Cultura e Lazer

Números: linguagem universal que nasceu na Índia

Embora apareça muito pouco nos livros de História do Ocidente, a Índia segue fascinando e iluminando aqueles que se dedicam a compreendê-la. Na religião e na filosofia, por exemplo, nos esquecemos que mais de um terço da população mundial segue uma das tradições que surgiu no subcontinente indiano – Hinduísmo, Budismo e Jainismo – e que princípios indianos estão presentes no confucionismo chinês e em diversas filosofias orientais. Arrisco dizer que a Índia foi para o Oriente o que a Grécia foi para Roma e para o Ocidente.

No âmbito científico, já no século 5 – mil anos antes de Galileu – o matemático e astrônomo indiano Aryabatha (476-550) afirmava que a Terra girava em torno do sol e sobre seu próprio eixo, e conhecia a duração do ano solar com precisão de sete casas decimais. Neste artigo, concentro-me especificamente em outra herança indiana que se tornou universal e impulsionou a ciência, a economia e o desenvolvimento humano: os números indo-arábicos.

Os números são abstrações que usamos para quantificar o mundo. Muito antes de existirem símbolos pra representá-los, eles já eram expressos por palavras em inúmeras civilizações. Os anglo-saxões, por exemplo, não possuíam símbolos numéricos até a chegada dos soldados de César às ilhas britânicas, que introduziram os algarismos romanos – usados na Europa por mais de dois milênios. Hoje, recorremos às combinações de I, V, X, L, C e M apenas para representar séculos, ornamentar datas ou em requintados relógios.

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Os números que utilizamos atualmente, infinitamente superiores aos romanos para cálculos, frações decimais e pelo uso do zero, são chamados de arábicos ou indo-arábicos, por terem chegado ao Ocidente através dos árabes. O mais correto, porém, seria chamá-los de numerais indianos, que já existiam na atual Índia desde, pelo menos, o século 3 a.C.

Na América pré-colombiana, o zero também era conhecido: os maias o utilizavam em seus intricados nós de contagem (quipus), embora em sistema de base 20. A base 10 dos indianos, aliás, tem relação direta com o número de dedos das mãos, origem da palavra “dígito”.

Com a ascensão do mundo islâmico no século 7, e seu epicentro cultural, científico e comercial no atual Iraque, a sabedoria indiana foi incorporada ao florescente mundo árabe. Entre os estudiosos reunidos na Casa do Saber, em Bagdá, estava Abu Jafar Maomé ibne Muça Alcuarismi (780-850). Utilizando os numerais indianos, Alcuarismi desenvolveu um método matemático chamado “restauração”, ou, em árabe, “Al-Jabr”. Nascia a Álgebra, familiar para todos nós – ou quase todos. Do nome do sábio persa derivam ainda as palavras “algoritmo” e “algarismo”.

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Os números indianos eram usados na Península Ibérica pelos mouros, principalmente no comércio. Contudo, por razões ideológicas e até religiosas, o restante da Europa insistia nos algarismos romanos. Para que a matemática, a astronomia e o comércio pudessem avançar, a adoção dos números indo-arábicos e sua notação simples e concisa eram imprescindíveis.

Tudo mudou quando Leonardo Bonacci (1170-1250), nativo de Pisa, mudou-se com o pai para Bejaia, no norte da África. Ali, aprendeu árabe e estudou em profundidade a matemática indo-arábica baseada nos numerais indianos. Ao retornar à Toscana, escreveu o livro Liber Abaci (O Livro dos Cálculos). A obra do matemático – mais conhecido hoje como Fibonacci – popularizou os números indo-arábicos na Europa e pavimentou o caminho para uma invenção florentina que impulsionaria o fomento à ciência, à arte e à economia europeia: os bancos. A propósito, a famosa Sequência de Fibonacci já era velha conhecida no continente indiano.

Financiada por banqueiros italianos e catalisada pelos conhecimentos matemáticos e astronômicos herdados dos indianos, iniciou-se a era das Grandes Navegações e, com ela, a dominação europeia do comércio mundial. Em 20 de maio de 1498, Vasco da Gama aportou (depois bombardeou) Calicute, no sul da Índia, abrindo período de colonização que desmantelaria a antiga harmonia persa-indiana que predominava na região. Posteriormente, os ingleses completaram essa ruptura cultural ao substituir o persa pelo inglês nas relações administrativas e ao eclipsar grande parte do legado cultural e científico indiano. De certo modo, eram os números indo-arábicos – uma criação indiana – voltando-se contra seus criadores.

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carolina.appel

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