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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

O caso dos 42 cavalos

Os leitores mais assíduos desta coluna já sabem da admiração que nossa caçula, Ágatha, nutre por cavalos. Sua simpatia pelos equinos é tanta, que enquanto as irmãs colecionam ursinhos, Ágatha mantém sobre a cama uma dezena de cavalinhos e unicórnios de pelúcia; e também já desenhou e pintou um cavalo na parede de seu quarto, aproveitando-se de um momento de distração nossa.

Isso não é tudo. Ágatha planeja dedicar a vida adulta às cavalgadas, sonha em desbravar coxilhas, atravessar planícies e desafiar córregos no lombo bem selado de um possante zaino frente aberta. Mas sem mango e esporas, pois considera maldade o uso de tais apetrechos.

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– Os cavalos andavam sobre um lago congelado quando o gelo se rompeu. Todos caíram na água e congelaram também. A polícia imaginou que haviam sido roubados e só os encontrou seis meses depois, no lago. Mas então já era tarde demais…

Ágatha, contudo, não quis acreditar em tamanha desgraça.

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– No vídeo aparece uma foto que mostra como os cavalos ficaram, só com as cabeças para fora do gelo. A caçula, porém, continuou sem acreditar.

– Tem certeza que eram cavalos de verdade na foto? – quis saber.

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– Nãooo. Eram cavalos de verdade… – e passou a enumerar outras desgraças parecidas, ocorridas com alces, raposas e peixes, em lugares de frio rigoroso.

Naquela noite, Ágatha foi dormir abatida com a história dos cavalos congelados e eu decidi investigar o caso no dia seguinte. Até encontrei o vídeo no YouTube, mas, fora ele, nenhuma outra notícia sobre o incidente. Fiz buscas usando palavras-chave em português e inglês, contudo, nenhuma linha sobre os 42 cavalos congelados apareceu, nem em portais jornalísticos, nem mesmo em sites pouco confiáveis. Nada, nada.

Tentei então nova busca, desta vez usando as palavras-chave em cazaque, o idioma do Cazaquistão, e em russo, a segunda língua oficial do país (claro que não sei falar em russo, muito menos em cazaque. Para isso existe o Google Tradutor).

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Mais uma vez, nem sinal do incidente e, com isso, passei a dar razão a Ágatha: possivelmente trata-se de fake news. Tomara.

Fui então compartilhar com a caçula minhas impressões, e ela, já mais tranquila, desdenhou de meus esforços investigativos.

– Nem precisava ter se dado ao trabalho – disse. – É óbvio que os cavalos, que são bichos muito inteligentes, jamais se arriscariam sobre um lago congelado.

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Além disso, não existem cavalos nesses lugares tão frios. Só pinguins e leões marinhos…

Claro que, nesse aspecto, a traquinas está redondamente equivocada. Sabe-se que no Cazaquistão – onde as temperaturas podem baixar a 20 graus negativos – há cavalos, muitos cavalos. E são de lá os mais antigos indícios arqueológicos da relação de amizade e companheirismo entre o homem e o equino. Há 5,5 mil anos, as tribos nômades de lá já cavalgavam sobre as estepes e (pasmem) tinham no leite ordenhado das éguas uma rica fonte de proteínas. A domesticação dos cavalos possibilitou a essas tribos a expansão pelo território e, entre os arqueólogos mais ousados, há quem considere os nômades cazaques os ancestrais dos antigos indo-europeus – povos que deram origem à grande maioria das línguas faladas no planeta, inclusive o nosso português.

Ou seja, se hoje podemos bater um papinho tranquilo, entre um cafezinho e outro, com o amparo de nosso idioma riquíssimo em sinônimos, advérbios e conjunções, talvez seja por mérito, também, de um guerreiro cazaque que, imponente em seu traje de peles, decidiu desbravar o mundo no lombo de seu fiel companheiro, o cavalo. O que também dá mostras da relevância dele – do cavalo – na expansão e desenvolvimento de nossas civilizações. É pena que tal importância, e a fidelidade que o cavalo sempre demonstra para com seu tutor, nem sempre sejam valorizadas, como sugerem os inúmeros casos de maus-tratos que, cotidianamente, nos surpreendem.

E quanto à Ágatha, torço para que mantenha, na vida adulta, o amor e respeito que sente por esses animais incríveis, pois eles merecem. E que a história dos 42 cavalos congelados no Cazaquistão seja mesmo só uma conversa para boi dormir.

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