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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

(Não) se fala o alemão

Meu avô materno, José Aloysio Haas, falecido aos 93 anos em 2016, contou-me certa vez uma história curiosa do período em que serviu ao Exército. Naquela época estava em curso a Segunda Guerra e o treinamento era rigoroso junto ao recém-criado 8º Batalhão de Infantaria Motorizado (8º BIMtz). Diariamente os recrutas, equipados com pesadas mochilas, faziam longas marchas, muitas vezes entre Santa Cruz e Rio Pardo – ida e volta.

Então, em uma fria noite de vigília no quartel, meu avô pediu a um colega um isqueiro emprestado para acender um cigarro. Ao agradecer, distraído, deixou escapar um “Danke schön”. Outro recruta, que estava por perto, correu para denunciá-lo. Logo apareceu um oficial, acompanhado de guardas, com ordens para prender o soldado Haas: ele havia cometido o crime de falar em alemão.

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– Escutaram mal – afirmou o soldado, enquanto exibia ao oficial o isqueiro, um modelo com tanque de combustível recarregável. – O Haas não falou Danke schön, falou tanque cheio…

***
Ao cabo do serviço militar, meu avô materno retornou à colônia, onde o dialeto alemão sobreviveu à vigilância imposta pelo Estado Novo abrigado pelas distâncias e pelas estradinhas de difícil acesso. Mas na cidade a situação fora diferente. Pelo lado dos Düren, que viviam na zona urbana, a língua alemã teve que ser abolida, mesmo dentro de casa. Meu pai sequer teve tempo de aprendê-la.

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Voltei a sentir falta desse aprendizado ao virar repórter. Quando chegava à colônia para alguma matéria, os moradores logo se punham a falar das expectativas com a safra, das estiagens ou granizadas, no dialeto alemão. E olhavam para minha cara de alemão-batata incrédulos quando lhes pedia para falar em português.

– Arrhh, du sprichst kein Deutsch? 

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Mais tarde, em casa, vieram me perguntar se eu notara a família de “estrangeiros”.

– Falavam em uma língua estranha – disse Ágatha, a caçula. – Algo tipo: rain, rain, esprechhh, rain, rain…

E a Yasmin:

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– Na hora, pensei que fosse japonês. Mas em nenhum momento falaram arigatô ou sayonara – comentou. – Além disso, não tinham os olhinhos puxados…

***
Expliquei-lhes que aquela língua era alemão, ou dialeto alemão, ainda muito falado nas localidades do interior de Santa Cruz e região. E a Yasmin lembrou-se então das visitas ao bisavô José:

– Ahhh… é a língua que o bisa falava…

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Recordaram-se então que o bisavô, bem-humorado, gostava de lhes fazer perguntas em alemão, para ver como reagiriam. E, diante do silêncio atônito das bisnetas, insistia: “Du sprichst kein Deutsch?”. Ágatha, contudo, seguiu desconfiada mesmo após minha explicação. Observou que o bisa era bem idoso e, portanto, tivera tempo de sobra para aprender alemão, língua bastante complexa e com palavras imensas.

– Mas naquela família que vimos, pai, até as crianças falavam alemão… até as crianças! 

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