Imagine um livro que tivesse extensão infinita. Você o abriria e jamais conseguiria chegar ao fim; aliás, não encontraria sequer o início. Virada a capa, as páginas simplesmente brotariam do nada, sendo impossível chegar ao começo da sequência.
Esse seria o “livro de areia”, da forma como o argentino Jorge Luis Borges imaginou em um conto do mesmo nome. O escritor o chamou assim “porque nem o livro nem a areia têm princípio ou fim”. Não há primeira nem última página.
Leitores inveterados sabem que, por mais que tentem, nunca serão capazes de ler todos os livros interessantes já escritos. Claro que isso não vai impedi-los de tentar, mas o fato é que a literatura é infinita, tal qual o livro milagroso de Borges. Sim, como resultado da atividade humana, em algum ponto ela será finita, mas uma vida é insuficiente para chegar até esse ponto.
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Resta apenas esperar que, no curto período do nascimento à morte, o incorrigível leitor tenha sorte de encontrar os melhores ou mais significativos livros da vasta produção de todas as épocas. Não é pouca pretensão. De forma mais modesta: que ele possa ao menos evitar perder tempo demais com textos ruins ou medianos (os quais também parecem não ter fim).
Luis Fernando Verissimo certamente não ficará entre os ruins ou medianos. Ele está entre minhas lembranças mais antigas de leitura, na infância, quando O analista de Bagé mal havia sido lançado. E eu li, meio escondido dos pais (não sabia se podia).
Depois vieram muitos outros livros e personagens: o detetive Ed Mort (que atende em um “escri”, lugar pequeno demais para chamar de “escritório”), a Velhinha de Taubaté (“a última pessoa que ainda acredita no governo”), a socialite Dora Avante (não conta a idade, mas “diz que é verdade que carregou Getúlio Vargas no colo”) e sabe-se lá quantos mais.
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Considerado mestre da crônica, creio que Verissimo se aventurou várias vezes pelo conto – pelo menos é assim que algumas de suas narrativas me parecem. Seja o que for, dei muita risada lendo o que escreveu. Nenhum autor brasileiro me fez rir como ele.
Poucos dias atrás, após sua morte, peguei meu velho exemplar das Comédias da vida privada e reli. O humor continua ali, na frase certeira no momento exato, nos diálogos impagáveis. Verissimo mostrou que nem só de calhamaços e dramas sisudos se faz boa literatura. Ao lado dele, não existem tantos assim.
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