados serão analisados e servirão de base para a definição de novas diretrizes da legislação urbanística e do Plano Diretor da cidade.

“Qualquer medida relacionada à desapropriação de áreas, redefinição do uso do solo ou encaminhamentos específicos para os locais identificados como zonas de arraste somente será tomada após a conclusão do estudo”, destaca o secretário de Meio Ambiente, Luís Benoit. Por ora, situações pontuais de ocupações nestas áreas são verificadas pela Defesa Civil mediante denúncia. Sobre esses espaços, Diefenbach reforça que foi solicitado para concessionárias de energia e de abastecimento que não sejam feitas instalações. “As pessoas sofrem com isso, mas é necessário, enquanto os projetos habitacionais públicos padecem de lentidão compreensível e preocupante”, acrescenta.

Programa paga por serviços ambientais

O promotor Sérgio Diefenbach vê em uma iniciativa de municípios do Vale do Rio Pardo uma oportunidade para incentivar os produtores a adotarem medidas de preservação ambiental. Ele refere-se ao Programa Protetor das Águas, criado em 2011, em Vera Cruz. Com reconhecimento nacional, virou referência em conservação e conta com a adesão de 114 produtores, em 117 propriedades, o que representa a proteção de 129 nascentes e 242 hectares de áreas estratégicas. 

Promotor destaca o modelo do Programa Protetor das Águas, implementado pelo Poder Público em parceria com entidades e iniciativa privada

Por meio do programa, é feito o pagamento por serviços ambientais (PSA). Cada produtor recebe incentivo financeiro para adotar práticas de conservação da água e de solo em suas propriedades. Eles assumem a responsabilidade de proteger as nascentes, construir cercas para áreas ripárias e fazer monitoramento da qualidade da água e atividades de educação ambiental. 

“Houve evolução, a partir das cheias, no conceito de proteção, tendo um novo olhar sobre o Comitê da Bacia Hidrográfica, que não era muito observado, criando um plano de bacia, e mecanismos como pagamento de serviços ambientais, como tem em Vera Cruz e inicia-se em Venâncio Aires”, ressalta Diefenbach. O promotor entende que essa medida já deveria ter sido implementada em outros locais. “Há dificuldade de obter resultados apenas com a força política. O pagamento para o proprietário que preserva é uma espécie de compensação e ele se sente melhor”, explica. 

Em Vera Cruz, os resultados têm sido significativos. Houve melhora na qualidade da água, passando de 43,8% de pontos com as classes I e II, em 2012, para 90% atualmente, conforme os parâmetros da Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Ao tempo que preservam, os produtores recebem a isenção da tarifa de água para consumo de até 15 metros cúbicos na rede de abastecimento. 

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O prefeito Gilson Becker destaca que o Protetor das Águas é exemplo de como a união pode transformar realidades. “O Programa Protetor das Águas mostra que, com união entre Poder Público, setor privado e comunidade, é possível construir um futuro sustentável”, resume.

O programa é financiado pelo Município de Vera Cruz, em parceria com a iniciativa privada, com apoio de entidades como o Consórcio Intermunicipal de Serviços do Vale do Rio Pardo (Cisvale), a Emater/RS-Ascar, o Comitê Pardo, a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que reconhece o projeto como parte do Programa Nacional Produtor de Água.

Estado terá mecanismo de compensação financeira por preservação

O governo do Estado prepara mecanismo que possibilita a compensação financeira por serviços ambientais prestados pelos cidadãos. Por meio do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari-Antas, prevê a remuneração dos proprietários, que realizam a preservação e recuperação ambiental, como a proteção de encostas, matas ciliares, nascentes e práticas de conservação do solo e da água. A primeira experiência será um projeto-piloto na Unidade de Gestão do Rio Carreiro, definida pelo Comitê de Bacia. 

A iniciativa segue o que defende a Promotoria Regional Ambiental, com a parceria de órgãos locais e tem como referência o Programa Produtor de Água da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Já está em fase de elaboração de edital pela Divisão de Planejamento e Gestão do Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). O promotor Sérgio Diefenbach reforça que a ação seja expandida para toda a bacia Taquari-Antas, o que está nos planos do Estado, de acordo com nota da Sema. 

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Por enquanto, confirma a secretaria, são aguardados os resultados de levantamentos técnicos de topografia e batimetria, que podem confirmar a afirmativa do MP de alteração na geologia e geografia do rio e de seus afluentes. A parte topográfica é feita em parceria com o governo federal e está em fase de execução (em algumas partes do Estado) e em estágio final de contratação para as demais. Já a batimetria encontra-se em execução, gerando informações para subsidiar ações de planejamento, prevenção e recuperação na região.

De forma complementar, em parceria com os municípios, a Sema tem atuado, por meio do Departamento de Biodiversidade, na criação de parques urbanos em áreas de arraste, como no Bairro Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul, que foi devastado em 2024. Esses espaços têm dupla função: impedir a reocupação de zonas de risco e promover áreas verdes de lazer, conservação e uso público, reforçando a resiliência socioambiental da região.

Produtores são parceiros de ações

A mudança no mecanismo de resiliência climática defendida pela Promotoria Regional Ambiental é vista com bons olhos pelo produtor Jorge Dienstmann, 53 anos. Ele estava no grupo dos primeiros 20 a assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quando da implantação do Corredor Ecológico. Recorda que adotou as orientações do Ministério Público, o que fez com que a área produtiva, na propriedade no Distrito Costão, em Estrela, fosse reduzida em 1,5 hectare. “Nos comprometemos em manter o cuidado e preservar o meio ambiente”, recorda. 

A área da família, em que produzia soja e milho e atuava na bovinocultura leiteira e na avicultura, foi uma das beneficiadas pelo programa do MP, em parceria com a Prefeitura de Estrela, com a plantação de mata ciliar. “A maior parte do que foi colocado lá permaneceu, mas as árvores de grande porte, na beira do rio, é que foram problema, pois serviram como alavanca, sendo arrancadas e levando o material pela frente”, destaca. 

Esse depoimento evidencia estar certo o novo rumo nas ações de resiliência defendido pelo promotor Sérgio Diefenbach. Ele reforça a necessidade de que seja estudado o material da margem dos mananciais para definir o que será implantado. Dienstmann acredita que as gramíneas sejam mais adequadas para cumprir o papel da vegetação e não implicar em problemas futuros no caso de cheias. 

A experiência do produtor na área é de longa data. A família está na terceira geração no local. A casa foi construída pelos avós e, mesmo na forte enchente de 1941, a água havia chegado no assoalho. Desde 2023, houve uma sequência de enxurradas que mudou a história. Em setembro foram perdidas 25 vacas leiteiras. Já em novembro daquele ano, conseguiram antecipar-se e retirá-las, mas os aviários estavam com 60 mil aves, que não resistiram. 

Em maio de 2024, novamente foram retiradas as vacas, mas a estrutura sofreu danos irreparáveis: dois aviários foram destruídos e um terceiro teve avarias. O galpão dos bovinos foi levado com a força da água, assim como o alimento estocado. Como o nível demorou para baixar e a recuperação do solo foi lenta, impediu-se o recomeço da plantação para a nutrição dos animais. 

No local é mantida a plantação de milho e soja e a criação de terneiros para a subsistência. Dienstmann, diariamente, percorre os 2,5 quilômetros que distanciam a propriedade de onde mora atualmente, na área de familiares de sua esposa Simone Krackether, de 49 anos, em Linha Santo Antônio, em Colinas. Agora, aguarda medidas que possam dar maior segurança para a produção, como as que resultarão do trabalho coletivo liderado pelo MP. 

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Karoline Rosa

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